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2. CAPÍTULO 2 OCUPAÇÃO CÊNICA E COABITAÇÃO TEATRAL

2.1. O CUPAÇÃO C ÊNICA

2.1.2. H YGIENE G RUPO XIX DE T EATRO

De forma a reforçar nossos apontamentos acerca da Ocupação Cênica, lembramos o Grupo paulistano, Grupo XIX de Teatro.

Para a montagem do espetáculo "Hygiene" (2002), o Grupo XIX partiu de estudos sobre o habitar e o conviver, tendo o elemento casa como propulsor para a investigação cênica.

Janaína Leite e Sara Antunes, atrizes do grupo, em uma publicação pertencente ao projeto "Casa em Obras", contemplado pelo Prêmio Funarte Petrobrás de Teatro Myriam Muniz - em 2006, relatam:

O ponto de partida temático de Hygiene foi a casa, o ato de morar como ma- nifestação de caráter cultural. A casa tomada como símbolo de um imaginá- rio coletivo, as prosaicas parcelas do 'sonho da casa própria', a transcendên- cia metafísica da 'casa dos sonhos', a casa como útero, a arquitetura que es- conde mistérios em seus porões e provoca devaneios em seus sótãos. A his- tória da moradia é a história do espaço em que ela se inscreve. (LEITE; ANTUNES, 2006, p.57, grifo das autoras).

A partir da pesquisa sobre esta temática, evidenciou-se ao grupo um padrão de habitação da construção civil brasileira no final do século XIX e início do século XX, que, a princípio, viria sanar os problemas de expansão habitacional desordenada, devido à grande quantidade de imigrantes nas terras brasileiras. De acordo com Renato Bolelli Rebouças51 (2010, p. 62)52: "neste período, o Estado, inspirado por modelos urbanos europeus, coloca em prática a ideia de uma casa unifamiliar baseada nos princípios da higiene".

Diante destes pressupostos históricos, o interesse do grupo não era a história contada pelos "higienistas" de forma oficial no início do século XX. Segundo as atrizes já mencionadas

51 Renato Bolelli Rebouças é Arquiteto pela Universidade Estadual de Londrina (2002). Atua como arquiteto, cenógrafo, diretor de arte e artista pesquisador com ênfase nos seguintes temas: cidade, espaço público, memó- ria, intervenção, ocupação, ambiente, arte, território, situação, performance, transdiciplinariedade. Assinou a direção de arte do Grupo XIX de Teatro de 2004 a 2009, ganhando Prêmio Shell por Arrufos (2008). Atualmente dedica-se ao projeto Poética da Destruição, além de projetos de direção de arte e ocupação artística em teatro, cinema, performance e exposições, junto a plataforma artística coletiva Usina da Alegria Planetária, em Cotia/SP e a outros criadores. FONTE: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4766768T9 (Acessa- do em março de 2016)

52 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A construção da espacialidade teatral: os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. São Paulo: Dissertação de Mestrado, USP, 2010.

(2006, p.57), o empenho se fez em buscar a "história de operários, imigrantes, lavadeiras, me- retrizes, ex-escravos, curandeiros e comerciantes, que o grupo trouxe à tona, com suas carac- terísticas que marcaram profundamente a construção da identidade brasileira".

Com base nestes dados e após relatos da existência de uma vila operária na zona leste da ci- dade de São Paulo, em constante processo de abandono e reestruturação, o grupo decide in- vestigar mais a fundo. Num primeiro momento (no segundo semestre de 2003), veio o espan- to, a perplexidade e a indignação.

Num segundo momento, através da oportunidade de um projeto contemplado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (em Janeiro de 2004), intitulado "A Residência", o diretor, os atores e demais membros da equipe de criação puderam entrar em contato mais afinco com aquelas pessoas. Diante dessa nova condição, teceram relações mais íntimas, conheceram a história daquele lugar e, conjuntamente a isso, promoveram as ações narrativas pautadas no processo da crise da habitação social do Brasil no final do século XIX, ancorados, sobretudo, pela ocupação dos prédios históricos abandonados.

Assim, na gênese de criação do espetáculo "Hygiene", a equipe do Grupo XIX de Teatro tinha como ponto de partida a ocupação e a residência do interior dos cortiços abandonados da Vila Operária Maria Zélia, (IMAGEM 7) e (IMAGEM 8) - PRANCHA VII, aonde as ruas, o entorno dos edifícios históricos e a vida dos moradores da região também foram fundamentais para o delineamento da narrativa cênica.

Este espetáculo circulou por várias regiões do Brasil e do mundo e ainda é realizado aonde é disponibilizado ao grupo outros casarões antigos, que, mesmo distintos daqueles sobre os quais eles haviam estabelecido suas criações, ainda assim trazem à tona as questões referentes ao abandono e ao descaso, permitindo, deste modo, novas proposições cênicas e novas leitu- ras a cada apresentação.

Para o espetáculo, quando apresentado em outros lugares, existe invariavelmente um trabalho de reconhecimento das edificações que se encontram disponíveis. Caso exista relação com a pesquisa deflagrada pelo grupo, a equipe promove então o mapeamento do espaço, conjunta- mente com a eleição dos locais internos e externos de suas edificações, dos planos arquitetu-

rais que serão utilizados para a atuação, além da escolha dos pontos específicos aonde o pú- blico acompanhará e permanecerá durante a encenação.

Um fator importante na pesquisa do grupo e descritos pelo diretor de arte Renato Bolelli Re- bouças (2010, p. 87), é que a arquitetura possui uma significativa conduta para a proposição de "deslocamentos e aceleração, sendo o espaço tomado como lugar de práticas, de movimen- tos, de conexões e de interações", em que a "geografia do corpo que redefine a arquitetura estabelecida"53.

O espetáculo não conta com a inserção de instrumentários e iluminação artificial específica de espetáculos teatrais, quando a luz natural revela os acontecimentos (IMAGEM 11 -