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4. O MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO JURÍDICA À PARTICIPAÇÃO

5.4 A infraestrutura político-eleitoral

5.4.2 Sistemas eleitorais e participação política da mulher

5.4.2.2 Sistema eleitoral e sua interação com as cotas

Segundo Araújo (2001, p. 239), existiria um certo consenso na literatura sobre a influência do sistema eleitoral nas chances das mulheres de acesso às esferas de representação. Aponta que o sistema majoritário seria menos favorável às mulheres, enquanto os mistos seriam medianamente favoráveis e o sistema proporcional, que é o que vigora no Brasil, seriam os mais favoráveis.

O Brasil, por conseguinte, encaixa-se no grupo de países que adotam o sistema mais favorável à eleição de mais mulheres para o Parlamento, de modo que sobressai automática a indagação sobre o porquê de ele ser um dos países que não logrou êxito na inclusão dessa categoria na política.

As cotas são, então, uma “estratégia politica que, como tal, merece ser constantemente pensada e repensada” (ARAÚJO, 2001, p. 248).

Os sistemas eleitorais, inclusive suas listas, podem ter adversidades quanto à implantação das cotas. Dai por que sua pertinência para um processo democrático deve ser analisada como um todo e não apenas diante de uma política específica, como as cotas. (ARAÚJO, 2001, p. 248). Esta política afirmativa, se e quando adotada por países, deve o ser dentro do sistema mais adequado para a realidade democrática e representativa local e apresentar efetividade dentro e a partir desse sistema.

Isso se dá, como explica Araújo (2001, p. 239), porque “o sistema eleitoral também é formado por outros fatores, tais como a magnitude do distrito, que, segundo a literatura, quando é pequena tende a ser pouco favorável às mulheres, e o sistema de composição de listas de candidaturas e votação.”

A literatura indica, no âmbito do sistema proporcional, que as listas fechadas ou semi-fechadas seriam mais benéficas às mulheres quando existem regras que estipulam que deve haver uma alternância, ainda que não igualitária, entre os sexos na indicação partidária, o que força o partido a investir na formação politica de mulheres, vez que estas, necessariamente, integrarão a lista208 (ARAÚJO, 2001, p. 240-241).

No âmbito latino-americano, tanto a Argentina como o Equador, países que adotam listas fechadas e legislação que garante a alternância de ordenamento de nomes por

208 “Como são obrigados a preencher a lista e a garantir a alternância de candidaturas femininas e masculinas de

acordo com a proporção de candidatos de cada sexo, os partidos se vêem impelidos a investir em programas mais permanentes para as mulheres, a fim de que seja possível cumprir a cota mínima e obter bons resultados eleitorais. Com isto, a possibilidade de resultados concretos, objetivos, no curto prazo, e de alterações mais profundas na cultura política de gênero no médio e longo prazo, tornam-se mais efetivas” (ARAÚJO, 2001, p. 242).

sexo, conseguiram, com a política de cotas, elevar o número de eleitas (ARAÚJO, 2001, p. 242). Nesses casos “as possibilidades de ação das cotas sobre o processo eleitoral tendem a ser mais efetivas” (ARAÚJO, 2001, p. 243).

Foi constatado no capítulo anterior que, antes de o modelo argentino determinar a alternância dos nomes por sexo, os partidos colocavam as mulheres nas últimas posições da lista. Assim, não foi apenas a lista fechada que foi determinante para a efetividade das cotas na Argentina, mas sua associação com a norma que as coloca em condições de competição.

No caso dos sistemas de listas abertas, o partido político é responsável por lançar as candidaturas. O resultado, ao fim, de quem ocupará as vagas alcançadas pelo partido/coligação será decidido predominantemente pelo voto dado à figura do candidato. A votação do candidato só será relevante para definir a ordem de quem assumirá as vaga. Isso se dá, explica Araújo (2001, p. 234), “porque as chances de eleição dependerão, também, do quociente eleitoral, assim como das coligações feitas pelos partidos”.

Focando na participação política da mulher, frisa Araújo (2001, p. 234) que “observar a relação entre o total de candidatas e o volume de votos ajudar a entender a potencialidade das candidaturas femininas que entraram na disputa como efeito das cotas.” Logo, se o número de candidaturas é desproporcional ao número de votos – poucos ou nenhum – isso é um indicativo de que as candidaturas das mulheres lançadas não tem potencialidade para disputar, efetivamente, o pleito.

Ademais, como a instituição das cotas se deu juntamente com o aumento do número de candidaturas que o partido podia lançar, essas candidaturas femininas acabam se diluindo nesse universo.

No caso do sistema proporcional de lista aberta, ele tem a falha de promover uma desoneração moral do partido que, na análise da agremiação, já vem sendo compelido a reservar um número de candidaturas mínimas para cada sexo, o que certamente reduz sua autonomia, daí por que não se empenhariam em, também, garantir que essas candidaturas tenham viabilidade mínima.

Os partidos alegaram e ainda alegam, para explicitar esse fenômeno – candidaturas femininas e inexpressividade de votos –, que não existem mulheres com interesse em realmente disputar o pleito. Todavia, além do fator “ciclo de auto sabotagem partidária”209, que foi detectado anteriormente, Araújo (2001, p. 238) refuta essas alegações

209 Constatou-se esse ciclo a partir da análise dos argumentos que as agremiações usaram para explicar o não

preenchimento das cotas ou o seu preenchimento fraudulento e das decisões do TSE que punem os partidos que não destinam 5% (cinco por cento) do Fundo Partidário para fomentar e difundir a participação política da

dos partidos ao explicar que esse apatia se dá não por que elas se interessam menos que os homens pela política, mas sim por que “ suas trajetórias sociais e a sua situação estrutural frente às relações de gênero, aliadas às condições em que a política institucional e a competição eleitoral operam no país, não lhes oferecem um cenário favorável ou sequer animador” (ARAÚJO, 2001, p. 238).

Por essa razão, diversos estudos estão alertando para o fato de que “fatores como as condições em que se dá a competição, o acesso a fundos públicos e a democratização da propaganda, entre outros, tendem a ser mais relevantes do que o grau de competitividade das candidatas” (ARAÚJO, 2001, p. 248).

Assim, o mero cumprimento do preenchimento das cotas não desonera o partido da sua função político-social de promover a participação política da mulher, o qual, na qualidade de principal ator e articulador das disputas eleitorais no Brasil, em que inexiste candidatura avulsa, assume uma importante função de concretizar, mediante seu protagonismo no processo eleitoral (KLEIN, 2002), o princípio da igualdade entre homens e mulheres na política.

Percebe-se, então, seja pela análise do modelo argentino, que adota o sistema proporcional de lista fechada, e do modelo brasileiro, que se regula pelo sistema proporcional de lista aberta, o qual valoriza o voto do eleitor em detrimento da autonomia partidária, que o sistema pode ser importante na maximização da participação política da mulher.

Essa importância se dá mais pela facilidade que o sistema – no caso o de lista fechada – tem para se instituir as cotas e a “norma de obrigatoriedade de competição”, do que propriamente pelo sistema em si, vez que quando a Argentina não contava com uma norma que obrigava a alternância (na proporção de 2 para 1) entre os sexos, os partidos ordenavam as mulheres nos últimos lugares dessa lista.

No sistema proporcional de lista aberta, como o voto dado ao candidato é importante na definição do eleito e se constata uma inexpressiva votação em mulheres, torna- se mais complexo instituir mecanismos inclusivos que possam conciliar esses três valores constitucionais, quais sejam, voto do eleitor na definição de quem ocupará a vaga conquistada pelo partido, autonomia partidária e a participação política da mulher.

mulher na política. É um ciclo de autossabotagem, pois, ao deliberadamente não realizar a aplicação do fundo nessa ação afirmativa, a qual tem como fim formar, instigar e capacitar mulheres para ocuparem os espaços que lhe são destinados no processo eleitoral, os partidos se valem do seu próprio descompromisso com a política afirmativa para descumprir ou fraudar a outra, que é inserir as mulheres nesses espaços.

Essa complexidade não se verifica nas listas fechadas, vez que os dilemas em torno do respeito ou não à soberania popular são menores, pois os votos são dados diretamente ao partido que tem autonomia para indicar os candidatos que irão preenchê-los.

Assim, uma norma que estipule que 30% (trinta por cento) dos nomes indicados nas listas devem ser de mulheres e que estabeleça uma alternância, mínima, entre os sexos na ordem de preferência de quem ocupará essas vagas, é efetiva na inclusão de mulheres. O sistema proporcional de lista fechada, portanto, é uma infraestrutura mais simples de se implementar esses mecanismos de inclusão por possuir uma dinâmica menos complexa na definição dos eleitos.

O mesmo não se pode dizer do sistema proporcional de lista fechada, que leva, também, em conta a preferência política do eleitor na definição das vagas. Não que isso não seja importante, por que o é, mas é que em um ciclo de exclusão em que as mulheres estão inseridas e considerando a realidade política brasileira (LIMA; LIMA, 2016), é possível que apenas os mesmos grupos e pessoas sejam reeleitos, ou seja, se perpetuem no poder, os quais já são, em sua esmagadora maioria, integrantes do sexo masculino. A inclusão de mais mulheres nos espaços de pode nos faz pensar sobre a renovação da própria política.

Percebe-se, então, que tanto o sistema eleitoral como o processo eleitoral são instrumentos importantes na maximização da participação política da mulher e pensar em propostas de fortalecimento do modelo de proteção desse bem jurídico imprescinde de uma análise de como implementá-las sobre essas infraestruturas (sistemas eleitorais e processo eleitoral), que deverão ser definidas levando-se em conta não apenas uma política específica (inclusão de mais mulheres nos espaços de poder), mas todas as suas funcionalidades para a ordem e estabilidade democrática do país como um todo.

6 PROPOSTAS PARA O FORTALECIMENTO DO MODELO BRASILEIRO DE