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FORMAS DE DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS EM SALA DE AULA

DOS ESTEREÓTIPOS SOBRE OS INDÍGENAS

Não é difícil encontrar em blogs, telenovelas, músicas, propagandas televisivas, filmes, reportagens, etc., alguns exemplos práticos decorrentes disso, em que os indígenas aparecem como empecilhos ao progresso e ao desenvolvi- mento econômico, beneficiários preguiçosos de programas

sociais, usuários de latifúndios ociosos, entre outros argu- mentos subservientes à dinâmica dos interesses dos latifun- diários, grandes proprietários rurais, empresariado, lobistas, bancadas ruralistas, grupos conservadores, entre outros.

Algumas construções carregam contrassensos difíceis de resolver, visto que, em alguns meios de comunicação, o indígena que atrapalha o progresso por ser cultural e

considerado materialmente atrasado é o mesmo que apa-

rece como integrado ao mundo tecnológico e à sociedade

de consumo e, portanto, visto como descaracterizado (a

velha imagem do índio que usa cocar, tênis Adidas e smar-

tphone). Ora é cobrado por ser arcaico dentro das exigên-

cias do mundo moderno; ora é cobrado por não carregar a “pureza cultural” de seus ancestrais. Há também atualiza- ções de mitos fundadores da cultura brasileira, como por exemplo produções artísticas que, mesmo no século XXI, cristalizaram uma representação de indígena do século XIX: representante de um modo de vida idílico e antítese do consumismo dos grandes centros urbanos. Se quiser- mos ir mais longe, é o bom selvagem rousseauniano que ainda habita o imaginário de muitos.

Essa ambiguidade sobre a imagem do indígena varia de acordo com o contexto socio-histórico de sua produção e circulação, os objetivos político-ideológicos em cada pe- ríodo. Diogo Monteiro (2014), em estudo sobre a imagem do indígena na iconografia didática, ao abordar os contex- tos sobre a produção da imagem do indígena no Brasil, afirma que no Brasil “ora se exalta [o indígena] como me- táfora da liberdade natural, ora os denigre como modelo de retrocesso a ser suplantado pelos projetos civilizatórios de

construção da nacionalidade” (MONTEIRO, 2014, p. 37). Entre os cronistas, viajantes e missionários religiosos dos séculos XVI a XVIII, a imagem do indígena esteve associa- da à valorização do exótico, da ingenuidade e amabilidade através do entendimento dos ameríndios enquanto “ovelhas perdidas”. Mas, concomitante a isso, havia a constante rea- firmação de sua condição selvagem e bárbara, de povos sem rei, lei ou fé (MONTEIRO, 2014, p. 38-40), explicada pelos constantes jogos de interesses que envolviam a catequese e a conquista do território brasileiro. Não raro, o indígena deixa de ser associado a ovelhas para ser comparado a tigres, lobos e leões “para representar a força, agressividade e a antropo- fagia dos nativos brasileiros” (ASSUNÇÃO, 2000, p. 138 apud MONTEIRO, 2014, p. 42).

No Brasil império, o indígena esteve encurralado entre as teorias raciais, discutidas em instituições como o Museu Nacional e as faculdades de medicina da Bahia e direito do Recife, que o colocavam na “infância da civilização”, ou no interior do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que oscilavam entre os pressupostos dos românticos india- nistas e a busca pela “brasilidade” ou dos intelectuais de ma- triz iluminista que os colocavam como ponto de partida da civilização. No primeiro, estava em discussão um modelo de análise social baseado nas teses evolucionistas aplicadas ao desenvolvimento cultural e material das sociedades huma- nas (darwinismo social); no segundo, encontrava-se o deli- neamento de um projeto historiográfico que estabelecia uma concepção de nação brasileira (MONTEIRO, 2014, p. 46).

Na aurora do regime republicano, as ideias evolucionis- tas não saem de cena, sendo especificamente o positivismo de

Augusto Comte e sua teoria dos três estágios (conhecimento teológico, metafísico e positivo) que deu a tônica da interpreta- ção sobre os povos indígenas, que estariam em estágios mais primitivos, o que justificaria a sua condição social inferior. É inserindo o indígena no progresso que o estágio positivo poderia ser alcançado, o que justificaria a tutela do Estado, e não mais da Igreja, sobre esses povos. Ainda dentro da repú- blica, e de forma bastante diferente, o modernismo brasileiro se apropria da imagem do índio enquanto representação de uma arte subversiva através da metáfora antropofágica (vide o Manifesto antropófago, de Oswald de Andrade, e o Abaporu, ou “homem que come”, de Tarsila do Amaral). Ao contrário do ser frágil e incapaz do positivismo, o ameríndio antropófago modernista, ser anti-hierárquico, devora o estrangeiro (sua produção artística) para extrair as contribuições positivas na criação de uma arte originalmente nacional (MONTEIRO, 2014, p. 51-53).

Há outras representações sobre o indígena no Brasil, muitas vezes concomitantes às que foram citadas acima. De- bruçamo-nos sobre algumas das mais recorrentes na histó- ria do Brasil para destacar que, em todos esses exemplos e contextos, está justificada a necessidade de maior discussão sobre a história indígena nas salas de aula. A escola pode ser um local de esclarecimento contra a preguiça intelectual que circula em grande parte dos meios de comunicação em massa – não para fixar uma imagem “academicamente cor- reta”, “verdadeira” ou “autorizada” dessas populações, mas para aprender em meio à polissemia a identificar os estereó- tipos, estigmas e outras formas de atribuição de identidade que possam ser utilizada para reprimir, retirar direitos, legi-

timar o racismo e promover o genocídio dos povos originários do Brasil. Mais à frente discutiremos algumas das simplifica- ções que tentamos desconstruir com os alunos do decorrer do curso.

A RELEVÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA