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CAPÍTULO IV - AS MASCULINIDADES NEGRAS

4.6 Estereótipos e imagens de controle

Seguindo nessa direção dos nossos estudos, concordamos inteiramente com a afirmação de Hall (2016) quando ele diz que os negros sempre foram estereotipados pela

43 Escritora e poetisa, embora não tenha contado com uma vivência academicista, tornou-se uma das mais importantes referências no feminismo negro brasileiro e conhecida nacional e internacionalmente pela sua obra mais icônica chamada “Quarto de Despejo”, onde narra suas vivências e dores enquanto mulher negra, mãe, morada de favela e catadora de papel.

visão racial. Assim sendo, entendemos que para sobreviver em uma sociedade estruturalmente racista, suas identidades são formadas quase que por barganhas44. Os estereótipos se apresentam de maneiras muito particulares para marcar pessoas e grupos, sejam eles brancos, negros ou indígenas. Mas a questão que precisa ser levantada é de que forma eles são evocados, reproduzidos, com que objetivos e os efeitos (e prejuízos) nas vidas dos mesmos.

Vigoya (2018) em seus estudos sobre os estereótipos associados aos homens na Colômbia, por exemplo, não fez apenas uma constatação óbvia das imagens presentes no imaginário do povo colombiano, mas revelou tamanha é a semelhante com o que acontece com os homens negros e também indígenas no Brasil. Segundo a autora, assim como os homens negros:

[...] os homens indígenas têm sido objeto de múltiplos estereótipos e imaginários, porém de natureza muito distinta. Enquanto os homens "negros" têm sido percebidos como hipersexuais e hiperviris, mas também como pais ausentes, cônjuges infiéis e estudantes fracassados, os homens indígenas são imaginados como homens atávicos, imóveis, desmotivados e hipossexuais ou como homens primitivos e bons selvagens. Estes estereótipos geraram obstáculos ideológicos, teóricos e metodológicos que explicam a ausência, a marginalização e a negligência dos estudos sobre homens indígenas no geral e particularmente sobre aqueles que têm práticas sexuais homoeróticas. (VIGOYA, 2018, p.76)

Importante considerar algumas similaridades entre Brasil e Colômbia, visto que: 1) Ambos os países são considerados os territórios com o maior número de negros na América do Sul e 2) De acordo com a própria autora (2018, p.76) são os dois países que mais se desenvolveu o maior número de estudos sobre as masculinidades negras. Daí se mostra ainda mais a relevância de se fazer um olhar decolonial sobre esses temas que são urgentes e com particularidades que só serão sentidas e compreendidas em determinadas regiões e povos.

Para além das similaridade positivas que acabamos de falar, é necessário jogarmos luz em mais duas questões aqui levantadas através da citação anterior de Vigoya (2018) e que destacamos sobre os homens negros e os indígenas (que por anos foram vistos de maneiras apenas folclóricas, místicas e “distantes” da vida real, do convívio com a civilização).

Por muito tempo, mas ainda com resquícios nos dias de hoje, as representações de pessoas negras e indígenas em festas e carnavais com fantasias como a da chamada “nega maluca”, o uso de “black face”, no que diz respeito aos negros. Já com os indígenas existe quase que um fetichismo com o uso de cocares e penas de aves, pintura de pele, entre outras expressões típicas dessas culturas em uma tentativa de homenagear ou ridicularizar essas

44 Aqui entendemos “barganhas” no sentido mais comum e até pejorativo da palavra que se refere uma espécie de acordo realizado entre duas ou mais partes de forma fraudulenta, seja com troca de favores ou benefícios, mas sempre tendendo a ser uma prática onde um lado sempre sai em vantagem que outro. Neste caso o homem negro é a parte passada para trás.

pessoas. Essas realidades foram enraizadas na cultura brasileira a ponto de se naturalizar essas práticas, mas que também vem sendo desconstruída.

Retomando pontualmente as noções que versam as construções das nossas identidades, Munanga (1999, p.108), diz que “a identidade é um processo sempre negociado e renegociado, de acordo com os critérios ideológico-políticos e as relações de poder”. São justamente pelas negociações que as masculinidades negras performam, se definem e se representam, afinal, é preciso jogar o jogo da vida com as peças disponíveis no tabuleiro. E nessa perspectiva ainda recai sobre o homem negro a corresponder às fantasias e projeções da sociedade, embora a questão da representação e estereótipos não seja reduzida exclusivamente ao corpo negro e ao homem negro, contudo, para estes sujeitos parecem ter menos direitos ou menos tolerância quando a questão é frustrar as expectativas das demais pessoas, do que se espera do outro.

Na esteira do pensamento de bell hooks (2019), no que confere aos estereótipos, ela entende que:

Embora sejam imprecisos, estereótipos são uma forma de representação. Como as ficções, são criados para servir como substitutos, postos no lugar da realidade. Não estão lá para dizer como as coisas são, mas para estimular e encorajar o fingimento.

São fantasias, projeções sobre o Outro para torná-lo menos ameaçador. Estereótipos sobram quando existe distância. São uma invenção, um fingimento de que se sabe quando os passos que levariam ao verdadeiro conhecimento possivelmente não podem ser dados ou não são permitidos. (hooks, 2019, p.303)

A questão dos estereótipos é ainda mais complexa quando o situamos nos espaços onde eles são mais facilmente colocados e difundidos, como nos meios de comunicação de massa e a própria internet. Para se ter uma ideia da dimensão dos estereótipos e seus efeitos, é válido trazer nesse momento e fazer um alinhamento junto ao pensamento de Patrícia Hill Collins (2019) e sua proposta teórica com as chamadas “imagens de controle” que, segundo a autora “são traçadas para fazer com que o racismo, o sexismo e a pobreza e outras formas de injustiça social pareçam naturais, normais e inevitáveis na vida cotidiana” (p.136). Embora a compreensão da autora verse pelos estudos feministas estadunidenses, ou seja, sobre as vidas das mulheres negras dos Estados Unidos da América, é possível identificar que a ideia das imagens de controle também se aplica na mesma lógica sobre os homens negros brasileiros que estamos estudando. Visto isso cabe pontuar que segundo Collins (2019):

Analisar as imagens de controle aplicadas às afro-americanas revela os contornos específicos da objetificação das mulheres negras, bem como as maneiras pelas quais as opressões de raça, gênero, sexualidade e classe se interseccionam. Além disso, como as imagens são dinâmicas e cambiantes, cada uma é ponto de partida para abordarmos novas formas de controle em um contexto transnacional no qual a

comercialização e imagens no mercado internacional tem sido cada vez mais importante. (Collins, 2019, p.139)

São imagens que bebem da fonte dos estereótipos para a manutenção dos poderes. Isso quer dizer que as imagens (e demais discursos) assim como para as mulheres negras, vemos de mesmo modo aos homens negros. Compreendemos que se trata de imagens já instaladas no imaginário social e colocados como forma de opressão e maneira quase única de se reconhecer uma pessoa. Interessante ainda observar que isso dialoga com a ideia de como os homens negros são vistos e representados de forma homogênea midiaticamente e colocados todos no mesmo compartimento de subjetividades, fisionomias e comportamentos. Nesse sentido alguns estereótipos se tornam marcadores de diferenças nas masculinidades negras também, pois podem se intercruzar ou se sobressair uma sob a outra de acordo com as suas dinâmicas e negociações.