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3.1 Os gargalos à participação política da mulher

3.1.3 Os gargalos socioeconômicos e culturais

Os gargalos socioeconômicos são de caráter difuso e podem ser extraídos e percebidos a partir dos esquemas de exclusão ainda presentes na estrutura social brasileira constituída a partir de dois centros de dominação: o patriarcalismo e o escravismo.

Para explicar a baixa participação política da mulher na América Latina a partir de tais gargalos, por exemplo, Tabak (2002, p. 23-26) elenca as seguintes razões: condicionamento cultural; sistema educacional; meios de comunicação de massa; e religiosidade.

No caso do condicionamento cultural, destaca que ele acaba por promover um reforço da aceitação, por parte de população feminina de certas ideias e valores sobre o comportamento da mulher, sua sexualidade, capacidade intelectual e personalidade, que terminam por condicioná-las a não participarem da política.

Destaca ainda que, no caso da “mulher latino-americana em especial, o peso da responsabilidade pela organização do núcleo familiar e pela educação dos filhos é outro fator de enorme angústia” (TABAK, 2002, p. 26).

Em relação ao sistema educacional, destaca ser ele ainda o “responsável pela definição dos papeis sexuais, pela reprodução de estereótipos, pela persistência das carreiras ‘femininas”, o que acaba por encaminhar meninas e mulheres para outros campos de atuação, como o cuidado e assistência, e não os de poder.

dominação pelo sexo masculino, rompendo com o fenômeno da “andronormatização do direito”, a qual é um produto da era moderna e que, mesmo com a concessão de amplos direitos e cidadania à mulher, ainda persiste e precisa ser rompido, pois contamina a própria produção jurídica. Por essa razão, o direito fundamental à participação política (formal e informal) é o direito gênese, “direito dos direitos”, na medida em que seu pleno exercício é a condição sem a qual não existe um sistema normativo legítimo e verdadeiramente democrático.

No que tange aos meios de comunicação, pondera que ajudam a disseminar mitos e preconceitos e reforçar estereótipos, daí a importância de investir em publicidade68 que

possam reverter esse quadro.

Em relação à religiosidade, a autora destaca que ela faria com que ainda milhares de mulheres assumissem certas posições em relação a algumas questões como o casamento, o planejamento familiar, o aborto, o divórcio, a virgindade, etc. (TABAK, 2002, p. 23).

Existem evidências inegáveis de que as mulheres possuem um número elevado de obstáculos para exercerem, em igualdade de condições com os homens, os direitos civis, políticos e até mesmo sociais (VILLANUEVA; GALLEGO, 1994, p. 163).

A baixa representação feminina na política revela também que, mesmo com o fim do patriarcalismo de Estado, aquele cujo ordenamento jurídico colocava a mulher numa condição inferior aos homens e, por isso, deveria ser representada nos atos da vida civil por pais, maridos e/ou irmãos, as estruturas patriarcais ainda continuam refletidas na arena política.

Desse modo, os interesses de milhões de brasileiras continuam a ser definidos, ao fim e ao cabo, por seus representantes na esfera pública, o que nos leva a indagar até que ponto se pode falar serem as mulheres as legítimas defensoras e representantes dos seus interesses se não possuem lugares de fala69 nos espaços de deliberação política70.

Ademais, é importante frisar que as mulheres ainda são as principais responsáveis pela organização das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos e acabam tendo pouco tempo para se dedicar às atividades político-partidárias, sendo o tempo um elemento

68 O art. 93-A da Lei n.º 9.504/97 autoriza o Tribunal Superior Eleitoral, no período de 1° de abril a 30 de julho

dos anos eleitorais, a promover em até 5 minutos diários, propaganda institucional destinada a incentivar a participação feminina, dos jovens e da comunidade negra na política. É uma política institucional, portanto, voltada a alcançar o público em geral e a desconstruir o mito de que lugar de mulher não é na política.

69 Sobre o lugar de fala, conferir Tiburi (2018).

70 Habermas é o mais forte e conhecido defensor da teoria deliberativa da democracia. O pensamento

habermasiano se funda numa ideia de democracia procedimental e deliberativa e surge como um meio termo entre a teoria política republicana, que se baseia na ideia de vontade geral e soberania popular, e entre a teoria política liberal, que se funda na existência de interesses particulares e liberdades individuais. Em sua concepção procedimental de democracia tem como pressuposta a ampliação da participação dos indivíduos nos processos de deliberação e discussão e na valorização e instituição de uma cultura política democrática, que se foca em que participa e de que modo. A igual participação nesses processos é um ideal dessa teoria. É aí que entra a crítica feminista à teoria do Habermas a qual, embora reconheça os avanços da concepção habermasiana de democracia, possui alguns pontos cego em relação algumas questões, como a participação das mulheres nessa esfera de deliberação. É uma teoria que, como dito, mantém ideais do liberalismo, como a existência de um sujeito universal, desvinculado das relações de disputa de poder que existem na vida real. As principais críticas de Nancy Fraser e Catherine MacKinnon. Embora, como anotam Barbosa e Maia (2016), Habermas tenha, em “Entre facticidade e validade”, apresentado uma perspectiva se preocupou com a condição da mulher, seus apontamentos foram incapazes de responder satisfatoriamente algumas críticas e apontamentos feministas pontuais.

fundamental para quem deseja postular e exercer qualquer cargo político (MIGUEL, 2014, p. 204).

Pesa também o fato de ser a política um espaço prioritariamente masculino o que provocaria, nas mulheres, uma inibição da sua “ambição política”71.

Existem, assim, claramente fatores que atuam inibindo a ação política das mulheres, os quais não são eliminados com a mera concessão formal de direitos iguais a elas, devendo haver políticas voltadas à proteção dos direitos desse grupo, como bem anota Miguel (2014, p. 204).

A baixa presença das mulheres na política pode até ser atribuída a um menor interesse delas, mas essa ausência ou baixo interesse já é, em si, um problema (MIGUEL, 2014, p. 205). Na verdade, poucas pessoas se interessam por política e tem vontade de ocupar cargos político-eletivos. Mas, se dentro desse pequeno grupo de quem ainda tem algum afeto e desejo de participar e se envolver por política, homens conseguem eleger-se em larga maioria, e esse fator por si só é indicativo de uma desigualdade (MIGUEL, 2014, p. 205).

Cumpre destacar, por fim, as mais recentes pesquisas e debates travados na América Latina, as quais apontam para uma “tática emergente para dissuadir a participação política das mulheres”, que é a violência contra a mulher no exercício da campanha ou da própria política (mandato político-eletivo) (KROOK; SANÍN, 2016, p. 127; ALMEIDA, 2017c). Sobre essa causa, debruçar-se-á com mais detalhes no capítulo dedicado às deficiências do modelo de proteção brasileiro e às propostas de fortalecimento desse modelo.

Diante desses gargalos, que impedem e ceifam a plena participação política da mulher, tanto que são minorias na política formal, é preciso se pensar em proposta de fortalecimento ou mesmo de reformulação da proteção jurídica já existente no ordenamento jurídico.

Essas propostas, contudo, requerem um exame prévio dos elementos jurídico- positivos, democráticos e filosóficos que as fundamentem, a ser realizado no capítulo seguinte.

71 Segundo Miguel (2014, p. 2014), existe “aqui, uma excelente ilustração daquilo que Pierre Bourdieu (1979)

chamava de efeito de doxa, isto é, nossa visão do mundo social constrange nosso comportamento, comprovando (naturalizando) aquilo que pensamos”.