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Estratégias para a qualificação da atenção em saúde mental na Atenção Básica: uma urgência para a territorialização do cuidado

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 124-133)

CAPÍTULO 2 – Conquistas e desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira

2.3. Para fazer avançar a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial: denunciando algumas fragilidades da política de saúde mental no Brasil

2.3.2. Estratégias para a qualificação da atenção em saúde mental na Atenção Básica: uma urgência para a territorialização do cuidado

Uma breve imersão nessa temática requer, inicialmente, uma visita aos pontos de tensão e de fragilidade da Atenção Básica. Cecilio (2012), ao levantar questões para o debate sobre práticas inovadoras para o SUS atual, apresenta o problema da Atenção Básica desde um ponto de partida: a rede básica está sendo operada, segundo o autor, de modo bastante distante de tudo aquilo que tem sido proposto e investido para que ela pudesse se transformar na porta de entrada do SUS, tal como idealizamos:

Uma ampla rede de serviços, próxima dos usuários, de acesso universal, resolutiva, produtora de um cuidado integral, promovedora de cidadania e consciência sanitária. Uma rede de serviços que, funcionando a pleno vapor e do modo como o movimento sanitário há anos prescreve, esvaziaria os prontos-socorros, reduziria drasticamente a demanda por atendimentos com especialistas e a realização de tantos e tantos procedimentos laboratoriais considerados desnecessários. Por isso, uma melhor compreensão da dinâmica real de funcionamento da rede básica, para além das nossas formulações idealizadas, das nossas propostas de tantos anos, de nossos “mantras” e de nossas certezas, se impõe (CECILIO, 2012, p. 283).

O autor nos convida a avançar na compreensão da rede real, que tal como produzida por trabalhadores, gerentes e usuários, constrói muitas coisas boas, mas afasta-se de muitos princípios e diretrizes que correspondem à idealização da Atenção Básica. Destaca como elementos responsáveis pela distância entre o que encontramos na realidade da Atenção Básica e seu projeto ideal, a difícil fixação do profissional médico e a sua não adesão ao projeto do SUS; a defasagem entre a oferta de serviços e a demanda da população e dos territórios, que parece sempre muito maior do que a amplitude de serviços que ofertamos; a impotência sentida pelos trabalhadores diante da percepção desta demanda como interminável, produzindo frustração e sofrimento inclusive entre aqueles alinhados com o SUS; o modo como, na prática, dispositivos elaborados para melhorar a qualidade do atendimento são absolutamente deformados ou transformados em produtores de efeitos contrários à sua finalidade original e não menos importante, a impotência das equipes de saúde diante dos problemas sociais que batem às portas dos serviços e invadem suas agendas, dada a realidade da situação de pobreza e miséria existente no Brasil, já debatida anteriormente.

Lançado como um problema, o panorama serve para minimamente contextualizar os desafios que encontramos na Atenção Básica e que faz especialmente dura e complexa a gestão do cuidado em saúde mental nesse âmbito da atenção em saúde. Se no interior dos CAPS as impossibilidades que se apresentam para a produção de cidadania e garantia das mínimas condições para a saúde mental da população parecem uma barreira intransponível, ali onde encontramos os usuários nas suas condições reais de moradia, nas suas inscrições familiares, diante das características objetivas de seus territórios, a realidade que se impõe para grande parte da população brasileira para a garantia da saúde e de uma vida digna aparece de forma muito mais contundente.

Na Atenção Básica, lidamos diretamente com questões como as altas taxas de homicídio que atingem a população, sobretudo jovem e negra do território, as situações de violência, as demandas de diagnóstico e medicalização como resposta a situações de fracasso escolar, a relação da população com as drogas ilícitas e com o circuito do tráfico, as condições aviltantes e adoecedoras de trabalho, dentre outras. Nesse cenário, vemos hoje se reproduzirem concepções que, refletindo o fortalecimento das posições conservadoras presentes em nossa sociedade, sobre o

que discorremos anteriormente, contrariam em absoluto as diretrizes do SUS e de muitas de suas políticas.

Ou seja, os desafios diante dos quais nos encontramos para fazer avançar a Atenção Básica e seu papel estratégico para a territorialização das ações em saúde mental são especialmente complexos e importantes. Embora reconhecido como o nível de atenção a demandas de saúde de menor complexidade, a organização do Sistema de Saúde a partir da Atenção Básica lhe impõe, diante das condições de nossos territórios e de nossa política de saúde, uma complexidade inquestionável. Consolidados pela Portaria N. 2488/2011, que aprova a Política Nacional de Atenção

Básica, os princípios e diretrizes da Atenção Básica lhe atribuem a responsabilidade

pelo planejamento, programação descentralizada e desenvolvimento das ações setoriais e intersetoriais relativas aos condicionantes e determinantes da saúde da população adstrita em seu território; pelo acesso universal e contínuo da população aos serviços de saúde, constituindo-se como porta de entrada preferencial da rede de atenção, a qual deve primar pelo acolhimento e vinculação do usuário à rede e, portanto, à resolutividade das respostas ofertadas; pela continuidade e longitudinalidade do cuidado, a partir da vinculação e referência dos usuários às equipes; pela coordenação da integralidade das ações de saúde, envolvendo a promoção, prevenção, vigilância, tratamento e reabilitação e as diversas tecnologias de cuidado; finalmente, pelo estímulo à participação dos usuários como forma de ampliação de sua autonomia e protagonismo, assim como de sua comunidade, em relação aos condicionantes, determinantes e à organização de serviços de saúde de seu território. A Política Nacional preconiza ainda como estratégia prioritária da Atenção Básica a Saúde da Família.

Cabe a este nível de atenção, ao acompanhar no território a população atendida, coordenar e organizar as ações de saúde desenvolvidas para essa população diante de suas demandas de forma longitudinal. Nesse sentido, entendemos que deve a Atenção Básica desempenhar um papel estratégico na atenção em saúde mental. Se ao CAPS essa dimensão estratégica é conferida pela possibilidade de cuidar dos casos graves e das situações de crise recusando a internação nos hospitais psiquiátricos, à Atenção Básica o caráter estratégico é conferido na possibilidade de, efetivamente, articular as ações considerando o princípio da integralidade: as demandas de saúde do sujeito, de sua família, de sua

comunidade, suas condições de vida, suas formas de ocupação, participação e circulação no território.

Dito de outro modo, se objetivamos com a Reforma Psiquiátrica produzir transformação na vida das pessoas e na relação da sociedade com a loucura, as equipes da Atenção Básica estão efetivamente mais próximas de onde essa vida acontece e de onde esse encontro se realiza. Não obstante, estão elas muitas vezes mais distantes das demandas e dos cuidados de saúde mental ofertados para a população e tomadas por muitas dificuldades para poder conduzi-los.

Um dos determinantes dessas dificuldades reside no fato de que, em relação à saúde mental, as intervenções mais complexas são aquelas realizadas no território. Mais complexo que lidar com o sujeito no momento da internação, é lidar com ele no encontro cotidiano com tudo aquilo que lhe impõe dificuldades, sofrimento, rupturas. As ações em saúde mental a serem produzidas no território são absolutamente complexas, em função das intervenções relativas aos laços familiares e comunitários, aos projetos possíveis de trabalho, à produção de novas formas de habitar, dentre outras. Ao lado disso, devemos ainda reconhecer que muitas vezes os casos mais graves de saúde mental são aqueles que sequer chegam aos serviços especializados, que estão trancados dentro das casas, que circulam pelas ruas da cidade, que recusam a intervenção circunscrita ao interior dos serviços e seus contratos. A pirâmide da saúde mental, nesse sentido, é inversa. Conectar os recursos da comunidade e se deparar com as fragilidades e a fragmentação das ações de diversas políticas públicas no território representa ações de complexidade muito maior do que as circunscritas ao momento da internação. E são ainda essas ações territoriais que demonstram maior potencialidade terapêutica e de acesso a direitos.

Assim, a atenção à saúde mental se impõe à Atenção Básica como uma exigência e parece uma dívida histórica da Reforma Psiquiátrica o aprofundamento desse debate e a qualificação de estratégias para subsidiar esse campo de intervenção. Segundo Onocko Campos et al (2011), estudos indicam que no Brasil as demandas de saúde mental estão entre as causas mais frequentes de procura por atendimento na Atenção Básica. Urge a qualificação das equipes para a atenção em saúde mental desde uma perspectiva afinada com o paradigma antimanicomial e o enfretamento dos demais pontos críticos relacionados à fragilidade com que tem

sido possível atuar efetivamente pelos territórios na produção de novos itinerários e novas formas de pertencimento da loucura à cidade.

Acerca desses pontos, a análise de Cunha e Campos (2011) sobre os problemas relativos à dimensão gerencial e organizacional que contribuem para o desalinhamento entre o funcionamento do SUS e suas diretrizes, aponta para a fragilidade do modo como a Atenção Básica assume a responsabilidade global e intransferível pelo usuário, contribuindo para a fragmentação da atenção. Ao lado desse problema, para os autores, a valorização social e organizacional diferenciada em relação aos saberes profissionais e serviços complementares, que operam inclusive pelo investimento financeiro neles empregados, dificulta a efetivação do trabalho integrado da rede e multiprofissional da equipe, o que é bastante relevante e cotidianamente observado, por exemplo, na relação entre as equipes dos CAPS e as equipes da Atenção Básica.

Diante dessa realidade, a proposta de Equipe de Referência e Apoio Matricial apresenta-se como uma estratégia comprometida com a resolutividade das ações da Atenção Básica e representa a principal resposta disponível atualmente ao desafio da qualificação das ações em saúde mental nesse nível da atenção em saúde. Segundo Campos (1999), a constituição de equipes de referência com apoio especializado matricial refere-se a um arranjo organizacional para o trabalho em saúde. Por meio dela, as equipes especializadas ofertam serviços e estratégias de apoio matricial às equipes de referência, garantindo retaguarda, suporte técnico- pedagógico, vínculo interpessoal e apoio institucional no processo de construção coletiva de projetos terapêuticos que atendam às necessidades da população, nos quais podem atuar ativamente (CHIAVERINI et al, 2011). Com o apoio e a retaguarda de equipes especializadas, busca-se atuar em relação à fragmentação das ações da rede, favorecendo a sua articulação e a continuidade do cuidado.

Quando um paciente se utiliza de um serviço matricial, ele nunca deixa de ser cliente da equipe de referência. Neste sentido, não há encaminhamento, mas desenho de projetos terapêuticos que não são executados apenas pela equipe de referência, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores. De qualquer forma, a responsabilidade principal pela condução do caso continua com a equipe de referência (CAMPOS, 1999, p. 396).

A implementação dessa estratégia tem representado a grande aposta no âmbito do planejamento e da gestão da política pública de saúde e saúde mental

para nortear o processo de integração da saúde mental à Atenção Básica. Ela opera, sobretudo, pelo apoio matricial especializado das equipes de CAPS às equipes de referência da ESF, assim como pelo trabalho das equipes de NASF, que não é, no entanto, especificamente direcionado para as demandas de saúde mental. Há uma infinidade de pesquisas que se debruçam sobre a análise dos efeitos dessa estratégia para a qualificação da atenção à saúde mental na Atenção Básica9. Seus resultados indicam situações muito variadas que, sem dúvida, tem relação com características do território, dos processos de implantação do SUS, das especificidades adotadas em cada localidade para a implantação da estratégia.

Como exemplo, podemos citar pesquisa realizada em uma comunidade no município do Rio de Janeiro, na qual Minozzo e Costa (2013) buscaram avaliar a implantação de apoio matricial entre CAPS III e ESF. Considerando a saúde mental como área a ser fortalecida no processo de trabalho na Atenção Básica, os autores destacam dificuldades das equipes da ESF na abordagem de casos de saúde mental, relacionadas a temores, angústias e preconceitos resultantes de fragilidades na formação e falta de capacitação para atuar diante das demandas. Destacam ainda as dificuldades no processo de trabalho da ESF para a implantação do apoio matricial em saúde mental, que passa, por exemplo, pela necessidade de alcance de metas no cotidiano do serviço. Apontam que é preciso garantir continuidade de encontros, que também se mostrou um desafio para o fortalecimento da estratégia de apoio matricial.

Outra pesquisa realizada em municípios do Ceará (PINTO et al, 2012) identificou que o apoio matricial em saúde mental permitiu práticas inovadoras e focos de atenção multidisciplinar. Reconhecem os autores o papel da UBS como referência na trilha percorrida pelo usuário para a resolução de problemas de ordem subjetiva e social. “No entanto, as condições sociais, econômicas e culturais e o atrelamento a práticas medicamentalizadas reduzem a interlocução intersetorial e comunitária essencial para a atenção psicossocial” (PINTO et al, 2012, p. 659). Diante disso, destacam como o apoio matricial contribuiu para a melhoria da articulação entre serviços na relação entre CAPS e Unidades de Saúde da Família.

9 BEZERRA e DIMENSTEIN, 2008; DIMENSTEIN et al, 2009; FIGUEIREDO e ONOCKO CAMPOS,

2009; BALLARIN, BLANES e FERIGATO, 2012; MORAIS e TANAKA, 2012; ONOCKO CAMPOS et al, 2012; PINTO et al, 2012; BONFIM et al, 2013; MINOZZO e COSTA, 2013/2013a; PRATES, GARCIA e MORENO, 2013; QUINDERÉ et al, 2013; HIRDES e SILVA, 2014; PEGORARO, CASSIMIRO e LEÃO, 2014; HIRDES, 2015.

Nos territórios que percorremos no município de São Paulo através da experiência do Pró-PET-Saúde, encontramos um importante investimento para a efetivação da estratégia de apoio matricial. Esta ocorreu por meio das equipes de NASF, fortemente marcadas pela presença de profissionais ligados à área de saúde mental, assim como pela organização de ações orientadas para o apoio matricial entre os três CAPS existentes no território e as equipes de ESF que atuam nas UBSs.

Em recente pesquisa realizada no território, Almeida (2015) destaca uma mudança de lógica na atuação dos CAPS, que refletindo a Portaria N. 3088/2011, que institui a RAPS, passa de coordenador dos cuidados em Saúde Mental para um dos pontos de atenção, que deve funcionar de forma articulada com os demais, dentre eles as UBS. Reconhece o trânsito desses CAPS pelas equipes da Atenção Básica.

Nessa perspectiva, há uma tensão entre se fortalecer a corresponsabilização no cuidado em oposição a lógica de encaminhamentos. Conforme apontado nos resultados, o aumento dos espaços coletivos, das discussões de casos, da construção coletiva de projetos terapêuticos, apesar das adversidades e necessidades de alinhamentos, favorece o cuidado implicado e a clínica ampliada. Não que estejam extintos os encaminhamentos automáticos, mas nota-se que em grande parte das situações opta-se pela discussão, por um contato com o CAPS e dos CAPS com as UBS, o que dialoga diretamente com os pressupostos do Método Paideia (ALMEIDA, 2015, p. 81).

Essa experiência parece refletir muitas outras, no que diz respeito à convivência de momentos e possibilidades exitosas com muitas dificuldades, resistências e fragilidades. Dentre elas, vemos ecoar também nesse território, como em muitos outros, a reprodução da cultura de hierarquização dos saberes e das equipes, que obstaculariza a integração entre os profissionais que atuam na referência dos casos e aqueles que operam o apoio matricial. Ao lado disso, assistimos, sem dúvida, a impotência diante da infinidade de demandas recebidas e as impossibilidades para, diante delas, garantir o cuidado e o acompanhamento longitudinal dos casos. As condições precárias de vida da população, a pobreza de recursos do território, somado ao desconhecimento de grande parte dos recursos existentes, agravam essa situação. Finalmente, observam-se importantes embates e disputas em relação aos modelos de cuidado e atenção em saúde e saúde mental ainda a serem superados. Todos esses elementos, ao lado de muitos outros,

atravessam a implantação das estratégias de apoio matricial, que não operam isentas de fragilidades, contratempos, sofrimento e precariedade, comprometendo a qualidade da atenção à saúde mental na Atenção Básica.

Descentralizar a Saúde Mental para os territórios foi uma conquista cara à Reforma Psiquiátrica e consideramos necessário aprimorar esse modelo, vinculando cada vez mais a assistência com a análise e utilização do território e da rede social, a fim de desenvolver uma clínica implicada com a constituição de sujeitos mais saudáveis em sua afetividade e em suas relações sociais, e mais potentes para transformar a realidade. Ainda, consideramos essa tensão estabelecida entre os profissionais de Saúde Mental e as equipes de referência como uma força saudável, capaz de desestabilizar o instituído e pôr a prática em movimento em torno das reflexões nascidas da fertilidade desse encontro (FIGUEIREDO e ONOCKO CAMPOS, 2009, p. 136).

Diante desses muitos fragmentos, que revelam, guardadas as devidas especificidades, a realidade da implantação da descentralização do cuidado em saúde mental por meio da atuação estratégica da Atenção Básica, salta aos olhos a preocupação relativa à sua qualidade e aos desafios que temos pela frente para avançar em relação a essa dimensão da assistência.

Estudo avaliativo realizado no município de Campinas por Onocko Campos et

al (2011) acerca da saúde mental na Atenção Primária à saúde destaca alguns

aspectos importantes à nossa análise. O primeiro deles refere-se ao caráter intenso e diversificado dessa demanda, que ao produzir angústia, questiona as abordagens clínicas tradicionais operadas pelos procedimentos mecanizados de queixa-conduta, que não resultam resolutivos diante das demandas de saúde mental. Outro aspecto relevante destacado pela pesquisa é o caráter complexo da demanda, claramente atravessada pelas condições precárias e pela vulnerabilidade social presentes nos territórios.

Diante dessa realidade, ressaltam a necessidade de formação e apoio continuado a essas equipes e reconhecem a importância de articulação da rede de serviços. Em relação a isso, destacam diferentes configurações no que diz respeito à possibilidade de corresponsabilização entre CAPS e UBS na condução dos casos, com frágil integração entre os serviços substitutivos especializados de saúde mental e a Atenção Básica, do que resulta que muitos usuários ficam destituídos de um serviço de referência em meio às questões institucionais que operam na rede.

Apesar das diferenças observadas entre a história de implementação do SUS em Campinas e no município de São Paulo, a pesquisa destaca como um dos determinantes dessa fragilidade algo que muito se assemelha à condição da cidade de São Paulo: uma alta rotatividade de profissionais, resultante de formas de contratação operadas por instituições parceiras como consequência da forte tendência de flexibilização das relações trabalhistas na área pública no Brasil. Como consequência desses processos, observa-se o desejo das equipes da Atenção Básica delegarem aos especialistas, profissionais da saúde mental, os casos de saúde mental, assim como o contrário, sobretudo quando se trata de casos leves. A consequência recai sobre o próprio usuário, que não identifica seu lugar na rede, e o arranjo do apoio matricial, quando bem realizado, mostra-se um dispositivo importante para superar essas dificuldades.

A correta implantação desse arranjo aparece, em nosso estudo, como um potencial interessante a ser explorado no contexto brasileiro para se conseguir uma verdadeira inclusão da assistência à saúde mental na atenção primária. Identificou-se que a presença de arranjos e dispositivos como: adscrição de usuários, reunião de equipe sistemática, elaboração de projetos terapêuticos, discussão coletiva de casos clínicos e atividades grupais minimizam a fragmentação do cuidado (ONOCKO CAMPOS et al, 2011, p. 4649).

Outro resultado relevante da pesquisa diz respeito à prescrição de psicotrópicos como resposta à demanda de saúde mental na atenção primária. Esse uso costuma se estender por longos períodos, com reavaliações esparsas e ausência de outras ofertas terapêuticas. A impotência diante da vulnerabilidade social produz uma medicalização dos sintomas. Diante dessa realidade, ao lado da indicação da qualificação e fortalecimento do apoio matricial como uma necessidade da rede, os autores destacam a urgência de uma articulação efetiva de políticas intersetoriais no território, capazes de fazer frente ao impacto dos determinantes sociais no processo de adoecimento e no sofrimento psíquico apresentado pela população.

2.3.3. A importância das políticas sociais de garantia de direitos para a

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