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Capítulo 2 – Instituições Financeiras Internacionais e a

2.1 AS INSTITUIÇÕES FINACEIRAS INTERNACIONAIS

2.1.4 A Atuação da IFI no Brasil

2.1.4.2 A Estratégia do Banco Mundial e do Banco Interamericano

A análise dos documentos produzidos pelas IFI sobre o Brasil expressa as afinidades e as restrições quanto à política econômica do País e seu objetivo maior de salvaguardar os interesses dos centros financeiros mundiais, particularmente, o Banco Mundial e o FMI (MINEIRO, 1998).

O Documento de País do BID estabelece uma relação clara entre estabilização econômica (ou seja controle da inflação) e desenvolvimento, colocando a questão da pobreza como um problema a ser enfrentado. A CAS do Banco Mundial também explicita seu apoio à consolidação da estabilização macroeconômica (e neste caso as reformas estruturais da economia) garantindo, assim, um crescimento “capitaneado pelo setor privado e políticas compensatórias de redução da pobreza” (ibid., p. 20). Ambas as instituições relacionam estabilização macroeconômica com redução de pobreza e o crescimento de longo prazo da econômica. Assim, em 1994, com o Plano Real, acreditava-se na vitória sobre a inflação e na ocorrência de um ciclo de estabilidade, prosperidade, crescimento e justiça social (ibid., 1998).

Para Mineiro (1998), essa tese não se confirmou uma vez que, entre os anos de 1994 a 1997, a taxa de crescimento do PIB baixou de 6% para 3%. Os níveis de desemprego também se ampliaram de 5%, em 1994, para mais de 6%, em 1997. Por outro lado, os efeitos redistributivos do Plano Real cessaram em 1997, com o crescimento da desigualdade social. O

autor destaca que os cortes freqüentes no orçamento público, devido ao ônus da dívida interna e as altas taxas de juros sobre esses orçamentos, fez reduzir os gastos sociais, atingindo a população mais carente, e levando a adoção de políticas compensatórias. Esses dados evidenciam a contradição da tese defendida pelo governo e FMI.

A partir de 1994 ficou claro que o plano de estabilização econômica não dependeria unicamente do equacionamento das contas públicas, mas, fundamentalmente, da capacidade de captação de recursos no sistema financeiro internacional, por meio da oferta de uma alta rentabilidade aos investidores internacionais. Essa estratégia promoveu o endividamento do setor público e privado; o crescimento das exportações; o déficit na conta de serviço; e o

déficit da Balança Comercial. Por outro lado, a rápida entrada de capitais fez com que o câmbio se valorizasse, para que pudesse ser garantida a rentabilidade financeira dos aplicadores internacionais (ibid., 1998).

A Country Assistence Strategy (CAS), do Banco Mundial, elaborada para o País em 1997, ilustra as estratégias deste Banco para o País e o fiel atendimento das suas recomendações por parte do governo de FHC. No que se refere às privatizações, o documento expressa o atendimento do governo às recomendações do Banco

O Plano de privatização foi ampliado em 1996 para incluir os serviços públicos (ferrovias, energia, telecomunicações, transporte urbano, rodovias, saneamento básico, portos e gás encanado) (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 100, grifo nosso).

Quanto ao alinhamento do governo brasileiro às teses do combate a pobreza, o documento explicita

O Presidente Cardoso grifou “justiça social” como a prioridade de seu programa econômico e o governo está fazendo várias ações para melhorar o alcance e a qualidade dos programas de alívio da pobreza, incluindo atenção especial para uma melhor qualidade da educação e um melhor gerenciamento dos programas de saúde pública e melhor coordenação através do Programa Comunidade Solidária (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 102).

No que diz respeito à reforma do setor público, as diretrizes de enxugamento da máquina administrativa, reforma da previdência e fiscal ficam explícitas.

[...] Isso vai exigir redução dos gastos e contenção da folha de pagamentos e ainda um uso melhor dos recursos, incluindo aí melhor contabilidade e auditoria.[...] Entre as três reformas estruturais fundamentais, que exigem emendas à Constituição – a Reforma Administrativa (essencialmente a retirada da estabilidade no serviço público), a reforma da Previdência Social (que tem como ponto maior a mudança na exigência de os benefícios dos aposentados serem 100% iguais aos de último salário enquanto na ativa, redução cumulativa de benefícios, introdução de uma idade mínima para a aposentadoria e checagem das contribuições) e Reforma Fiscal, melhorando a eficiência, a conformidade e a universalização dos tributos sobre bens e serviços (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 106).

[...] o governo visa modernizar o Estado através de (i) privatização de outras atividades onde o setor privado tenha algum interesse; (ii) um papel efetivo do Estado na regulação das atividades econômicas; (iii) redefinição e redistribuição das funções do setor público entre os níveis nacional e subnacionais (estadual), e (iv) implementação melhor de serviços descentralizados do Estado (buscando aumentar o controle e a responsabilidade dos serviços do setor público e das finanças) (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 106).

O trecho seguinte ilustra de forma clara a proposta da privatização dos serviços públicos e a necessidade de adotar mecanismos de regulação. As ações do Governo FHC no campo do saneamento ilustram o quanto o seu governo estava afinado com as proposta do Banco Mundial

[...] O governo vem buscando cada da vez mais aumentar a concorrência e investimentos privados na infra-estrutura através de concessões de serviços públicos, privatização de ativos, melhorias na estrutura de regulação e abertura de novas áreas para os sistemas de concessão. Mas reconhece que investimento público contínuo será necessário em alguns casos, especialmente no período de transição inicial. Embora a Constituição tenha sido mudada no sentido de acabar com o monopólio do Estado na maioria dos setores mais importantes da economia, investimentos privados eficientes estão dependentes da oportuna instituição de regimes reguladores globais, incluindo legislação complementar. Progresso maior em ambos - privatização e papel regulador do Estado - constitui uma parte central das políticas do governo em relação à modernização do Estado (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 108).

[...] A participação do setor privado começou a se desenvolver em alguns subsetores (telecomunicações e distribuição de energia), mas precisa ser consideravelmente ampliada e aprofundada. Em alguns setores, tais como a reforma do abastecimento de água e saneamento básico é mais complicado devido a, inter alia, definição imprecisa do poder de subsídios, estrutura reguladora fraca, instituições financeiras fracas, alto custo financeiro da expansão dos serviços e sistema de subsídio interligado nos municípios operados pelas companhias de abastecimento de água dos estados. No setor de abastecimento de água e saneamento básico espera-se uma lenta reforma institucional e melhorias nos serviços e exigem coordenação através de todas as instâncias do governo (ver parágrafos 9-17 do PSS no Apêndice 2 para maiores detalhes). A participação do setor privado é encarada como um instrumento para a melhoria da eficiência, aumentando a competitividade e incorporando fundos privados para investimentos setoriais (BANCO MUNDIAL apud VIANNA e outros, 1998, p. 108, grifo nosso).

Algumas estratégias definidas na CAS de 1997 no campo do saneamento merecem ser citadas:

− Desenvolver estrutura de regulação mais forte, estabelecer mecanismos de financiamento, incentivar processos de licitação para concessões de serviços de água e implementar modelos para investimento do setor produtivo na infra- estrutura.

− Implementação de empréstimos prévios para programas de [...] qualidade da água urbana e controle de poluição.

− Estabelecimento de gerenciamento ambiental nos serviços de água, incluindo uma revisão dos procedimentos de licenciamento para projetos de saneamento envolvendo companhias e serviços públicos e agências ambientais.

O Country Paper, elaborado pelo BID para o Brasil em 1997, indica as estratégias deste Banco para o País e, mais uma vez, o fiel cumprimento das suas recomendações por parte do Governo de FHC. Quanto à infra-estrutura produtiva, o BID defende o apoio a abertura da economia, a integração regional e a iniciativa para a Redução do Custo Brasil. No setor social, os empréstimos do BID têm dado prioridade ao atendimento de populações urbanas e rurais de baixa renda. No programa operacional de 1995-1997 foram consideradas áreas prioritárias: educação (pré-escolar, básica e nível secundário); saúde (melhoria da gestão e das instalações); redução da pobreza urbana (com infra-estrutura e melhoria das condições de vida); saneamento básico de grupos de baixa renda; e “análise de possibilidade de privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário” (BID apud VIANNA, 1998, p. 156).

O apoio à descentralização da gestão pública e da participação das comunidades fica explicito no Country Paper:

O aspecto mais importante da estratégia do setor social é a necessidade de apoiar a descentralização contínua e as reformas institucionais e administrativas, assim como uma colaboração maior com as comunidades locais e sociedade civil na prestação de serviços, conforme concebida no Programa de Comunidade Solidária do governo (BID apud VIANNA e outros, 1998, grifo nosso).

Quanto à reforma do setor público, as proposições do BID seguem as orientações do Banco Mundial. No Country Paper é observado que o esforço do governo para a “Reconstrução do Estado” exigirá a diminuição do tamanho do setor público e a reestruturação de suas funções para obter maior eficiência. Para o BID, esse objetivo pode ser atingido parcialmente com a privatização, assim como:

a) a renovação e/ou eliminação em grande escala de muitas instituições e programas existentes; b) a modificação e a desregulamentação das relações entre os setores público e privados; e c) a redefinição dos beneficiários dos programas sociais para atender mais eficientemente as necessidades dos que são realmente pobres (BID

apud VIANNA, 1998, p. 172, grifo nosso).

As estratégias para o setor social passam pelo aumento da eficiência do gasto social do governo por meio da descentralização, das reformas administrativas e institucionais e maior colaboração com as comunidades locais e a sociedade civil na prestação dos serviços (BID

No que se refere à redução das desigualdades e erradicação da pobreza é ressaltado que a estratégia do governo brasileiro é implementar programas sociais que atendam “genuína e eficientemente” aos pobres, com a colaboração, “inovadora”, da sociedade civil; sendo citado como exemplo o Programa Comunidade Solidária. Esse programa, segundo o BID, estabelece coligação entre Governo Federal, os estados, os municípios e a sociedade civil, tendo atuação em cinco áreas

a) saúde e nutrição, especialmente em programas orientados às crianças de tenra idade e as mães lactantes, programas de merenda escolar e a distribuição de alimentos; b) serviços urbanos, com ênfase em água e esgotos e habitação de baixo custo; c) desenvolvimento rural, enfatizando programas de assentamento no campo e apoio às famílias de agricultores; d) emprego e renda, com ênfase na capacitação da força de trabalho e no crédito às micro-empresas; e) proteção às crianças vulneráveis, mediante apoio a creches, programas pré-escolares e programas para atender as necessidades dos “meninos de rua” e oferecer-lhes alternativas (BID apud VIANNA, 1998, p. 173).

Quanto ao desenvolvimento urbano e a erradicação da pobreza, o documento ressalta que

[...] os investimentos urbanos se justificam pelo seu impacto sobre a economia, uma vez que a disponibilidade e a qualidade da infra-estrutura e dos serviços urbanos estão correlacionados com o grau de eficiência das unidades produtivas e os efeitos de projetos bem elaborados em termos de redução da pobreza. [...] A estratégia do banco nos projetos urbanos deveria se concentrar no apoio a duas categorias principais: a) redução da pobreza urbana, tendo em conta o seu impacto sobre indicadores sociais básicos, a qualidade do meio ambiente e a capacidade de financiamento dos governos locais; b) financiamento de habitações e da infra- estrutura urbana, por sua importância econômica e pelo seu potencial de geração de empregos (BID apud VIANNA e outros, 1998, p. 183).

Mais de 45% do financiamento do BID para o Brasil destinam-se para o saneamento. O

Country Paper prevê a continuidade do ciclo atual programado pelo Banco, uma vez que, segundo essa instituição, essas operações geram benefícios diretos junto aos grupos de baixa renda. Nesse ponto, o documento refere-se ao

[...] objetivo complementar do desenvolvimento de uma estrutura normativa que permita “a privatização dos serviços de água e esgoto nas principais cidades. Essa estratégia poderia ter como base o princípio de que grande parte do abastecimento de água e esgotos é um bem privado pelo qual muitos estão dispostos a pagar. Essa estratégia poderia também reconhecer que os serviços de saneamento têm efeitos sobre a saúde pública e o meio ambiente e que muitos beneficiários em potencial não têm condições de pagar o custo total. Esses serviços poderiam ser apoiados pelo Estado com subsídios diretos específicos. O objetivo seria atender eficientemente a demanda econômica e social desses serviços ao custo mais baixo possível tanto para o governo quanto para os beneficiários (BID apud VIANNA e outros 1998, p. 183- 184, grifo nosso).

Aqui fica explicita a estratégia neoliberal de dividir a sociedade em duas: os pobres e os não pobres. Para os não pobres o setor privado, para os pobres o Estado que deve oferecer serviços que atendam a demanda “econômica e social”. O saneamento é tratado como um bem

privado, apesar do discurso da saúde pública e do meio ambiente. Em sendo um bem é uma mercadoria que pode ser comercializada segundo a lógica do mercado.

As estratégias das IFI para a pobreza revelam a contradição própria do Capitalismo Tardio cujas políticas são de corte neoliberais. Enquanto as IFI impõem reformas estruturais que privilegiam o ajuste fiscal, a diminuição do papel do Estado nas políticas públicas, o que determina a diminuição no nível de emprego e a ampliação da pobreza, o discurso desses organismos é de redução das desigualdades. Aqui a pobreza não é tratada como resultado dos ajustes estruturais, como resultado da internacionalização do capital e do papel das economias do chamado Terceiro Mundo na nova ordem global. Aqui, a pobreza é enfrentada com políticas compensatórias e focalizadas nos espoliados urbanos e rurais. Assim, as políticas sociais no Capitalismo Tardio deixam o referencial dos princípios do Estado Provedor e passam a radicalizar nos ideais neoliberais direcionando as políticas para os “verdadeiramente” pobres e privatizando-as para os outros. As políticas afastam-se dos ideais da modernidade, pautados na universalização, e se aproximam do princípio da focalização. Ou seja, buscam manter os interesses do capital global e controlar com ações focalizadas a pobreza. Assim, no neoliberalismo, pão para os pobres, através da ajuda comunitária e de “combate à pobreza” e um pouco de água para os mais necessitados para matar a sede, uma vez que a água é um líquido precioso cada vez mais valorizado no mundo dos negócios.

2.2 POLÍTICA DE SANEAMENTO NO BRASIL E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS