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bos conectados à referências históricas do século XIX: primeiramente através do uso da ilu- minação e ventilação naturais para a garantia de salubridade aos ambientes; e, em segundo lugar, o uso da iluminação orgânica também é baseado como referência aos espetáculos dos ambulantes do final século XIX, que montavam seus "tablados" próximos das áreas de saída dos agricultores, para que durante a luz do dia tivessem público em seus espetáculos (REBOUÇAS, 2010).

Outro ponto importante das Ocupações Cênicas realizadas pelo grupo para este espetáculo, é o garimpo dos materiais encontrados pelos espaços ocupados e suas reformulações para a construção visual das cenas e as atmosferas por eles alcançadas. Devido à variação dos espa- ços eleitos para as apresentações e às próprias questões que os condicionam, Renato Bolelli Rebouças (2010, p. 137) menciona que a utilização destes materiais surge a partir de uma dita "lógica da precariedade". Neste sentido, existe um jogo com a efemeridade dos dispositivos cênicos que são construídos e suas novas reformulações a cada remontagem (IMAGEM 9) e

(IMAGEM 10) - PRANCHA VIII.

53 Neste ponto notamos uma similaridade ao trabalho de Adolphe Appia no início do século XX, do qual men- cionaremos mais adiante no capítulo 3 da nossa dissertação, ainda que as relações estabelecidas com a plateia se efetivem de forma diferenciada (num caso dentro da caixa cênica com a nítida divisão entre quem atua e quem vê e noutro caso a imersão do público no espetáculo teatral). Segundo Lidia Kosovski (2012, p. 92), para Adol- phe Appia, "o cenário deveria ser criado a partir do ator e, ao mesmo tempo, em oposição a ele. Isto significa que é através de uma relação dinâmica, de tensão, de oposição entre cenário e ator que se cria um espaço vivo, por meio de resistência ao corpo móvel, traduzido cenicamente na utilização de obstáculos a serem superados, de rampas, de planos diferenciados de representação".

Percebemos, portanto, que é através destes exemplos de Ocupação Cênica de um espaço e a sua consecutiva reformulação enquanto lugar (neste caso o lugar da cena teatral), que ganham força nossos estudos dos conceitos de espaço e de lugar que trouxemos como base teórica no primeiro capítulo, através do olhar de Milton Santos (2012) e de Michel de Certeau (2014).

É importante trazer novamente os estudos de Rogério Santos de Oliveira (2005) acerca do "Teatro do Migrante", pois neste trabalho tem suscitada a questão da migração dos artistas cênicos para outros lugares distintos do edifício teatral e a consecutiva transformação destes lugares dada pelo acontecimento cênico.

Mencionar este exemplo de Ocupação Cênica realizado pelo Grupo XIX de Teatro, e ainda o outro exemplo que demos através do trabalho do Grupo Teatro Invertido, nos ajuda a refletir e compreender acerca das nossas práticas teatrais que serão aqui discutidas.

Assim, de maneira similar aos exemplos de Ocupação Cênica que mencionamos (no que tan- ge o ato de ocupar um espaço, mapeá-lo, conhecer suas condicionantes estruturais e simbóli- cas e, enfim, ressignificá-lo enquanto "lugar teatral") encontram-se as práticas que iremos analisar no 4º capítulo, durante a Ocupação Cênica do espaço conhecido como GRUTA, para a encenação do espetáculo "Rosinha do Metrô", no ano de 2010.

2.2.C

OABITAÇÃO

T

EATRAL

-"BR-3"T

EATRO DA

V

ERTIGEM

Entendemos que também existe outro sentido presente nas Ocupações Cênicas, denotado nas ocasiões em que o espaço eleito se encontra ativo e de certa forma já habitado, por possuir funcionalidades específicas em seu uso cotidiano. Trazemos para esta acepção o entendimento de coabitação, ou seja, de um "habitar com". Estas seriam, assim, as ocasiões em que as arquiteturas e o meio urbano deixam por alguns momentos suas funções cotidianas, para então se enveredarem pelo acontecimento teatral, chegando, em alguns casos, a comporem a trama a partir de suas funcionalidades diárias, os seus fluxos e as suas cargas simbólicas, característi- cas estas inerentes ao próprio espaço. São nesses casos, portanto, que deixa de existir as recor- rentes medidas de separação entre ficção e realidade, entre teatralidade e performatividade.

Como exemplo disso trazemos para o diálogo o trabalho cênico do grupo brasileiro Teatro da Vertigem, que perpassa por estes direcionamentos conceituais em algumas produções.

Ao estudar sobre o trabalho deste grupo em sua dissertação e escrever sobre a transformação do espaço e a utilização de todos os fatores que o constituem, Rogério Santos de Oliveira nos esclarece:

Quando o grupo se apropria de um lugar através de uma intervenção artísti- ca, como no caso de um espetáculo teatral, esse lugar se transforma em algo mais. Ele passa a ser construído pelos sentidos e pela memória já a ele im- pregnados, somados à intervenção realizada (OLIVEIRA, 2005, p. 52).

E prossegue:

O espaço a ser escolhido não é apenas um espaço a ser preenchido, e ser re- significado [sic]. Sua estrutura pré-existente, tanto física quanto carga sim- bólica, será transformada, criando uma nova possibilidade de leitura, tanto para o lugar quanto para o teatro (OLIVEIRA, 2005, p. 53).

Já Antônio Araújo, ao falar sobre as razões que levou a equipe do Teatro da Vertigem à utili- zação de outros espaços que não o “Palco à Italiana”, chega ao seguinte apontamento:

O cenário de um templo budista ou de uma sinagoga, feito com o máximo de exatidão e fidedignidade, não conseguiria superar ou substituir a experiência sensível intrínseca à esses locais. Por isso, parece-me que mais do que um jogo de representações, buscávamos a concretude da imanência. (ARAÚJO, 2002, p. 129).

E continua:

A ideia-chave era criar uma zona híbrida, de intersecção, entre o " real " ou a "realidade" do espaço, e o "ficcional" ou o "teatral", trazido pelo roteiro e pelo espetáculo. Esse terreno intermediário e movediço, acreditávamos

nós,poderia ser capaz de desestabilizar o espectador, interferindo concreta- mente na sua percepção, e afetando a sua leitura e recepção da obra (ARAÚJO, 2002, p. 129-30).

Estudaremos o sentido de coabitação teatral realizada pelo grupo Teatro da Vertigem através de um breve relato de algumas das relações presentes no espetáculo "BR-3", de Bernardo Carvalho (abaixo - FICHA TÉCNICA "BR-3" - PRANCHAS V E VI).

A trajetória deste trabalho foi desenhada de forma teórico-prática engloban- do, desde a leitura - ou releitura - de grandes intérpretes do país, tais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro, Milton Santos, até uma pesquisa de campo que com- preendeu um percurso geográfico por três diferentes "Brasis": Brasilândia (bairro da periferia da cidade de São Paulo), Brasília (capital da nação, situ- ada no centro do país) e Brasiléia (cidade no extremo do Acre, quase na fronteira com a Bolívia).54

Da periferia ao centro e de volta à periferia, o processo de montagem do espetáculo teatral BR-3 iniciou-se em janeiro de 2004 através de uma residência na Vila Brasilândia, bairro da periferia de São Paulo - SP.

Após a temporada de residência, o grupo realiza uma viagem de mais de um mês pelo trecho que se estende de Brasilândia até Brasiléia, passando por Brasília, em curso pelas três regiões brasileiras (Sudeste/Centro-Oeste/Norte). O intuito era o de seguir as pistas do processo civi- lizatório que evidenciassem a identidade e o caráter nacional.

Em entrevista concedida no ano de 2005, ao Jornal da USP, Bernardo Carvalho afirma:

A peça fala da crise de identidade brasileira e da destruição do ser humano, uma espécie de ser suicida que tem consciência da destruição que provoca, mas que mesmo assim não para de agir dessa forma.55

Durante a estreia do espetáculo, o espaço coabitado foi o rio Tietê (IMAGEM 4 -