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2. CAPÍTULO 2 OCUPAÇÃO CÊNICA E COABITAÇÃO TEATRAL

2.1. O CUPAÇÃO C ÊNICA

2.1.1. M EDEIAZONAMORTA T EATRO I NVERTIDO

Em busca de exemplos para a discussão sobre a Ocupação Cênica de espaços abandonados e suas reverberações pela cena teatral, nos chama a atenção na cidade de Belo Horizonte o espe- táculo teatral "Medeiazonamorta”, criado em 2006 (encenado ainda hoje) pelo Grupo Teatro Invertido (abaixo - FICHA TÉCNICA - PRANCHA II).

Espetáculo de ocupação/intervenção em espaços urbanos abandonados que conta a história da mulher traída e abandonada pelo marido, que mata sua ri- val e os próprios filhos por vingança. Este espetáculo, resultado da pesquisa sobre o mito grego e sua relação com a contemporaneidade, apresenta uma Medeia que revive sua memória no espaço do abandono e da desolação hu- manas. Medeiazonamorta é um ato público que apresenta o teatro de ho- mens e mulheres na condição de estrangeiros em sua própria pátria. Pátria- mãe que, traída, vinga seus filhos e filhas com a morte.49

47 A construção do metrô do Rio na década de 1970 possui um relevante interesse nesta dissertação, quando mais adiante, no CAPÍTULO 4, trataremos da análise de um espetáculo teatral que teve sua dramaturgia ficcional baseada a partir deste episódio.

48 Pode ser visitado em: Kosovski (2000, p. 191) e Oliveira (2005, p.21). 49 FONTE: http://teatroinvertido.com.br/ (Acesso em Junho de 2014).

O espaço destinado à sua encenação foi o laboratório de engenharia sanitária de experimentos para a purificação das águas do Rio Arrudas50. Apesar de ainda estar sediado no atual Centro Cultural da UFMG, desde antes da Ocupação Cênica realizada pelo grupo o laboratório já se encontrava inativo e abandonado.

Justamente pelo fato do laboratório se encontrar sob o domínio da UFMG e os atores serem ex-alunos do Curso de Graduação em Teatro da UFMG, a negociação para a utilização do espaço enquanto "lugar teatral" foi bastante facilitada.

Durante o período de ocupação e investigação do espaço, os atores encontraram vários objetos que eram usados na época dos testes laboratoriais (garrafas, frascos, tubos de ensaio, mesas de aço), além dos elementos arquitetônicos que ali estavam presentes (torneiras, pias, bancadas, escadarias, armários de alvenaria).

A fim de dinamizar o mito, foram realizadas várias intervenções, dentre elas a composição de estruturas cenográficas que se sobrepunham à arquitetura de gênese, como a inserção de ban- cadas de metal aonde eram realizadas algumas cenas e uma geladeira branca que era ressigni- ficada durante todo o espetáculo (enquanto esconderijo, enquanto ventre materno, enquanto caixão).

A iluminação utilizada contou com a própria instalação elétrica presente no laboratório, atra- vés das lâmpadas incandescentes que estavam instaladas. Houve também a inserção de ins- trumentário de iluminação teatral, através dos refletores que proporcionavam atmosferas dife- renciadas pela utilização da cor.

A entrada do público durante a encenação se fazia através da Rua Guaicurus (zona de baixo meretrício do centro urbano) e criava já de antemão um forte estranhamento no público que ia assistir ao espetáculo (IMAGEM 1 - PRANCHA I).

Após adentrar o espaço, havia uma primeira sala aonde tinha uma mesa com várias taças de plástico, garrafas de espumante de qualidade inferior e frutas artificiais. Em um telão que foi

50 O Rio Arrudas que circunda a região (que já havia sido canalizado), acabou por ser coberto e pavimentado pela política de ampliação da malha rodoviária local realizada pela Prefeitura Municipal e se tornou, portanto, o principal duto de esgoto e dejetos da cidade.

instalado ao alto era realizada a exibição de vídeos pornográficos. Nesta parte do espaço havia duas escadarias de metal, aonde as personagens faziam evoluções gestuais e discorriam seus textos (IMAGEM 3 - PRANCHA II).

Ao ser conduzido por um corredor e convidado a depositar moedas numa fonte dos desejos (que também tinha sido instalada para o espetáculo), o público chegava ao laboratório princi- pal, aonde era acomodado no centro da sala, em arquibancadas que foram construídas. Dali os espectadores acompanhavam a encenação, num misto de passividade e interatividade, com uma aparente tensão devido à sua imersão cênica.

A grande maioria das estruturas arquiteturais existentes nesta sala principal foram reutilizadas em cena, tais como as bancadas de alvenaria, os armários sob as bancadas, as caixas de água que ficavam no piso inferior, a escada de metal que subia para o piso superior, além do pró- prio paredão de vidro e metal onde ficava uma das portas de entrada para este espaço.

O aspecto antigo e decadente, a umidade e o frio, denotados pela estrutura do lugar revestida de azulejos brancos (IMAGEM 2 - PRANCHA I) , a localização do espaço na rua Guaicurus (habitada por mendigos e usuários de craque), o forte cheiro de urina e fezes, dentre outros aspectos substanciais, deslocava o público de um lugar de conforto e o inseria na própria situ- ação do abandono.

A ação de ocupar o laboratório que estava desativado trouxe ao espetáculo "Medeiazonamor- ta" uma gama de possibilidades que favoreciam as ações criativas do grupo. Primeiramente, devido ao fato do espaço já possuir ligações com a dramaturgia no que tange a questão do abandono, por exemplo. Em segundo lugar, porque houve a dinamização da tessitura cênica, através do uso de seus elementos arquitetônicos (estruturais e simbólicos) e dos objetos que ali foram encontrados.

Ao final de cada apresentação, era possível ouvir recorrentemente os comentários críticos acerca do tamanho descaso dentro da cidade representado por aquele espaço. Além disso, ha- via impressões favoráveis sobre o modo como os atores conseguiram dinamizar o mito grego ao ocupar aquele espaço abandonado, criando a partir disso – uso do espaço e ação cênica – uma atmosfera diferente ao espetáculo, impregnada de significados e de sensações.