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Capítulo 2 – Instituições Financeiras Internacionais e a

2.1 AS INSTITUIÇÕES FINACEIRAS INTERNACIONAIS

2.1.3 As Políticas das Instituições Financeiras Internacionais

2.1.3.2 O Ideário das Políticas e Programas das IFI

Para a inserção das economias latino-americanas no modo capitalista de produção, esses organismos internacionais tinham duas estratégias: por um lado promover o desenvolvimento econômico através da industrialização, urbanização e modernização da sociedade e, por outro, pregavam práticas comunitárias ligadas ao parentesco e ao comunitarismo para o enfrentamento das desigualdades sociais geradas pelo mesmo desenvolvimento. Com essas

intenções foi que, a partir da década de 50, as IFI passam a desenvolver políticas assistencialistas e estimular a prática da ajuda mútua.

Qualquer que seja a medida em que a mudança de condições tenha feito diminuir a prática da ajuda mútua, nenhum benefício se obterá em acelerar o processo implantando prematuramente planos “oficiais como os que existem nos países altamente industrializados. Antes bem, tudo parece indicar que seria melhor fomentar a tradição da ajuda mútua aplicando-a a projetos práticos como os programas de desenvolvimento à comunidade” (ONU apud MEDINA, 1997, p.76, grifo do autor).

Em outro trecho a autora ressalta

Em certas partes de um país menos desenvolvido, as medidas diretas do governo podem resultar não só impossíveis, mas não necessárias devido à possibilidade de que a solução só esteja no fortalecimento da ajuda mútua dentro da comunidade local. Nestas circunstâncias, a função fundamental do governo deve consistir em fazer tudo o que esteja a seu alcance para melhorar o bem-estar e prosperidade das comunidades no seu conjunto, fomentando, ao mesmo tempo, o espírito de ajuda mútua de todas as maneiras possíveis. Em outras palavras, a solução pode estar na ação indireta por parte do governo como, por exemplo, por meio de subsídios às organizações não governamentais que estão dispostas a se encarregar das atividades encaminhadas a satisfazer as necessidades especiais das pessoas que, de outro modo, ficariam completamente desprovidas de recursos (ONU apud MEDINA, 1997, p. 77)14.

Nas entrelinhas dos documentos da ONU é possível perceber o discurso dos organismos internacionais sobre a pobreza e os grupos sociais desamparados. O documento publicado pela ONU em 1956 “Asistencia a los necesitados en las regiones menos desarroladas”, evidencia as estratégias desses organismos naquele momento.

A supressão da ignorância pelo progresso da educação e da administração pública contribui, principalmente, para diminuir a pobreza geral e individual. Assim mesmo, a derrota da doença elimina uma das causas principais da incapacidade dos indivíduos para prover as suas próprias necessidades e contribui à prosperidade material da coletividade inteira, enquanto aumenta a produtividade dos trabalhadores” (ONU apud MEDINA, 1997, p. 75, grifo do autor).

Dessa citação percebe-se que a pobreza seria diminuída com a educação e a derrota da doença garantiria que o próprio indivíduo promovesse a prosperidade material e o aumento da produtividade. Ou seja, nos países ditos periféricos a redução da pobreza não seria uma questão de redistribuição de renda e sim de esforço individual, uma vez dadas, pelo Estado, as condições mínimas de educação e saúde.

É também nesse período que se dissemina o conceito de “desenvolvimento comunitário”, que evoluiu hoje para “planejamento participativo”. Medina cita que, em 1957, a ONU preocupada com a participação popular no desenvolvimento na América Latina, passa a disseminar o conceito de “desenvolvimento comunitário” designando-o como sendo,

14 Notar que esse discurso é feito em 1956, quando o Estado do Bem Estar Social era um paradigma nos países centrais e uma

[...] aqueles processos nos quais os esforços de uma população se somam aos de seu governo para melhorar as condições econômicas, sociais e culturais das comunidades, integrar estes na vida do país e lhes permitir contribuir plenamente no progresso nacional. [...] Neste complexo processo intervêm, pelo tanto, dois elementos essenciais: a participação da mesma população nos esforços para melhorar seu nível de vida, dependendo todo o possível de sua própria iniciativa e, o fornecimento de serviços técnicos e de outros, para estimular a iniciativa, o esforço próprio, a ajuda mútua e aumentar sua eficácia [...] (ONU apud MEDINA, 1997, p. 79, grifo da autora).

Essas citações evidenciam que, para essas organizações, nos países não industrializados a solução do problema do bem-estar social estava fora da esfera pública, estratégia diferenciada da desenvolvida nos países altamente industrializados onde o Estado assumia esta responsabilidade (MEDINA,1997).

No início da década de 60, a cidade e nela o bairro passam a ser o palco do trabalho comunitário, estimulados pelas agências internacionais e com o apoio dos governos locais. Disseminam-se programas de desenvolvimento comunitário na América Latina e criam-se diversas instituições governamentais e não governamentais para desenvolver ações assistenciais por meio da qualificação de mão de obra, cursos de alfabetização, doações de alimentos e apoio às organizações comunitárias de bairros. Existia uma preocupação com a população migrante e suas condições de sobrevivência e a possibilidade da mesma de radicalizar-se como força política. É importante lembrar que nesse período a revolução Cubana triunfava e a URSS ainda era uma ameaça ao bloco hegemônico do capitalismo (MEDINA, 1997).

Assim, nos países da América Latina, foram disseminados discursos e práticas da

participação onde as consultorias externas, treinamento e capacitação de pessoal e financiamentos de programas por instituições internacionais tiveram um papel fundamental. O objetivo era transferir para os grupos, comunidade e pobres excluídos dos benefícios do desenvolvimento econômico, a auto-responsabilidade quanto à sua condição de vida. Caberia aos indivíduos e grupos identificarem seus problemas mais imediatos, decidirem as metas e se organizarem para atingir seus fins, através do esforço próprio, da própria iniciativa, da auto- ajuda, da ajuda mútua, ações que não seriam direcionadas para as causas das problemáticas, mas sim para seus efeitos. Afasta-se, assim, a idéia de Estado provedor, que efetivamente não se organizou na América Latina, e a possibilidade de inserção de extensas camadas da população na esfera produtiva, uma vez que os processos participativos burocratizados e governamentais não são capazes de resolver a problemática da renda e do trabalho, que têm raízes na própria contradição entre capital e trabalho.

Assim, com o discurso de ajudar os países pouco desenvolvidos, as instituições internacionais difundiram ideologias voltadas para a penetração do capitalismo internacional, utilizando diversos mecanismos, principalmente por meio de contratos de financiamentos a projetos e de ajuda financeira via FMI.

Segundo Medina (1997), a assistência aos países tem dois eixos: a oferta de experts para garantir a homogeneidade de princípios e ações e a formulação de planos com a assessoria dos experts em planejamento e desenvolvimento, o que, segundo a autora, determina a inserção destes na concepção dos programas de governo em cada país, interferindo na autonomia da nação15. É importante lembrar que foram essas instituições que difundiram o planejamento urbano tecnocrático, por meio dos assessores internacionais, prática amplamente exercida no Brasil a partir da década de 60.

Os discursos e o incentivo à participação no planejamento e descentralização da ação estatal passam a ser praticados por essas agências desde o final da década de 50. Medina (1997) observa que diversos documentos da ONU insistem na necessidade do planejamento com apoio político e popular e com o fortalecimento da administração local.

A partir da década de 60, esses organismos intensificam o paradigma desenvolvimentista que era medido pela taxa de crescimento econômico (PIB) e renda per

capita. A CEPAL assume o papel de disseminar esses princípios na América Latina, influindo técnica e ideologicamente no planejamento econômico, social, urbano, comunitário etc. Órgãos e instituições de planejamento e desenvolvimento urbano são criados pelos governos do período, atendendo as estratégias e interesses desses organismos internacionais. Visava-se com isso homogeneizar as políticas e exercer controle técnico, econômico, além de ideológico e político, propiciando a ampliação da penetração do capitalismo internacional nos países da América Latina (MEDINA, 1997).

Para as instituições internacionais, os crescentes problemas urbanos no chamado Terceiro Mundo deveriam ser equacionados pela auto-responsabilização por parte da população. A partir desse princípio foram elaborados programas de desenvolvimento urbano que estimulavam a autoconstrução para resolver o problema da habitação popular, sob o argumento de redução dos investimentos estatais.

O urbanista John F. C Turner, consultor e ideólogo da ONU para assuntos de habitação na década de 70, pregava a não intervenção do Estado no problema habitacional e estimulava a ‘iniciativa popular’ para a sua solução. Sua proposta pautava-se na manutenção dos

15 Medina (1997) faz referência à elaboração de estudos de desenvolvimento urbano de Bogotá em 1972 e do Plano Urbanístico

assentamentos espontâneos; na liberdade de construir; e no estímulo ao desenvolvimento progressivo, que se dava a partir da ocupação do terreno e a construção da moradia com recursos próprios ao longo do tempo (MEDINA, 1997). As favelas ou os povoados precários eram vistos como as mais viáveis do ponto de vista social, como a citação a seguir demonstra

[...] as formas de assentamentos mais econômicos (no sentido insumo-produto) são, com freqüência, os denominados bairros de favelas ou povoados precários, por serem as mais viáveis, desde o ponto de vista social para seus habitantes. [...] De outra parte, as provas acumuladas demonstram que as moradias que os governos, com boas intenções, subministram às famílias de baixos recursos são caras, pouco estimulantes, rígidas e deprimentes (ONU, 1967 apud MEDINA, 1997).

Assim, para a ONU o esforço próprio dos habitantes promoveria a melhoria dos assentamentos espontâneos, o que para a Medina (1997) representava um paliativo e fortalecia a lógica da urbanização capitalista, com o incentivo do mercado de terras, valorização dos terrenos periféricos e com exploração da força de trabalho.

Para a autora, Turner pregava uma urbanização coerente com o capitalismo ou seja, “os ricos ocupam as melhores áreas da cidade, enquanto que os migrantes os centros degradados, os setores populares e as periferias carentes de serviços básicos” (ibid., p. 84). Assim é que, os governos dos países ditos não desenvolvidos, patrocinados por organismos internacionais, passam a promover programas que incentivavam a ocupação das periferias urbanas, gerando as deseconomias hoje plenamente comprovadas. Foi também no bojo dessa estratégia que as cooperativas de habitação tiveram impulso, disseminado-se mais amplamente na Colômbia onde já havia uma cultura do cooperativismo16.

Essas diretrizes da participação no campo do desenvolvimento urbano, do cooperativismo, por parte dos organismos internacionais se mantêm ao logo do tempo e vão influenciar toda as estratégias estimuladas e patrocinadas pelo Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (CNUAH–HABITAT). Na década de 80, esse centro passa a incorporar outros pressupostos relacionados à luta contra a pobreza. Os programas habitacionais, além de incorporarem o princípio da participação, passam a incentivar atividades de geração de emprego e renda e o Estado passa a ser o catalisador dessas atividades. Nesse caso, a casa e o bairro são vistos como a célula da produção e do consumo e para isto são criados mecanismos estatais de capacitação e financiamento.

Para Medina (1997, p. 89)

16 Uma avaliação realizada pela ONU dos programas de incentivo ao cooperativismo explicitou resistências ao mesmo. Medina

ressalta que neste período os governos da América Latina estavam preocupados em acelerar a economia incentivando a construção civil e, portanto, programas habitacionais. No Brasil, não se pode deixar de citar os programas habitacionais do BNH. No entanto, no meio rural esta estratégia fez parte de vários programas, a exemplo do saneamento no meio rural.

A estratégia geral destes programas é a transformação das metas traçadas internacionalmente em atividades nacionais específicas. A partir destes mecanismos o centro HABITAT difunde ideologias, homogeneíza discursos, estandariza [sic] programas, legitima governos e sustenta a tecno-burocratização dos programas urbanos. Nele visualiza-se como participação comunitária o simples processo de difusão das informações com o objetivo de reproduzir ações sob convencimento do efeito demonstrativo.

Assim, também, a aproximação e análise em um contexto mais ‘global’ destes programas possibilitam conhecer que, muitas vezes soluções que os governos do período, administradores ou políticos, colocam como próprias, inéditas e únicas, sob o sofisma do nacionalismo e da inovação administrativa, são soluções técnicas divulgadas, e até patrocinadas financeiramente desde os organismos internacionais. Assim, o efeito difusor dos programas definidos pelas agências internacionais garante que, a nível de cada país, não só se assuma as tarefas que o materializam, mas também, que os setores hegemônicos usufruam livremente dos benefícios políticos (e financeiros) destes programas (ibid., p. 90).

Para Medina (1997, p. 91)

[..] o papel essencial dos recursos financeiros externos é complementar os recursos internos no financiamento de obras e projetos, mas nas condições de uso destes financiamentos se impõem prazos, cláusulas de compra de pacotes tecnológicos ou materiais e, ainda sinaliza-se a contratação de determinados consultores, deixando em xeque a soberania das nações” (ibid., p. 92).

Medina (1997), ao fazer uma análise da lógica da cooperação internacional por meio de diversos documentos da própria ONU, evidencia o sofisma do discurso de ‘ajuda’ aos países. Para a autora, as IFI estão mais voltadas para seus interesses que promover o real desenvolvimento dos países credores. Para a mesma, a cooperação internacional tem sido marcada pelo esquema de manipulação, interferência e desacato à soberania das nações que recebem os recursos, sendo o seu verdadeiro papel “promover bons negócios para a expansão do mercado” (ibid., p. 92). A autora salienta ainda que

o desequilíbrio entre os recursos outorgados como doações e empréstimos, no nível de juros cobrados, a sobrevalorização do custo dos serviços (assistência técnica) e materiais doados (ajuda em alimentos) e, principalmente, desvenda-se a forma como os recursos são orientados preferencialmente para manter o domínio econômico e a presença cultural da metrópole (ibid., p. 92).

Para Fonseca (1998), no caso Banco Mundial houve alterações do discurso ao longo dos anos. A partir de 70, segundo a autora, o Banco passa a produzir um discurso humanitário segundo princípios de sustentabilidade, de justiça e igualdade social. O combate à pobreza, com equidade na distribuição da renda e dos benefícios sociais; a eficiência das políticas públicas, por meio da competência operacional; a modernização administrativa, por meio de políticas descentralizantes, com maior autonomia da comunidade na condução dos serviços sociais; e o diálogo com os mutuários são estratégias que o Banco passa a defender para atingir tais princípios.

No entanto, segundo Fonseca (1998), apesar da retórica humanitária, o exame dos documentos do Banco mostra que existe uma contradição entre os discursos de alcance público e os teores dos documentos mais internos e de divulgação restrita que orientam as políticas de cooperação aos países. Essa consideração torna-se pertinente ao se analisar as diretrizes do Banco para a política econômica de países em desenvolvimento, pautada no ajuste estrutural que gera desigualdade e em políticas compensatórias de cunho social, com financiamentos de projetos de “alívio à pobreza”.

Para ilustrar a real estratégia do banco para o campo social, Fonseca (1998) faz uma reflexão sobre a substituição gradativa do termo igualdade pelo de equidade. Segundo a autora, no modelo neoliberal a equidade adquiriu a noção mais relacionada à capacidade

individual de agir diante das circunstâncias adversas, ou seja: à desigualdade seria o resultado dos efeitos naturais das circunstâncias em que os indivíduos estão inseridos. Desta forma, a garantia dos direitos sociais passaria pela ação individual, debilitando, assim, a ação do Estado como provedor de políticas que garantam a equidade.

Para Fonseca (1998), o ideário neoliberal não contempla a noção de igualdade, segundo a mesma

A equidade constitui um princípio, não para garantir a igualdade dos padrões de desenvolvimento, mas para assegurar um mínimo necessário para que os países possam inserir-se racionalmente no modelo global, sem ameaçar o equilíbrio do sistema (ibid., 1998, p. 12).

Para evidenciar essa estratégia de garantia do mínimo, a autora faz uma citação do então presidente do Banco Mundial, McNamara, ao apresentar os princípios que deveriam nortear ação nos países em desenvolvimento: “Todo o ser humano deve receber um mínimo de educação básica na medida em que os recursos financeiros o permitam e as prioridades do desenvolvimento o exijam” (McNAMARA apud FONSECA, 1998).

Segundo Fonseca, essa estratégia tinha o objetivo de reduzir as despesas públicas com a educação, restringindo-a a educação básica, e adaptar a expansão educacional à oferta real de emprego nos países em desenvolvimento. Ou seja, admite-se que o modelo não é capaz de gerar empregos para todos, principalmente os mais especializados, restando para os países em desenvolvimento o setor informal da economia, que não exige profissionais qualificados. Daí, as políticas e financiamentos voltados para projetos de educação básica para a pobreza (áreas rurais e periferias urbanas) e geração de renda (FONSECA, 1998).

No campo dos serviços públicos, George (1999) revela as estratégias dos organismos internacionais, principalmente o Banco Mundial e o FMI. Segundo o autor, para a

manutenção da ordem capitalista, uma das estratégias é a privatização completa dos serviços públicos, em particular os de saneamento. Para o Banco Mundial, é necessário que os governos

[...] coloquem em funcionamento um quadro legal e administrativo em que prestadores de serviços responsáveis (em geral do setor privado) sejam incitados a oferecer aos lares os serviços que eles querem e para aqueles que estejam dispostos

a pagar, compreendendo o abastecimento de água, a coleta das águas utilizadas e de lixo [...] (apud GEORGE, 2002, p. 151, grifo da autora).

George (2002), ao observar que os moradores das favelas urbanas não têm condições de pagar pelo preço real dos serviços, ainda mais se os mesmos forem submetidos à lógica do lucro, ressalta que ocorrerá o aumento da proliferação de doenças, o que, por outro lado, estimulará os negócios da indústria farmacêutica e o paradigma médico-assitencialista em face dos programas de assistência à saúde que, a cada dia, adotam a lógica privada da prestação dos serviços.