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Estratégias Colaborativas Interorganizacionais

2.2 ESTRATÉGIAS UTILIZADAS EM COMPRAS HOSPITALARES

2.2.4 Estratégias Colaborativas Interorganizacionais

As estratégias colaborativas interorganizacionais são formadas pelos grupos de compras, as compras baseadas em valor hospitalar, alianças com fornecedores, estoques administrados por fornecedores e afiliações a sistemas hospitalares.

a) Grupos de Compra

As alianças interorganizacionais são formadas buscando atingir benefícios, que não seriam viáveis de forma individual (OUMLIL; WILLIAMS, 2011).

Entre as alianças interorganizacionais, os grupos de compra são provedores de serviços que propiciam operações entre compradores e fornecedores, aumentando o poder de barganha dos primeiros e a quantidade vendida dos fornecedores (NOLLET; BEAULIEU; FABBE-COSTES, 2017).

Os grupos ou alianças de compras, conhecidos como group purchasing

organization (GPO), são sistemáticas de compras coletivas, onde empresas de um

mesmo segmento se unem a outras para comprar em maior volume, aumentando o poder de barganha e reduzindo os preços em função do volume comprado, gerando

economias de escala (BURNS; LEE, 2008; NYAGA; YOUNG; ZEPEDA, 2015). Em alguns casos, a redução média nos preços de compras dos itens, após implementação do GPO, chegou a 28% (GOBBI; HSUAN, 2015; SIGULEM; ZUCCHI, 2009).

Os GPO’s tanto são indicados para compra de commodities (SIGULEM; ZUCCHI, 2009), como também para itens sob monopólio de fornecedores (LIAO; CHEN, 2013), vistos que esses últimos têm demanda menor por hospital, mas que, no GPO, se consegue economia de escala, devido ao volume comprado.

Nos GPO’s, as características dos membros (porte, volume comprado, capacidade financeira), devem ser a mais homogênea possível, para evitar conflitos de interesses. Essas condições devem ser analisadas previamente, evitando objetivos conflitantes entre os membros e perda da autonomia de decisão (NOLLET; BEAULIEU, 2005).

O resultado esperado em uma aliança com GPO’s é a redução do custo total e o ganho de vantagens competitivas (OUMLIL; WILLIAMS, 2011). No entanto, não é consenso vantagens de sua utilização, havendo alguns contrapontos na literatura.

Nyaga, Young e Zepeda (2015) encontraram evidências que os GPO’s não impactam na eficiência da cadeia de suprimentos hospitalares. Esse fato pode ser explicado pelas taxas administrativas que os fornecedores pagam aos GPO’s, enviesando as ações que tendem a favorecer os grandes grupos, promovendo produtos em função das taxas recebidas dos fornecedores (MCKONE-SWEET; HAMILTON; WILLIS, 2005). Além disso, ao participar de um GPO, o hospital terá mais uma gama de atores envolvidos nas decisões de compras, ou seja, todos os demais hospitais que também fazem parte do mesmo GPO, para negociar e defender seus interesses, que podem ser conflitantes com alguns de seus membros (NOLLET; BEAULIEU, 2005).

A interdependência também está presente nas relações entre GPO, hospitais e compradores. Os GPO’s precisam de dados como volume da demanda, especificação de cada item, sendo fornecidas por todos os hospitais membros. Compradores, por sua vez, precisam do valor do item/por volume para decidir a quantidade a ser comprada, em função do preço negociado. Chegar a um consenso

de qual fornecedor se vai comprar é um ponto de conflito, visto que nem sempre hospitais e médicos têm as mesmas preferências (NOLLET; BEAULIEU; FABBE- COSTES, 2017).

Outras reclamações acerca da operação do GPO incluem o tempo de resposta, que, geralmente, é bem maior que o das consultas diretas do comprador hospitalar aos fornecedores; outro fato é que muitos itens, de interesse do hospital, não são negociados pelo GPO (NOLLET; BEAULIEU; FABBE-COSTES, 2017).

b) Compras Baseada em Valor Hospitalar

Outra estratégia colaborativa interorganizacional é o programa de incentivos a redução de custos hospitalares e a melhoria do serviço prestado ao paciente, conhecido por compras baseada em valor hospitalar. O programa visa reduzir a variação de itens, de procedimentos e de níveis de qualidade nos resultados dos serviços de saúde (SRINIVASAN; DESAI, 2017). Essas variações impactam, diretamente, nos custos hospitalares, nos erros operacionais e em retrabalhos, que têm custado a saúde de paciente (SRINIVASAN; DESAI, 2017).

A estratégia de compras baseadas em valor hospitalar, também conhecida como modelo de colaboração de ganhos, tem sido adotada como forma de alinhar os médicos, com o objetivo organizacional de redução dos custos hospitalares (BURNS et al., 2018; MONTGOMERY; SCHNELLER, 2007). O fato é que o programa mudou o paradigma das compras baseadas em volume para compras baseadas em qualidade e valor (NORTON et al., 2018).

O Medicare - a maior seguradora e pagadora dos serviços de saúde nos Estados Unidos - aderiu ao programa e criou uma série de indicadores de desempenho, para medir a qualidade do serviço prestado. Cada hospital participante tem seu bônus ou ônus financeiro, medidos em função dos resultados por paciente, nos seguintes indicadores de desempenho: cuidados clínicos (medidos em relação aos procedimentos e aos resultados), redução de custos x eficiência, segurança e experiência do paciente. O resultado do desempenho hospitalar do ano anterior,

reflete no montante financeiro que o hospital receberá no ano seguinte (CARVER; PARSONS, 2012; NORTON et al., 2018).

O programa de compras baseada no valor hospitalar requer uma mudança comportamental em toda a cadeia de suprimentos, visto que apesar dos incentivos e penalidades serem aplicadas aos hospitais, prestadores de serviço, fornecedores e principalmente pacientes, são diretamente afetados (NORTON et al., 2018; SRINIVASAN; DESAI, 2017), necessitando para seu sucesso, de maior integração não só desses atores, mas também da família do paciente (CARVER; PARSONS, 2012).

No contexto internacional, os pagadores estão, cada vez mais, aderindo a critérios qualitativos, que medem a qualidade do serviço prestado e a real preocupação em cadeia, pela redução dos custos nos serviços de saúde. O programa de compras baseada em valor hospitalar, implementado nos Estados Unidos, a cada ano tem aumentado o percentual de hospitais e serviços pagos, por meio dessa diretriz (PROVINES, 2010; SRINIVASAN; MPH, 2017).

O programa de compras baseado em valor configura uma tendência futura e aponta para a necessidade de mudanças efetivas na cadeia de suprimentos, requerendo um trabalho integrado de compradores, fornecedores, equipe de saúde e hospitais. De igual modo, essa integração precisa ter, como aliada, informações confiáveis, em tempo real e ferramentas de gestão, que possibilitem a tomada de decisão mais assertiva (CARVER; PARSONS, 2012).

c) Alianças com Fornecedores

O contexto hospitalar ainda tem dificuldades na implementação de estratégias integradas na gestão de compras que exijam uma maior participação de todos os atores da cadeia (FORD; SCANLON, 2007).

Alianças com fornecedores são práticas usuais na busca da redução de custos e melhoria da qualidade do serviço de saúde. No entanto, precisam ser avaliadas em função da característica do mercado de fornecimento do item, visto que o desenvolvimento de parcerias implica custos, dedicação de tempo para se chegar no alinhamento necessário e riscos durante sua operacionalização, não sendo

aconselhada para todo tipo de fornecimento (BENSAOU, 1999; PAGELL; WU; WASSERMAN, 2010).

Algumas práticas auxiliam no processo de colaboração entre compradores e fornecedores: preços fixos para determinados itens; custos/recompensas compartilhadas, gerando uma corresponsabilização; pagamento por pacotes de itens/serviços vendidos, em que se tem uma redução percentual no preço, à medida que o mix/volume de compra aumenta (HEGWER, 2013).

d) Estoque Administrado pelo Fornecedor

Os sistemas atuam como novos atores no processo de compra, modificando relações que, historicamente, eram exercidas por meio de venda direta externa, em que o fornecedor ora se relacionava com os compradores, ora com os médicos, por meio dos seus representantes (KLEIN, 2012).

Os sistemas atuam como auxiliares no processo de redução de custos com a força de venda externa, e, em casos de maior investimento e cooperação, os fornecedores passam a atuar no gerenciamento dos estoques das empresas compradoras, de seus itens fornecidos por meio dos sistemas VMI (vendor

management inventory). Nesse caso, o VMI apresenta-se como estratégia tecnológica

e, ao mesmo tempo, colaborativa.

O sistema VMI é um sistema que possibilita que o fornecedor visualize, em tempo real, o consumo e níveis de estoque. As ordens de compra são geradas, automaticamente, com base em uma de definição prévia de ponto de pedido (HAAVIK, 2000).

A implementação do sistema VMI requer, além de confiança na capacidade de gerenciamento e entrega do fornecedor, condição financeira e de capacidade de TI para tal (HAAVIK, 2000). Sua utilização gera reduções de custos hospitalares com armazenagem e custos operacionais com compras (BUDGETT; GOPALAKRISHNAN; SCHNELLER, 2017).

e) Afiliação a Sistemas Hospitalares

A associação entre hospitais também tem sido utilizada por gestores como forma de fortalecer, estrategicamente o grupo. Com atuação multidisciplinar, os hospitais filiados buscam melhorias nos serviços prestados, em um melhor desempenho financeiro, e melhor gerenciamento dos seus processos (NYAGA; YOUNG; ZEPEDA, 2015).

No Brasil, têm-se dois grupos que sobressaem: a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

No Brasil, nos 101 hospitais privados credenciados da ANAHP, os custos somados de medicamentos e OPME, representam 18,5% dos custos totais destes hospitais em 2017 (ANAPH, 2018).

Segundo o observatório anual da ANAHP, um tema central, nos eventos do ano de 2018, será o combate ao desperdício em saúde. A associação trata como desperdício, inclusive compras indevidas, ou gastos a mais, quando poderiam ser substituídos por procedimentos ou itens de menor custo e qualidade equivalente, demonstrando o impacto da gestão de compras nesse quesito (ANAHP, 2018).

Enquanto a ANAHP tem, como foco hospitais privados, a rede EBSERH tem, como foco, hospitais vinculados a universidades federais. Como parte do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), a EBSERH foi fundada em 2011, vinculada ao ministério da educação, com foco na recuperação dos hospitais vinculados. Atua na gestão estratégica dos 40 hospitais vinculados, buscando o desenvolvimento tecnológico e de gestão dos seus afiliados, enquanto centros de formação de profissionais da saúde e prestação de assistência à saúde da população (EBSERH, 2018). A Figura 3 ilustra a distribuição dos 40 hospitais universitários, credenciados pela EBSERH.

Figura 3 - Hospitais Credenciados pela Rede EBSERH

Fonte: EBSERH, 2018

O Quadro 3 apresenta um resumo desta seção, apontando as estratégias utilizadas por hospitais e compradores no processo de compras hospitalares, o objetivo de cada estratégia e sua classificação.

Quadro 3 - Estratégias Utilizadas no Processo de Compras Hospitalares

Estratégias Objetivo Autor/ano

T ec n o lóg ica d e S u p o rt e Sistemas de informação

Controlar estoques, gastos, preços e volumes comprados; reduzir tempos nos processos de compras (cotação, comparação de preços).

Budgett, Gopalakrishnan e Schneller (2017); Naranjo-Gil e Ruiz-Muñoz (2015); Rossi, Fort e Karolys (2002)

Portais de compras

Reduzir tempos de cotação; dar mais transparência ao processo de compras; reduzir a dependência da falta de informação; maior gestão sobre custos.

Buzzo (2015); Rodrigues e Sousa (2015); Sigulem e Zucchi (2009) G es tão d e S u p rim ent o Seleção de fornecedores

Selecionar, entre os fornecedores disponíveis no mercado, aqueles que melhor atendem às necessidades hospitalar.

Benyoucef e Canbolat (2007); Karsak e Dursun (2014, 2015) Gestão de

fornecedores Acompanhar o do desempenho de fornecedores.

Mettler (2013); Mettler e Rohner (2009)

Limitação do preço de compra

Limitar o preço máximo para um

determinado item Hesping e Schiele (2015) Consolidação do

volume comprado

Agrupar volumes maiores de compra de um item, visando a economia de escala.

Hesping e Schiele (2015, 2016); Karsak e Dursun (2014); Nyaga, Young e Zepeda (2015) Co labo rativ a Int raorgan iz a cio n al Comitês de equivalência

Identificar, entre os itens de diferentes fornecedores, aqueles que são equivalentes em relação à eficiência e à segurança para o paciente, aumentando a possibilidade de compras. Budgett, Gopalakrishnan e Schneller (2017); Buzzo (2015); Hoeksema (2010); Naranjo-Gil e Ruiz-Muñoz (2015) Co labo rativ a Int e ro rg aniz ac ion al Estoque administrado pelo fornecedor

Reduzir custos de armazenagem e

rupturas de estoque. Montgomery e Schneller (2007)

Grupos de compras

Formar grupos para centralizar as compras, aumentando o volume comprado e, consequentemente, reduzir o custo, por meio de economia de escala.

Burns e Lee (2008); Callea et al. (2017); Gobbi e Hsuan (2015); Nollet e Beaulieu (2005); Nyaga, Young e Zepeda (2015)

Compras baseada em valor hospitalar

Reduzir os custos hospitalares e melhorar o serviço prestado ao paciente. O pagamento do serviço ao hospital é em função de alcance de metas em indicadores de desempenho, que medem a qualidade dos resultados e redução dos custos.

Carver e Parsons (2012); Norton et al. (2017); Srinivasan e Desai (2017)

Alianças com fornecedores

Garantir fornecimento de itens a preços mais competitivos e evitar rupturas de estoque.

Burns e Lee (2008) Afiliação a

sistemas hospitalares

Fortalecer estrategicamente um grupo de hospitais, por meio da associação entre esses.

Nyaga, Young e Zepeda (2015) Fonte: Elaboração própria, 2019

Existem divergências quanto à eficiência de cada estratégia para diferentes categorias de itens. A exemplo, Kastanioti et. al. (2013) consideram a prática de grupo de compras relevante para a redução dos custos com OPME. Já Burns e Lee (2008) e Callea et al. (2017) afirmam que ela funciona melhor para redução de custos de

commodities hospitalares, não tendo os mesmos resultados para as OPME.

Essas divergências demonstram que não existe uma única modelagem operacional para se alcançar eficiência na gestão de compras hospitalares; ao contrário, é preciso identificar as práticas que melhor se ajustem as particularidades das categorias de itens com que se trabalha, para, posteriormente identificar as estratégias de compras adequadas a cada uma delas.

A próxima seção trata de modelos de portfólio de compras presentes na literatura.