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PROFESSORES FORMADORES

O ENCANTAMENTO COM O CONHECIMENTO

Encantar significa lançar encantamento ou magia so- bre algo, transformando o ser, cativando-o, seduzindo-o. Portanto, “encanto traduz a ideia de sedução, beleza e ma- gia. É algo que nos fascina e nos deixa maravilhados” (Mo- raes, 2003, p. 166). O conhecimento, por sua vez, segundo Maturana (2001); ; Sérgio (2004;), dentre outros pesquisa- dores, pressupõe uma real ação entre o organismo vivo e a relação deste com o mundo, passando indiscutivelmente pelo corpo. Sendo assim, a ação do conhecer pertence à vida cotidiana na vivência e convivência com o outro, em que se encontram processos cognitivos e vitais entrelaça- dos à emoção. Trata-se de um constante desafio para a ação pedagógica. Oportunamente, Boff, no prefácio da obra

Reencantar a educação, de Hugo Assmann, chega para am-

Conhecer é um processo biológico. Cada ser, principalmente o vivo, para existir e para viver tem que se flexibilizar, se adaptar, se re-estru- turar, interagir, criar e co-evoluir. Tem que fazer-se um ser apren- dente. Caso contrário morre. Assim ocorre também com o ser humano (BOFF apud ASSMANN, 2003, p 12). Nesse horizonte, encantar o conhecimento parece ser um dos aspectos relevantes a serem considerados na prática edu- cativa e formação docente. Uma docência que pressupõe a abertura para si, para o outro, para o mundo e para a vida ancorada à corporeidade, ao conhecimento sensível e a ale- gria de viver, porque é movido por aquilo que nos seduz, cati- va e nos deixa maravilhados. O conhecimento torna-se objeto de desejo do aprendente. Trata-se de uma docência pautada na busca de entusiasmo, que transforma o espaço educati- vo/formativo num lugar de alegria e prazer, facilitadora da expressividade, encantando e seduzindo crianças, adolescen- tes, jovens e adultos para a aprendizagem oriunda de uma curiosidade criativa. Esse reencantamento mobiliza desejos, pois o corpo está imbricado nas ações cotidianas em que o sentir e o pensar caminham indissociavelmente, engajando- -se com vistas à transformação de si e do mundo que o cerca. Segundo Assmann:

O ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventividade.

Não inibir, mas propiciar aquela dose de alucinação consensual entusiásti- ca requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. Reviravolta dos sentidos-significados e potenciamen- to de todos os sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mun- do. Porque a aprendizagem é, antes de mais nada, um processo corporal. Todo conhecimento tem uma inscri- ção corporal. Que ela venha acompa- nhada de sensação de prazer não é, de modo algum, um aspecto secun- dário (ASSMANN, 2003, p. 29). O corpo engajado possibilita a comunicabilidade en- tre os sentidos. Daí Assmann (2003) afirmar categorica- mente que um bom espaço educativo/formativo propicia aprendizagens prazerosas. Trata-se de sair de uma visão de ação educativa/formativa redutora, fechada, inibidora e excludente para uma visão mais aberta, complexa, dia- lógica, inclusiva, ou seja, uma educação sensível capaz de reinventar e produzir um conhecimento personalizado en- volto por experiência de aprendizagem que fascina, haja vista ser no corpo que o conhecimento é tatuado. É nesse ambiente prazeroso que a amorosidade, a afetividade e a alegria fortalecem a relação entre docentes e aprendentes.

Quando nos referimos ao encantamento com o conhe- cimento, não estamos destituindo o comprometimento, a

responsabilidade, a seriedade concernente ao ato de en- sinar/formar, mas, pelo contrário, estamos nos referindo ao compromisso, ao respeito e ao cuidado para com aque- le que aprende, seja ele ou ela docente em formação ou discente em período de escolarização. Trata-se de fazer do conhecimento um objeto de fascinação e sedução. Compro- misso com o ser corpóreo que é o próprio corpo em movi- mento. O sentimento de Violeta em relação à sua maneira de ensinar música retrata bem essa discussão. Ela própria narra essa alegria e prazer de ensinar, questionando e res- pondendo:

Como trabalhar os elementos da música de forma que os alunos se sintam tocados e motivados por ela, enxergando um novo mundo que, às vezes, passa despercebido? É a forma, o respeito, o carinho, a afe- tividade permeando as aulas, mos- trando que é possível ultrapassar a dificuldade. Com o passar do tem- po, eles passam por cima dos im- previstos e fazem de tudo para não faltar a aula porque aquele momen- to é prazeroso para eles (VIOLETA). Para Violeta, o ato de ensinar está perpassado pela ter- nura de saber acolher e seduzir o aprendente, mostrando a eles possíveis portas que poderão ser abertas diante das di- ficuldades que a cotidianidade da vida apresenta. Para ela, é

possível cativar o aprendente para o centro da sua formação a partir da amorosidade que permeia a relação docente/dis- cente. Nessa perspectiva, vem ao nosso encontro Paulo Frei- re, com bastante pertinência, argumentando a favor de uma educação amorosa e cuidadosa.

Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inaca- bados não pode educar. Não há edu- cação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não com- preende o próximo, não o respeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama (FREIRE, 2005, p. 29).

Quem ama cuida, cativa, cultiva, interage, flexibiliza-se, presta e dá atenção, acolhendo e dialogando. Quem ama de- senvolve a escuta sensível, quem ama potencializa saberes apesar das adversidades, procurando transformar a si mes- mo, a quem está em sua volta e o seu entorno. A narrativa de Hibisco a respeito do que é ser um bom professor de dança também contribui para reafirmar a importância do seduzir e cativar o outro para o centro da aprendizagem.

Um professor de dança vai saber que está trabalhando muitíssimo bem quando chega no colégio já pela re- ceptividade daquilo que vem de bom.

Trazer para a comunidade um sábado com dança. Imagina que farra seria? Se isso fosse instituído com o pro- fessor à frente. Não estou falando de “dancinha”, de falta de respeito, não. É o aquecimento e explicar o porquê, é a profilaxia, fazer trabalho social, uma série de coisas para serem estu- dadas, teatralizadas, dançadas. Esse bom professor é uma pessoa pluga- da no mundo, desligou dançou, não tem jeito. O bom professor é aquele que ganha o aluno, ganha a escola, ganhou a escola, ganhou o universo, como a sala de aula, você cativa mes- mo (HIBISCO).

Para Hibisco, o bom professor, além de cativar o outro para o aprendizado, não pode descuidar-se do compromisso ético com a área de conhecimento na qual exerce a docên- cia. Ele é detentor de saberes e fazeres que dialogam com o estudante, com a escola e o entorno no qual ela se encontra inserida. O bom professor não só é engajado com o currículo escolar, como mantém conectividade com a cultura e está em permanente autoformação.

O encantamento com o conhecimento pressupõe que o “educar é um fenômeno psicossocial e biológico” (MORAES; LA TORRE, 2004), pois compreende o envolvimento das di- mensões humanas do sentir, pensar e agir, uma implicação global do corpo. Trata-se de compreender os fenômenos da

vida e da aprendizagem como fenômenos indissociáveis, como sinaliza a teoria autopoiética preconizada por Matu- rana (2001).