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4. O MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO JURÍDICA À PARTICIPAÇÃO

5.1 As estatísticas brasileiras a contrapelo

Desde as primeiras eleições dos anos 2000 que permanecem estáticos os números a respeito da representatividade das mulheres na política brasileira.

Analisando os resultados eleitorais nos primeiros anos em que se adotou, nos países latino-americanos, uma política de cotas, constatou-se que “um dos fatores responsáveis pela elevação da participação das mulheres no parlamento, na década de noventa, foi a adoção de políticas de ação afirmativa, incluindo-se aí as políticas de cotas, quer por iniciativa voluntária dos partidos quer por legislações eleitorais” (ARAÚJO, 2001, p. 232); (MIGUEL, 2000).

O quadro abaixo relaciona os países da América do Sul que adotaram mecanismos inclusivos para fomentar a participação das mulheres nos espaços de poder, assim como os percentuais de representantes femininas no Parlamento Nacional, segundo os dados da Inter-

Fonte: Global Database of Quotas for Women in national parliaments (International IDEA,

Stockholm University e Inter-Parliamentary Union), 2015.

Nota: O cálculo para proporção de mulheres no Parlamento considera as câmaras únicas e câmaras altas e baixas combinadas.

Elaboração: Observatório Brasil da Igualdade de Gênero (BRASIL, 2015b, p. 12).

Para entender as cotas, é preciso que se tenha consolidada a ideia de que elas surgiram como “estratégias privilegiadas na luta das mulheres por inserção nas esferas de poder” com potencial de propiciar aumentos reais na quantidade de mulheres nos espaços parlamentos e de promover um impacto simbólico, que é o de “contribuir para alterar determinadas percepções sobre o lugar da mulher na política” (ARAÚJO, 2001, p. 232).

As primeiras iniciativas de implantação do sistema de cotas (tanto partidárias como legislativas) deram-se a partir de iniciativa de partidos de esquerda. Segundo anota a literatura, a adesão de outros partidos (centro e direita) a essas iniciativas se deu por conta do “contagion-effect from the lef”178.

O resultado alcançado com a adoção de medidas afirmativas por esses países foi, portanto, o esperado. O Brasil, contudo, não se insere no âmbito desses países que conseguiram, após a implantação das cotas na política, promover um maior incremento da presença de mulheres nos espaços parlamentares.

A permanência da exclusão das mulheres nos espaços formais de poder brasileiros acontece a contrapelo da política de cotas, tendo em vista que, passado 22 anos da instituição dessas medidas de inclusão pelo ordenamento jurídico, esperava-se um quadro mais animador

178 Explica Araújo (2001, p. 233) esse efeito: “uma vez adotada uma política simpática ou com apelo eleitoral por

um determinado partido, outros tenderão a segui-la em função dos resultados que a mesma pode vir a propiciar. Portanto, a adesão partidária às ações afirmativas ou às cotas não vem ocorrendo apenas em razão de possíveis princípios ideológicos ou de efetivos compromissos feministas. Em parte, são imperativos pragmáticos, voltados para ganhos eleitorais imediatos, que movem tais iniciativas”.

e igualitário de homens e mulheres no Parlamento 11 eleições após essa implementação e às vésperas de acontecer a décima segunda179.

Apesar de no Brasil não possuírem quase nenhuma efetividade, as cotas na política ainda são o principal e mais efetivo mecanismo inclusivo de grupos sub-representados nos espaços de poder (MIGUEL, 2014), tanto que a Revista Observatório Brasil de Igualdade de Gênero de 2015 indicou que, com exceção do Brasil, os países que adotaram a “lei de cotas” têm parlamentos mais equânimes em termos de representação por sexo (BRASIL, 2015b, p. 16), apontando ainda que quando a Venezuela instituiu a lei de cotas em 1998 a representação feminina aumentou de 6% (seis por cento) para 12% (doze por cento). Todavia, em 2000, a lei foi declarada inconstitucional, tendo havido uma mudança nos percentuais de mulher na política, o qual caiu para 9,7% (nove vírgula sete por cento) (BRASIL, 2015b, p. 14).

São vários os fatores envolvidos nesse processo de inclusão, até por que, como alerta Araújo (2001, p. 232), existe toda uma “lógica político-pragmática envolvida nas empreitadas em torno do poder”. Essa influência de diversos fatores – “várias variáveis” – ajuda a entender por que vários países da América Latina que possuem “trajetórias e culturas políticas semelhantes às do Brasil, e talvez mais conservadores quanto ao chamado ‘machismo latino’, vêm apresentando quadros bem mais favoráveis às mulheres na esfera política, inclusive em relação às suas iniciativas de cotas” (ARAÚJO, 2001, p. 232).

Os dados revelam um cenário desanimador e preocupante, pois as mulheres brasileiras continuam sub-representadas dos espaços formais de poder, o que explica a análise atual de Oliveira (2016, p. 121), quando constatou que esforços institucionais180 para ampliar

a participação política feminina encontram-se em expansão no Brasil diante da constatação de que cotas eleitorais de gênero não têm se mostrado eficaz.

No caso do Brasil, o percentual de 6,6% (seis vírgula seis por cento), na década de 1990, subiu para 9% (nove por cento), em 2010; na Argentina, de 6% (seis por cento), na

179 1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016 e 2018 (ano atual).

180Em março de 2014, ocorreu a primeira ação do Tribunal Superior Eleitoral em emissoras de rádio e televisão

pela maior participação das mulheres na política. A campanha ‘Mulher na Política’, lançada no Plenário do Senado Federal, teve como slogan ‘Faça parte da política’. [...] Em setembro de 2015, ‘A Participação da Mulher na Política’ foi tema de um painel no Seminário Reforma Política, promovido pela Escola Judiciária Eleitoral (EJE/TSE).O desafio do poder público, dos partidos políticos e dos organismos internacionais para garantir a efetiva participação feminina na política dos países, especialmente na Ibero-América, esteve entre os pontos debatidos durante o VII Encontro Ibero-Americano de Magistradas Eleitorais realizado no TSE, em março de 2016. [...] ‘O Brasil vive uma sub-representação feminina muito grande, e a Justiça Eleitoral está, já há algum tempo, de olhos bem abertos para este problema que o Brasil enfrenta. A nossa Constituição da República afirma: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’, ressaltou a ministra do TSE Luciana Lóssio, na reunião" (BRASIL, 2017a, online).

década de noventa, aumentou para 38% (trinta e oito por cento), em 2010, e na Bolívia aumentou de 11,5% (onze vírgula cinco por cento), na década de 1990, para 18,9% (dezoito vírgula nove por cento), em 2010, isso antes da Lei de Paridade (BRASIL, 2010).

Em 2015, essas estatísticas foram novamente analisadas e, segundo a Revista do Observatório Brasil de Igualdade de Gênero, o percentual argentino em 2014 foi de 36,2% (trinta e seis vírgula dois por cento), o brasileiro de 9,9% (nove vírgula nove por cento) e da Bolívia de 53,1% (cinquenta e três vírgula um por cento), tendo este último instituído a regra de paridade em 2014 (BRASIL, 2015b, p. 12).

De 1997 para 2015, o percentual brasileiro de mulheres na politica subiu apenas 3 pontos (BRASIL, 2015b, p. 14) e as estatísticas atuais, segundo o Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe, continuam a indicar uma sub-representação feminina na política a qual ainda está longe de ser equânime.

Um estudo realizado pela revista Gênero e Número (LIBÓRIO, 2016, online) apontou que, neste ano de 2017, a representatividade de mulheres na câmara de vereadores diminuiu na maioria das capitais brasileiras, em nenhuma das quais se atingiu o percentual de 30% por cento de participação feminina, o que configura um retrocesso em relação a 2012, ano em que duas capitais (Rio Branco/AC e Maceió/AL) ultrapassaram esse percentual181.

Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral, divulgados em 7 de março de 2018, véspera do dia internacional da mulher, em 2016, “elas corresponderam a apenas 31,89% do montante de 496.896 concorrentes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, totalizando apenas 158.453 candidatas" (BRASIL, 2018a, online). Nas eleições de 2016, 7.803 mulheres foram eleitas para o cargo de vereadora (BRASIL, 2016g, online) e 641 mulheres ao cargo de prefeita, tendo se constatada uma diminuição do número de mulheres eleitas em relação a 2012 (BRASIL, 2016c, online).

Há, no mínimo, um descompasso matemático entre o número de eleitoras (52%), candidatas (31,89%) e eleitas (11% em média), desproporção esta que não existe em relação ao sexo masculino.

Analisando outras estatísticas182 (PODERa, 2015, online; PODERb, 2015, online;

PODERc, 2015, online), percebe-se que para os cargos parlamentares, os países que adotaram mecanismos de proteção jurídica da mulher, tomando-se como exemplo Argentina e Bolívia,

181 O legislativo é o poder institucional mais desigual em termos de gênero, o qual, nos últimos 16 anos,

apresentou a média de uma mulher para cada dez congressistas (MAZOTTE, 2016, online). A situação não parece ser melhor no Poder Judiciário, em especial nos Tribunais Superiores, em que a média de participação feminina entre 2000 e 2016 foi de 11,5% (onze vírgula cinco por cento) (MAZOTTE, 2016, online).

182 As estatísticas brasileiras foram apuradas em 2014, ou seja, considerando os dados das eleições municipais de

superaram a média latino-americana de representatividade política feminina, que é de 28,7% (vinte e oito vírgula sete por cento) a nível federal e de 27,3% (vinte e sete vírgula três por cento) a nível local, enquanto o Brasil, não obstante também tenha adotado, está bem aquém da mesma média, com 13,3% (treze vírgula três por cento), segundo a base de dados da

Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL)183.

Os mesmos países, contudo, nas estatísticas que se referem à presença de mulheres nos cargos de direção do executivo local (prefeituras), para o qual não existem medidas de proteção à mulher nesse âmbito, apresentaram estatísticas bem inferiores à média da América Latina, liderando o ranking a Nicarágua, país que adotou, segundo Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (PODERc, 2015, online), em 2012, a lei que estabelece paridade de gênero na apresentação das listas de candidaturas.

Analisando as estatísticas, é possível concluir que o Brasil não apresenta grandes variações na quantidade de mulheres eleitas pelo sistema proporcional, no qual são previstas as cotas de candidatura, nem no montante de mulheres eleitas pelo sistema majoritário, para o qual não existe proteção específica de sexo/gênero. Logo, uma proteção ineficiente e inexistente desemboca em estatísticas assemelhadas.