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O papel dos CAPS na Reforma Psiquiátrica brasileira

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 112-124)

CAPÍTULO 2 – Conquistas e desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira

2.3. Para fazer avançar a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial: denunciando algumas fragilidades da política de saúde mental no Brasil

2.3.1. O papel dos CAPS na Reforma Psiquiátrica brasileira

A análise dos balanços oferecidos pelo Ministério da Saúde acerca da política de saúde mental, assim como ações diversas promovidas historicamente por essa instância, evidencia a escolha desse dispositivo como estratégico para a possibilidade de organização e sustentação de uma rede substitutiva de saúde mental. Evidentemente, essa escolha tem suas razões. Os CAPS têm se constituído como serviços que podem atuar de forma substitutiva às internações psiquiátricas, na medida em que oferecem a possibilidade de atenção à crise. Contudo, além disso, constituem-se como espaços de convivência e de criação de redes de relações que possam se alargar para além das instituições, atingindo o território da vida cotidiana dos usuários (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

São instituições destinadas a acolher pessoas com sofrimento psíquico grave e persistente, estimulando sua integração social e familiar, apoiando-os em suas iniciativas de busca da autonomia. Apresentam como característica principal a busca da integração dos usuários a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu território, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares, promovendo sua reabilitação psicossocial. Têm como preceito fundamental ajudar o usuário a recuperar os espaços não protegidos, mas socialmente passíveis à produção de sentidos novos, substituindo as relações tutelares pelas relações contratuais, especialmente em aspectos relativos à moradia, ao trabalho, à família e à criatividade (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 28).

Muito se tem debatido, entretanto, sobre o modo como a implementação da nossa política, ao centralizar o papel do CAPS na rede, fez uma opção por uma modalidade de serviço, precarizando o investimento em outros de seus componentes, essenciais para o fortalecimento da perspectiva da territorialidade e da participação social.

Amarante (2003a) alerta para o risco de um processo de capsização da reforma psiquiátrica, ao mesmo tempo em que denuncia o risco de inampsização dos próprios CAPS, que ao serem submetidos à lógica de remuneração por procedimentos, podem perder o potencial inovador e revolucionário como serviços de atenção psicossocial. Para ele, a política nacional de saúde mental se apresenta reduzida à implantação de CAPS e, ao apontar esse alerta, o autor contrapõe a simples reformulação técnico-assistencial ao processo social complexo que deveria caracterizar a Reforma Psiquiátrica.

Alguns exemplos são contundentes no que diz respeito à centralização da construção da rede substitutiva nos CAPS como escolha da política implementada. Um deles se refere ao fato de permanecer, ainda hoje, sem reconhecimento e financiamento nacional os CECCOs, que em alguns municípios são implementados como Centros de Convivência ou Centros de Convivência e Cultura. Dispositivos essenciais para potencializar intervenções no campo da cultura, da convivência, pluralizando o encontro das pessoas com transtornos mentais graves com outros segmentos da população e instituindo espaços em que a produção de arte, cultura e lazer não estão atravessados pela lógica do tratamento, mas operam efetivamente como dispositivos dotados de valor social e cultural, conforme preconizava Rotelli (1989/1994).

Não há dúvidas de que a necessidade de concentrar no CAPS as possibilidades de experiências de geração de trabalho, de acesso à cultura, de promoção de convivência termina por restringir invenções que deveriam operar como complexas intervenções sociais ao seu caráter terapêutico e à sua dimensão sanitária.

Nesse sentido, dispositivos como os Centros de Convivência desempenham papel estratégico na rede, mas permaneceram, contudo, desinvestidos pela política nacional de saúde mental. A IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial, última Conferência da área realizada em 2010, deliberou pela criação de CECCOs, através do financiamento da infraestrutura e dos recursos humanos e materiais necessários ao pleno funcionamento das oficinas. Previu ainda:

Regulamentar, nos níveis municipal, estadual e nacional, os Centros de Convivência e Cooperativa (CECCOs) como serviços da rede substitutiva em Saúde Mental, na perspectiva do trabalho centrado na heterogeneidade, na intersetorialidade e economia solidária, garantindo assim recursos públicos (financeiro, material e humano) para o pleno funcionamento das unidades já existentes e outras a serem implantadas de acordo com índices de saúde e de vulnerabilidade social (BRASIL, 2010, p. 25).

Deliberações não cumpridas, esses serviços, quando existentes, seguem sustentados pelo investimento municipal, muitos deles atuando em condições precárias, no que pese a potência de suas intervenções na rede e na oferta de respostas e de possibilidades de novos itinerários, novos laços, novos espaços de convivência e pertencimento para muitos usuários. O município de São Paulo, por exemplo, conta hoje com 28 CECCOs cadastrados, sendo que 7 deles estão em implementação e foram abertos pela gestão 2013-2016. Efetivamente a cidade teve, durante anos, 21 CECCOs, 18 deles criados na gestão municipal 1989-1992. A questão do financiamento é relevante para as suas condições de sustentabilidade e funcionamento, que tem sido assegurada pela militância de trabalhadores, muitos deles com trajetória histórica na rede de saúde mental e que permanecem como servidores públicos que não se submeteram aos contratos das OSS em outros pontos da rede.

Ao lado dos CECCOs, outro investimento fundamental para potencializar o caráter de intervenção social da Reforma Psiquiátrica concentra-se nas ações de saúde mental na Atenção Básica. Se considerarmos que a grande finalidade da rede substitutiva é ofertar cuidados a partir da lógica do território, impulsionando possibilidades de pertencimento e de participação do usuário na comunidade, o trabalho dos CAPS deve estar todo o tempo referido ao território e os projetos terapêuticos devem estar direcionados à vida concreta do sujeito, aquela constituída por seus laços sociais, por seus espaços de circulação e habitação. Nesse sentido, a atuação da Atenção Básica é fundamental e absolutamente estratégica, pois ali a rede de saúde encontra o sujeito em seu cotidiano. O usuário do CAPS jamais deixa de ser do seu território, ao contrário, e nesse sentido ele é durante todo o tempo usuário também da Atenção Básica.

Apesar dessa clareza, é preciso reconhecer que a nossa política de saúde mental foi bastante frágil no que diz respeito à preconização da atenção à saúde mental na Atenção Básica. Com ausência de programas e investimentos específicos

formulados a esse nível de intervenção, a saúde mental manteve-se como tema transversal à organização das ações da Atenção Básica, o que parece resultar em um quadro bastante precário no que diz respeito às possibilidades de atenção a essa demanda.

Segundo Onocko Campos et al (2011, p. 4644), “[...] o delineamento de uma proposta para a saúde Mental na Atenção Primária ganhou ênfase em 2003 com a edição de uma Circular Conjunta da Coordenação de Saúde Mental e Coordenação de Gestão da Atenção Primária, N. 01/037”. Consideramos esse delineamento tardio e também frágil, reconhecendo os efeitos da ausência de uma regulamentação específica orientadora das ações de saúde mental na Atenção Básica.

Posteriormente, a Portaria 154/2008 criou o NASF e instituiu seu financiamento, representando uma resposta à necessidade de qualificação da atenção à saúde mental na Atenção Básica. Essa resposta, contudo, é também muito debatida, na medida em que as equipes são constituídas a partir das características do território e apoiam as equipes de ESF em seu conjunto de necessidades, restando no cotidiano muitas dificuldades na relação e nas respostas às demandas de saúde mental, conforme discutiremos adiante. Segundo Onocko Campos et al (2011), a atenção à saúde mental na Atenção Básica orienta-se pelos seguintes princípios fundamentais:

[...] noção de território, intersetorialidade, reabilitação psicossocial, multiprofissionalidade, interdisciplinaridade, desinstitucionalização, promoção da cidadania e construção da autonomia. Além disso, aponta para a criação de uma rede de cuidados que se articularia no território através da criação de parcerias intersetoriais e intervenções transversais de outras políticas públicas (ONOCKO CAMPOS et al, 2011, p. 4644).

Fica claro, desse modo, que a possibilidade do CAPS desempenhar seu papel estratégico na rede de atenção à saúde mental depende de outros dispositivos igualmente estratégicos para que a Reforma seja um projeto de transformação social.

Nesse sentido, ao analisar, diante da ampliação da rede CAPS conquistada por nossa Reforma Psiquiátrica, a potência de transformação da relação da sociedade com a loucura que tem se tecido no cotidiano de suas práticas, uma dimensão importante para a reflexão é o quanto tem sido possível atuar em rede,

contar com outros pontos e dispositivos estratégicos para a realização dessa travessia.

Os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial - são uma das invenções deste processo que se articulam e ganham potência no pulsar da rede na qual se inserem, e cumprem, dentro da arquitetura aberta, livre e territorializada da reforma, um importante papel. Cabe a este estratégico serviço a resposta pela atenção diária e intensiva às pessoas com sofrimento mental, oferecendo acolhimento, cuidado e suporte desde o momento mais grave - a crise, senha de ingresso no manicômio, até a reconstrução dos laços com a vida (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 93).

Recentemente, a Portaria N. 3088/2011 organizou os diversos serviços que compõem a RAPS, muitos deles em funcionamento há bastante tempo. Ela passa a se constituir como instrumento de regulação fundamental da RAPS para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e/ou outras drogas, representando um passo adiante para seu reconhecimento e sua organização. De acordo com a portaria, compõe essa rede: Atenção Básica em saúde (formada pelos seguintes pontos de atenção: UBS; equipe de Atenção Básica para populações específicas, quais sejam, equipe de consultório na rua e equipes de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; Centros de Convivência); atenção psicossocial especializada (formada pelos CAPS, nas suas diferentes modalidades – CAPS I, II, III, CAPS AD, CAPS AD III e CAPS i); atenção de urgência e emergência (formada pelos seguintes pontos de atenção: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU 192; Sala de Estabilização; Unidade de Pronto Atendimento - UPA 24 horas; portas hospitalares de atenção à urgência/Pronto-Socorro; UBSs, entre outros); Atenção Residencial de Caráter Transitório (formada pelos seguintes pontos de atenção: Unidade de Recolhimento8; Serviços de Atenção em Regime Residencial); atenção hospitalar (formada pelos seguintes pontos de atenção: enfermaria especializada em Hospital Geral; serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas); estratégias de desinstitucionalização (formada pelos SRTs e pelo Programa de Volta Pra Casa); e reabilitação psicossocial

8 O anexo da portaria reconhece, ao lado das Unidades de Acolhimento Adulto e Infantil, as

Comunidades Terapêuticas, representando um retrocesso significativo da Reforma Psiquiátrica brasileira, conforme será discutido adiante.

(por meio da qual são reconhecidas as cooperativas de geração de trabalho e renda como parte da rede).

As preocupações com o investimento em políticas públicas que, para além de favorecer a abertura de CAPS, fortaleçam outros pontos cruciais dessa rede, sobretudo aquelas estratégicas para as ações territorializadas, deve-se ao entendimento de que é um equívoco considerar esse como mais um serviço de saúde mental, unidade isolada que opera atendimentos no modelo ambulatorial.

O CAPS, mais do que um serviço, é uma estratégia de mudança do modelo de assistência que inclui necessariamente a reorganização da rede assistencial, a partir de uma lógica territorial, o que significa ativar os recursos existentes na comunidade para compor e tecer as múltiplas estratégias implícitas na proposta (YASUI, 2010, p. 68). Dada a complexidade do papel desse serviço, coloca-se igualmente a preocupação com o modo como diante do crescimento de abertura de CAPS, por meio de processos institucionalizados pelo Estado e, por isso, muitas vezes burocratizados e distantes de um investimento militante orientado pelo sentido desse dispositivo como estratégia de Reforma, é possível sustentar a adesão de trabalhadores e gestores aos novos paradigmas, comprometidos com a destruição da perspectiva manicomial.

Observa-se, em muitos municípios e em variados serviços, a existência de instituições nomeadas como CAPS que, em seu cotidiano, estão distantes de oferecer intervenções de qualidade, alicerçadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica (YASUI, 2010). Isso tem relação com um conjunto de fatores que encontramos em muitos pontos da rede, e que estão presentes no município de São Paulo: precarização do trabalho profissional, reduzido às ações convencionais; redução do papel do trabalhador de protagonista político a reprodutor de normas; coberturas insuficientes, que restringem e empobrecem o trabalho dos profissionais no interior dos serviços; submissão do serviço à lógica econômica; precariedade de outros recursos territoriais e da própria condição de vida da população, dificultando a possibilidade de tecer novos laços sociais; ausência de recursos teóricos e técnicos para a garantia da complexidade que deve caracterizar a atuação dos CAPS, resultando em reprodução da lógica verticalizada e da supressão sintomática.

A clínica antimanicomial, que deve se realizar no interior dos CAPS, sustenta- se em princípios éticos claros:

O direito à liberdade, o consentimento com o tratamento, o respeito à cidadania e aos direitos humanos, a participação do usuário no serviço; articulam-se aos conceitos de território, desinstitucionalização, porta aberta, vínculo, trabalho em equipe e em rede (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 94).

Sim, serviços substitutivos são espaços para práticas inventivas e desinstitucionalizadoras, balizadas pela ética da liberdade e do respeito às diferenças.

Pode-se afirmar, portanto, que em essência a prática nos CAPS é um embate entre a tradição e a invenção, a construção do novo na negação do velho; ou ainda, a construção diária de outro paradigma para o cuidado com a loucura que insere entre seus recursos e como condição preliminar para o tratamento, a cidadania de quem é cuidado e de quem cuida. [...] Para tratar, rigorosamente, é necessário ser livre para decidir quando e porque tratar-se, sendo igualmente importante, para esta clínica, tratar sem trancar, tratar dentro da cidade, buscando os laços sociais, o fortalecimento ou a reconstrução das redes que sustentam a vida de cada usuário. Liberdade e responsabilidade são, portanto, conceitos orientadores da prática clínica dos serviços substitutivos e dos CAPS, em particular (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 95).

Pereira Furtado e Onocko Campos (2005) defendem que, para que seja possível a Reforma Psiquiátrica avançar para além da abertura de muitos e novos serviços, produzindo uma nova relação com a loucura, assim como novas formas de abordagem e de resposta social ao sofrimento mental, é preciso um quadro de profissionais cuja postura rompa com o paradigma anterior.

Tais premissas nos levam a uma questão cuja solução é crucial: como instaurar uma nova postura, uma outra ética de cuidados, uma nova forma de lidar com o doente mental entre os milhares de trabalhadores de saúde mental do país? [Estejam estes em “novos” ou “velhos” serviços]. Naturalmente, os profissionais que militaram pelas mudanças, que puderam experienciar transformações institucionais e/ou participaram das discussões políticas do setor, provavelmente conseguem traduzir os princípios da reforma para as práticas cotidianas. Mas o que fazer com a outra grande maioria representada pelos que não tiveram oportunidade de aprender com o antiexemplo de alguns manicômios ou não tiveram contato com a militância e os movimentos pró-reforma? (PEREIRA FURTADO e ONOCKO CAMPOS, 2005, pp. 113-114).

Essa é uma discussão fundamental diante do processo de abertura de CAPS que vivemos em nosso país, sobretudo se considerarmos o modo frágil como o campo da formação assimilou a perspectiva da Reforma Psiquiátrica e pode oferecer

subsídios teóricos e técnicos à construção dessa política, em especial do ponto de vista do fazer profissional no cotidiano dos serviços.

Decodificar no cotidiano os princípios políticos, éticos e ideológicos da Reforma Psiquiátrica, na relação com o usuário, segue sendo um desafio. Diante dele, se a formação nos próprios serviços é uma resposta essencial, reconhecemos que ela tem, contudo, se mostrado insuficiente para a produção de novas posturas e de nova atitude ética diante da questão da loucura. Pereira Furtado e Onocko Campos (2005) apontam que o risco da burocratização do objeto e do objetivo do trabalho é maior entre trabalhadores da saúde mental, afinal somos formados pela mesma sociedade que produziu as formas de defesa na relação e convivência com a loucura que essa rede procura superar.

No caso dos CAPS, serviços de caráter público, que carregam a encomenda social da inovação e do compromisso com a mudança cultural em relação ao imaginário social sobre a loucura, a necessidade de produzir um coletivo pouco engessado e pouco burocratizado está enfaticamente destacada. No entanto, os CAPS não deixam de ser serviços públicos de saúde, integrantes do SUS – sistema esse que vem institucionalizando sobremaneira e começa a dar sinais de burocratização, de perda de agilidade, de excessiva verticalidade. Como estar dentro da rede sem se enredar na armadilha do instituído? (Idem, p. 118).

Amarante (2003a) nos ensina algo essencial sobre aquilo que deve ser os CAPS: mais do que um serviço novo, um serviço inovador. Ou seja, esses serviços precisam ser espaços de criação de novas práticas sociais, de novos conceitos e de novas formas de vida. Garantir aos trabalhadores dos CAPS a consciência de que devem, com suas práticas, produzir rupturas conceituais, técnicas, políticas, jurídicas e sociais é um desafio do ponto de vista da avaliação qualitativa da política de saúde mental no que diz respeito à ampliação da cobertura de serviços CAPS.

Embora no cotidiano dos serviços tenhamos podido realizar um tanto dessa avaliação acerca de seu funcionamento, das quais resultam as preocupações acima descritas, é verdade que carecemos de estudos mais sistemáticos que possibilitem uma avaliação qualitativa mais rigorosa da rede CAPS, sobretudo se consideradas as características de diferentes territórios e diferentes trajetórias de implantação da Reforma e do próprio SUS nos vários municípios.

Sabemos que a cidade de São Paulo guarda especiais desafios em relação a esse processo, dada a sua proporção e as dificuldades de gestão por ela impostas.

Além disso, os modelos adotados desde a gestão municipal iniciada em 1989, logo após a aprovação da Carta Constitucional, são muito variados e por longos períodos marcados por gestões claramente alinhadas com modelos privatizantes e por um descompromisso com a construção do SUS. Disso resulta uma descontinuidade e uma fragmentação na implantação da rede de saúde mental no município que agravam de forma especial o modo como hoje se constituem os serviços, suas equipes e seu funcionamento em rede.

Apesar disso, vale salientar que pesquisas realizadas em outros municípios (ONOCKO CAMPOS et al, 2009; EMERICH, ONOCKO CAMPOS e PASSOS, 2014; SURJUS e ONOCKO CAMPOS, 2011), embora com características distintas, evidenciam que o cotidiano dos CAPS é marcado por contradições. Em meio a todos os desafios e dificuldades impostos para a garantia de uma prática desinstitucionalizante, inventiva e libertária aqui descritas, esses serviços, embora não de forma hegemônica, possibilitam novas formas de relação com a loucura e de experiência do sofrimento que acompanha essa condição em nossa sociedade. Reconhecer essa produção é essencial para evidenciar que sim, é possível sustentar os CAPS como espaço de transformação social e melhor caracterizar suas fragilidades é essencial para a construção dos avanços necessários.

Pesquisa conduzida entre os anos de 2006 e 2007 (ONOCKO CAMPOS et al, 2009) no município de Campinas, pioneiro na implementação de CAPS III no país, apontam efeitos positivos do funcionamento da rede que extrapolam características específicas daquele município e evidenciam a potência dessa política, dos quais destacamos alguns: permanência do usuário com a mesma equipe em momentos de crise, sobretudo com as condições ofertadas pelos serviços de funcionamento 24 horas (CAPS III); existência de equipes e profissionais de referência, favorecendo o vínculo, as relações de confiança e a elaboração dos PTS; continência oferecida pelos espaços grupais promovidos no serviço.

Igualmente, do ponto de vista das dificuldades identificadas, muitas das questões se reproduzem, sem dúvida, na realidade de outros territórios. Algumas delas: número excessivo de usuários por profissional de referência; entraves na formação de parcerias com a rede mais ampla; dificuldades na oferta de serviços 24

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