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3.1 Os gargalos à participação política da mulher

3.1.2 Gargalos jurídico-normativos

O que nominamos de gargalos jurídico-normativos referem-se à própria produção do Direito, da qual as mulheres são excluídas por serem sub-representadas nos parlamentos, e à deficiência da proteção do modelo legal brasileiro de proteção à participação política da mulher, que é bastante tímida no sentido de promover uma real inclusão das mulheres na política.

Como se verá mais detalhadamente no capítulo próprio, desde a década de 1990, mais especificamente 1995, que a legislação eleitoral brasileira, na esteira dos tratados internacionais e buscando concretizar o princípio da igualdade entre os sexos previsto no art. 5º, I da Constituição Federal (LOPES, 2016), vem sendo alterada, por meio de reformas políticas pontuais, para promover e incentivar a participação feminina na política.

Essas alterações, contudo, são muito tímidas e não conseguiram, até o presente momento, proteger e promover o bem jurídico em discussão, que é o direito da mulher à participação política em sua plenitude.

Existem estudos que indicam que “a legislação eleitoral vigente exerce enorme influência sobre que tipo de representantes serão eleitos, em cada um dos pleitos” (TABAK, 1994, p. 48).

Contudo, se a história dos direitos é diferenciada para as mulheres, tendo o poder político moderno se consolidado sempre nas mãos dos homens, é certo que a produção de leis pouco ousadas que mantenham estável a desigualdade e a submissão feminina e que continuem a negar e retardar a igualdade jurídica entre os sexos é de interesse dos que detém esse poder. É o que se extrai das reflexões realizadas em pesquisas que se debruçaram sobre o tema (VILLANUEVA; GALLEGO, 1994, p. 163).

Segundo Villanueva e Gallego (1994, p. 164), para as mulheres, a igualdade jurídica possui um conteúdo difuso, até mesmo vazio, que só se preenche em situações extremas, como o era no caso do divórcio. Em outros casos, esse conteúdo toma forma como algo novo a ser perseguido e, portanto, desejado, a exemplo do processo de incorporação das mulheres aos ambientes profissionais e políticos.

Daí por que, quando as mulheres ingressam em ambientes predominantemente masculinos, como o político, ingressam-no com o discurso de serem pioneiras, as primeiras,

de estarem superando barreiras, etc.. É como se elas precisassem de um “capital simbólico complementar: o passaporte de ruptura” (BARREIRA; GONÇALVES, 2013, p. 5).

Como esses direitos conquistados pelas mulheres são bastantes recentes, eles assumem um contorno mais de “fim de antigas proibições” do que a existência de uma igualdade fato. Alertam Villanueva e Gallego (1994, p. 164) para a distinção entre perceber algo ou uma situação como não proibida e como algo natural e espontâneo.

Na política, essa distinção fica muito evidente: as mulheres sabem que podem participar ativamente da vida política do país, ocupando cargos político-parlamentares e no alto escalão do Estado, mas parece ser natural – ou ao menos causa pouca indignação ou espanto na maioria da população – o fato de apenas pouquíssimas delas ocuparem esses cargos, receberam promoções e maiores salários. Ou seja, “sabem que existe a possibilidade, mas parece-lhes natural não exercê-la” (VILLANUEVA; GALLEGO, 1994, p. 164-165).

A própria legislação é produzida para não permitir uma apropriação pela maioria da população de seu conteúdo, o que dificulta a compreensão e a divulgação das informações de como se concretizar e exercer um direito. Daí por que são importantes campanhas de informação, as quais são tanto mais eficazes quanto maior forem os destaques que derem a situações concretas de discriminação (VILLANUEVA; GALLEGO, 1994, p. 167).

Frise-se ainda que, se as mulheres são sub-representadas na política e nos espaços parlamentares, os espaços genuínos de produção do direito, tem-se, aí, um ciclo de autoexclusão, que precisa ser rompido por meio de uma proteção eficaz da participação política da mulher.

Esse “fenômeno da andronormatização da produção do Direito”, sobre o qual pouco ou nada se lê, principalmente com profundidade teórica e científica, reflete e é fruto, ao mesmo tempo, de uma desigualdade na própria produção jurídica67 em face da crise de

67 Onde começa e onde termina igualdade jurídica? O fim é o recomeço? Os debates em torno da igualdade tem o

art. 5º, I, da Constituição Federal de 1988 como ponto de partida, ou seja, a partir dele se estruturaria um sistema normativo que deveria assegurar a igualdade entre homens e mulheres. Sem dúvidas, esse ideal normativo de igualdade constitucional tem sua importância reconhecida não só por balizar comportamentos jurídicos e políticos futuros, mas também por servir de termômetro imediato para situações de extrema desigualdade legal. Como dito, toda essa discussão acerca do conteúdo da igualdade parte do próprio dispositivo constitucional citado, mas nunca promove uma indagação acerca da própria produção dessa lei que deveria provir de uma igual participação de todos, homens e mulheres. Daí por que, uma inquietação veio à tona: será que, na análise do princípio da igualdade constitucional, não se deveria indagar também o quão igual são chances de os homens e as mulheres participarem da elaboração dessas leis perante as quais se exige que eles devam ser tratados como iguais? Como idealizar normas que efetuem e concretizem essa igualdade se a própria norma tem sua gênese oriunda de situação de extrema desigualdade de participação na elaboração? Em uma análise mais profunda, um direito produzido sem que uma igual oportunidade de participação e de chances seja concedida a todos e todas, pode ser considerado democrático? O intuito dessa pesquisa é propor um debate em torno do conteúdo jurídico- político da igualdade de gênero para ele que vá além da igualdade perante a lei e englobe também uma igualdade na própria produção da lei. Uma igualdade que possa garantir a produção normativa possa ser livre de

representatividade feminina, já que a normatização e representação política são fenômenos simbioticamente relacionados.

Existem, pois, gargalos jurídico-normativos à participação política da mulher, os quais consistem não só numa inviabilização da produção desigual e antidemocrática do Direito, mas também em uma deficiente proteção à participação política da mulher pelo modelo legislativo brasileiro adotado para tanto, que, como se demonstrará com mais detalhes nos capítulos seguintes, além de não estar adequado aos parâmetros internacionais e à própria Constituição de 1988, não se encontra aparelhado dos devidos e eficazes instrumentos materiais e processuais que garantam a efetividade da norma de proteção.