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CAPÍTULO III - PERCURSOS METODOLÓGICOS

3.3 O Twitter como recurso de pesquisa

Realizamos ainda a busca, seleção e categorização de postagens públicas no Twitter que correspondessem aos nossos temas de pesquisa, sob o critério de gênero e sexualidade, publicações que dialogassem com o estudo. A escolha dessa rede social para essa pesquisa se justificou primeiramente por ela representar o momento e o lugar mais atual, após as mídias tradicionais que já o faziam, onde poderíamos encontrar a execução máxima e mais recente do que imaginamos ter os possíveis resquícios de colonialidade nos discursos e estereótipos de sobre a vida e corpos dos homens negros. Em segundo lugar, pela rapidez e dinamismo que o Twitter oferece, talvez, considerando que as interações estabelecidas ocorram de maneira muito rápida e até mesmo objetivas, algumas questões são abordadas ou suscitadas talvez a partir de pensamentos um pouco mais práticos, já que para muitos é importante expressar o pensamento ou reflexão de forma mais clara possível e ainda com uso de poucos caracteres.

O Twitter é uma das maiores e mais longevas redes sociais que temos atualmente.

Com aproximadamente 330 milhões de contas em todo o mundo, essa plataforma que tem como símbolo o famoso passarinho azul, tem como característica mais marcante a limitação de caracteres por mensagem compartilhada: inicialmente eram 140 e hoje em dia são 280 caracteres. Por ser um microblog, a ideia é promover textos curtos onde o usuário possa dividir com sua rede de seguidores suas opiniões, o seu dia a dia, compartilhar memes e até debater sobre assuntos mais sérios.

Enquanto rede social, o Twitter é um espaço de livre expressão, assim o usuário tem a liberdade, desde que seguindo a política de segurança da própria plataforma, para emitir seus pensamentos, se informar e produzir conteúdo que sejam do interesse da sua audiência (algo utilizado principalmente por marcas comerciais e perfis de usuários famosos).

A plataforma consegue abarcar variados conteúdos e recursos multimodais tais como imagens, vídeos, áudios, entre outros, mas diferencia-se de algumas outras redes sociais, como o WhatsApp, por exemplo, por ser um espaço essencialmente público onde qualquer pessoa tem acesso ao conteúdo postado (embora o usuário possa restringi-lo também) algo que o WhatsApp realiza essencialmente por ser uma rede social com uma dinâmica de comunicação mais particulares e individuais.

Outra característica marcante do Twitter, posteriormente copiado por outras redes sociais, é o uso da famosa hashtag, representada pelo símbolo de jogo da velha (#), através desse recurso os usuários podem compartilhar sobre um determinado assunto inserindo uma palavra-chave ou frase precedida do símbolo para criar e agrupar esse conteúdo aos demais assuntos semelhantes a eles na rede social. De acordo com Gambetta Abella (2016), através desse mecanismo “os usuários conseguem se posicionar e, ao mesmo tempo, reconhecer outros que estão ‘conversando’ sobre assuntos similares” (p. 23). E é interessante observar que as hashtags carregam consigo “um posicionamento, já que se refere não somente ao assunto, mas também ao pensamento do tuiteiro acerca do problema” (p.23) ou ideia central do que se quer compartilhar e gerar identificação na rede.

Dentro da plataforma há também o chamado Trending Topics, que é o ranking dos assuntos mais comentados no momento, algo como um medidor de audiência, tanto que nos últimos tempos tem sido usado, por exemplo, por programas de televisão, rádio e outras empresas presentes na rede social a fim de se conectar com seus públicos e saber o que tudo o que estão falando em tempo real.

Por sua dinâmica e velocidade, aliás, até mesmo o “arrepender-se” pode ser tarde demais. Uma postagem pode ser comentada, “printada” (ou seja, uma captura de tela) e usada de muitas maneiras, seja para promover ou até mesmo desmoralizar uma pessoa. Não à toa, o Twitter já foi palco de grandes debates sobre política e assuntos polêmicos, e assim como praticamente todas as redes sociais virtuais há uma pluralidade de opiniões entre positivas e negativas sobre todo e qualquer assunto.

O tradicional boca a boca, mas também as falácias e Fake News, que já eram coisas presentes nas nossas relações cotidianas de formas enraizadas, muitas vezes naturalizadas,

ganham ainda mais força no ambiente virtual em projeções e impactos de discursos que podem ser infinitos e perigosos.

Muitas pesquisas que tratam sobre a internet, as plataformas digitais, as mídias sociais, inclusive, os meios de comunicação de massa tradicionais, partem para abordagens quantitativas a fim de obter resultados em números e escalas que possam quantificar desde o número de pessoas que têm acessos a essas tecnologias a uma relação de audiência no consumo de determinado produto, assunto e conteúdo. Dentro da nossa proposta metodológica sem dúvida essa abordagem isoladamente já enriqueceria nossas análises, mas precisávamos ir além dos números e compreender como esse fenômeno que estamos lidando acontece e aparece de maneiras diferenciadas para cada pessoa ou grupos, por isso optamos primordialmente por uma análise de abordagem qualitativa em relação as escolhas das imagens e discursos (tweets) presentes nessa rede social. Segundo Minayo (2001) essa metodologia “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes” (p.21), confirmando assim a importância de usarmos tal abordagem nesta pesquisa pela diversidade de conteúdos que poderiam corresponder ou não com as nossas intenções de ilustrar nossas questões acerca dos homens negros. Assim sendo, propomos um recorte temporal que nos atendesse em meio a multiplicidade de conteúdos presentes nas redes sociais, mas que nos resultasse satisfatoriamente na obtenção de imagens e discursos que realmente estivessem relacionados ao tema da pesquisa. Desta maneira delimitamos nossa busca referente ao ano de 2020 (janeiro a dezembro), mas com um olhar mais atento aos acontecimentos do 1º semestre do ano por ter sido um período de grande relevância de acontecimentos e repercussões de temáticas raciais e de gênero no Brasil e no mundo. Dentre alguns eventos que destacamos foram as discussões levantadas no reality show Big Brother Brasil (BBB 20), da Rede Globo de Televisão, como racismo, machismo, masculinidade tóxica, entre outros desdobramentos, que impactaram dentro e fora do programa e geraram debates nas redes sociais.

Neste semestre de 2020, mais especificamente em maio e junho, o mundo se viu diante de uma onda de manifestações contra a violência policial e genocídio da população negra. Iniciado nos Estados Unidos e denominado de Black Lives Matter, o movimento atravessou fronteiras ganhando mobilização também em outros países, como o Brasil com a versão Vidas Negras Importam, impactando várias capitais e gerando comoção, discursão e debates nas mídias tradicionais e, principalmente, nas redes sociais, como o Twitter, endossados pelas hashtags #BlackLivesMatter, #VidasNegrasImportam e outras tags relacionadas.

Em suma, nosso recorte nesse ponto se deu por todos estes acontecimentos que dizem respeito à população negra, sobre os seus corpos e sobre suas vidas. O momento pediu ainda um olhar político, sério e aprofundado sobre determinadas questões de impactos físicos e simbólicos sobre estes corpos negros e, no caso desta pesquisa, principalmente os corpos dos homens negros.

Por se tratar de relações humanas, optamos por utilizar como um dos procedimentos metodológicos o formato de entrevistas, seguindo um roteiro definido em tópicos centrais e perguntas auxiliares relacionadas aos assuntos levantados, deixando sempre uma abertura para aprofundamento tanto por parte do pesquisador quanto dos entrevistados, além de permitir outros desdobramentos.