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CAPÍTULO IV – A INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA E A QUALIDADE DE VIDA DAS FAMÍLIAS – BEM ESTAR FÍSICO E

IV.1 Resultados – Bem-estar físico e psicológico/emocional

IV.1.1 Bem-estar físico (Saúde física)

“Algumas vezes aconselhamos a família a pedir ajuda” (Técnico de uma ELI)

A convivência e os cuidados diários prestados a crianças e jovens com autismo são entendidos como uma tarefa desgastante, difícil e exigente para as famílias, especialmente para as mães (Perry et al., 1992). No que respeita ao bem-estar físico, Nogueira et al. (2014) apuraram que metade dos agregados inquiridos entendeu que a sua qualidade de vida tinha piorado (42,8%) ou piorado muito (7,2%), após o nascimento da criança com autismo. Analisando somente as respostas das famílias com crianças até aos 6 anos, não

se observaram alterações significativas em relação ao apurado por Nogueira et al. (2014). Assim, a percentagem de agregados com crianças dos 0 aos 6 anos que considera que o seu bem-estar físico piorou (44,8%) ou piorou muito (8,1%) não ultrapassa os 52,9%.

Ao estudar agora o efeito da variável “acesso/apoio de IPI” nas respostas das famílias com crianças dos 0 aos 6 anos inquiridas, verifica-se que a frequência desta medida de política não parece influir na autoavaliação do bem-estar físico dos agregados. Desta forma, a percentagem de inquiridos que entende que o seu bem-estar físico piorou ou piorou muito após o nascimento da criança com autismo oscila entre os 52,4% (com acesso a IPI) e os 53,3% (sem acesso à IPI).

Figura 12 – Avaliação do bem-estar físico das famílias com crianças com autismo entre os 0 aos 6 anos, com e sem apoio de IPI

Fonte: FPDA/IESE (2014)

De acordo com a metodologia prosseguida na presente investigação, tentou-se de seguida conhecer de que forma as variáveis “sexo do respondente”, “escalão de rendimento do agregado”, “habilitações literárias do respondente” e “estado civil do respondente” tenderiam ou não a influenciar as respostas dos agregados com crianças até 6 anos de idade, independentemente do acesso/apoio da IPI. No que respeita ao “sexo do respondente”, regista-se uma variação na avaliação do bem-estar físico familiar. Assim, independentemente das crianças frequentarem ou não intervenção precoce, as mulheres, enquanto respondentes, consideram em maior percentagem do que os homens, que este item de qualidade de vida piorou ou piorou muito após o nascimento do filho com PEA. A diferença entre géneros observada é de cerca de 26 pp. Assim, enquanto 61,3% das mulheres inquiridas entendem que o seu bem-estar físico piorou ou piorou muito, a percentagem homóloga para os homens não ultrapassa os 35,0%.

9,5 42,9 45,2 2,4 6,7 46,7 46,7 0,0% 0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 50,0 Pi or ou m ui to Pi or ou Ma nt ev e- se M el hor ou Pi or ou m ui to Pi or ou Ma nt ev e- se M el hor ou

Com apoio de IP Sem apoio de IP

Figura 13 – Avaliação do bem-estar físico das famílias com crianças com autismo entre os 0 aos 6 anos, por sexo do respondente

Fonte: FPDA/IESE (2014)

Relativamente à relação entre o rendimento do agregado e a avaliação do seu bem- estar físico, os dados evidenciam que as famílias que se inserem nos dois escalões de rendimento mais baixos159 (< 1 IAS x2 e entre 1 IAS x2 e 1500€) são aquelas que em maior proporção se encontram descontentes com este item de qualidade de vida. Assim, para 76,0% das famílias com rendimentos < 1 IAS (x2), e para 66,6% dos agregados que auferem entre 1 IAS (x2) e 1500€, o seu bem-estar físico piorou ou piorou muito.160 Em todos os restantes escalões de rendimento, a percentagem observada em termos dos itens homólogos situa-se abaixo da média para as famílias com crianças dos 0 aos 6 anos. No que concerne às habilitações do respondente, verifica-se que a totalidade dos agregados igualmente com crianças em idade de frequentar IPI e com habilitações mais baixas (até ao 2º ciclo), admite que o seu bem-estar físico piorou após o nascimento do filho com PEA. Relativamente aos restantes níveis de habilitações literárias, a percentagem de famílias que alega que o seu bem-estar físico piorou não ultrapassa os 50,0%, oscilando entre 47,1% - 3.º Ciclo do Ensino Básico e 48,1% - Ensino Superior.

Continuando a estudar a influência de outras variáveis no bem-estar físico das famílias com crianças dos 0 aos 6 anos, independentemente do acesso à IPI, observaremos, por último, o efeito do “estado civil do respondente”. Neste sentido, os respondentes casados/união de facto, com crianças com PEA até aos 6 anos são os que em menor percentagem referem que o seu bem-estar físico piorou (9,4%) ou piorou muito (38,8%). Ao invés, verifica-se um peso muito superior nessas opções de resposta nos

159 Consideraram-se os seguintes escalões de rendimento: i) < 1 IAS x2; ii) de entre IAS x2 e 1500€; iii) de

1501€ a 2000€; iv) de 2001€ a 3000€ e v) >3000€.

160 Valores substancialmente acima da média para as famílias com crianças dos 0 aos 6 anos.

10,0 51,3 37,3 1,4 6,3 29,2 64,6 0 10 20 30 40 50 60 70

Piorou muito Piorou Manteve-se Melhorou

Feminino Masculino

inquiridos separados/divorciados ou solteiros/viúvos. Assim, enquanto para 75,0% dos respondentes separados/divorciados o seu bem-estar físico piorou, para os solteiros/viúvos esta opção de resposta é observável na totalidade dos inquiridos.

Atendamos agora à análise das respostas dos atores-chave relativamente à importância e influência do modelo atual de intervenção precoce na promoção do bem- estar físico da família. Das entrevistas e focus group realizados ressalta a convicção de que, em teoria, o atual modelo de IPI prosseguido em Portugal é promotor da saúde física das famílias.

Independentemente do exposto, a quase totalidade dos atores reconhece que na prática, ou seja, ao nível da implementação da medida, essa área de qualidade de vida familiar surge muito poucas vezes como uma prioridade ao nível da intervenção. Uma possível explicação para este facto passa pela metodologia/filosofia de atuação das equipas de intervenção precoce no terreno. De acordo com o transmitido pelos entrevistados, a IPI, tendencialmente, só deverá atuar perante uma manifestação de uma necessidade expressa pela família. Por outro lado, muito do apoio prestado ao nível do atual Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância é assegurado no âmbito do contexto escolar da criança (creche, pré-escolar, etc.). Desta forma, em muitas situações o apoio em casa não ocorre, o que dificulta a perceção dos técnicos sobre alguns aspetos do bem-estar familiar. Os técnicos especialistas no âmbito do autismo entrevistados apresentam-se como os mais críticos relativamente à atuação e preocupação da IPI com esta área de qualidade de vida:

“Uma família de uma criança com autismo tem que ter muita saúde, isso é fundamental, mas a IPI não tem essa preocupação, isso é ilusório” (Especialista em autismo extra SNIPI).

Quando questionados sobre o que poderia ser alterado no funcionamento da IPI com vista a melhorar a promoção do bem-estar físico da família os atores referiram aspetos como a necessidade de aumentar o número de recursos humanos afetos às ELI, aumentar a duração das sessões semanais de apoio e extensão dos horários das visitas às famílias para além das 18h e uma melhor e mais estrita articulação com os centros de saúde e unidades de saúde familiar. Por último, refira-se que nenhum dos atores entrevistados afirmou conhecer qualquer estudo importante que demonstrasse o impacto da intervenção precoce no bem-estar físico das famílias. Em relação ao papel dos técnicos das ELI na identificação e despistagem de problemas relativamente ao bem-estar físico da família, nomeadamente quando realizam atendimentos e ações de acompanhamento no âmbito do SNIPI, a maioria dos atores-chave ouvidos concordou que, embora

necessária, esta não é uma prática muito corrente. Alguns técnicos referem mesmo que nunca trabalharam esta vertente. Ainda assim, a coordenação do SNIPI alega ter dado instruções para se atuar ao nível da prevenção do bem-estar físico das famílias e das crianças.

Quadro 11 – Relação entre a IPI e o bem-estar físico das famílias

Categoria/ Área da

qualidade de vida Sub-categoria/ Dimensões de impacto

Unidades de

registo/indicadores Unidades de contexto/discurso

Bem-estar físico e psicológico

Bem-estar físico

Desempenho/adequação (Importância da IPI para o bem-estar físico da família)

Académicos – “Na medida do possível e em teoria sim,

o modelo promove a saúde física. A IP tem que levantar as questões e procurar os recursos na comunidade para responder a essa questão. Tem que ajudar a família a procurar recursos formais ou informais que visem contribuir para atenuar o seu desgaste físico ou mesmo a situação de doença.”

Coordenação Nacional e Coordenações Regionais do SNIPI – “O modelo em teoria é promotor do bem-estar

físico e psicológico. Depois lá está, existe aquele fosso que nós sentimos entre o que é o modelo e as práticas (…) isso é que falha. Por isso é que a formação e supervisão são tão importantes.”

Técnicos e especialistas em autismo infantil (extra SNIPI) – “A IP não tem essa preocupação, isso é ilusório,

embora a génese da IP esteja ligada à saúde. Deveria trabalhar a área da saúde familiar (…) e a primeira área da saúde familiar é logo a saúde física. A IP deveria promover isso dentro dos centros de saúde, que é o local de onde deveria partir todo o processo da intervenção.”

Importância das orientações e do trabalho dos técnicos das ELI para o bem-estar físico da família

Académicos – “Nuns casos haverá essa preocupação,

noutros não. As parcerias têm dado bom resultado.”

Técnicos das ELI – “Nós nunca trabalhámos esse aspeto.

Não sei se não seria metermos muita coisa no mesmo saco. Não pensei ainda sobre isso.”

Técnicos das ELI2 – “As famílias chegam muito

cansadas. Tentamos conversar, encontrar soluções, ajudar a encaminhar para algum sítio. Temos pouco tempo para as ouvir e tentar encontrar respostas.”

Técnicos das ELI3 – “Faz sentido a IP preocupar-se com

isso se a família estiver preocupada com essa questão” (…) algumas vezes aconselhamos a família a pedir ajuda.”

Coordenação Nacional e Coordenações Regionais do SNIPI – “O SNIPI está atento a isso, damos instruções às

nossas ELI para atuar ao nível da prevenção de uma boa qualidade do bem-estar físico das famílias e das crianças. Daí a importância de estar representado nas ELI um elemento ou mais da área da saúde, sobretudo dos cuidados de saúde primários.”