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A Reforma Sanitária e os primórdios da Reforma Psiquiátrica brasileira: uma luta pela cidadania

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 70-90)

CAPÍTULO 2 – Conquistas e desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira

2.1. A Reforma Sanitária e os primórdios da Reforma Psiquiátrica brasileira: uma luta pela cidadania

A análise do Movimento pela Reforma Sanitária, como debate maior que localiza a luta por uma transformação da assistência psiquiátrica no Brasil, requer uma visita ao período que o precede, o qual recortamos aqui a partir dos vinte anos de ditadura (1964-1984), momento de Estado militarista e do chamado milagre

brasileiro, no qual assistimos uma importante reorientação institucional na

administração estatal. Do ponto de vista da saúde, esse período caracterizou-se pela reorganização, por meio de uma nova síntese, do modelo de campanhismo sanitarista, conhecido pelo seu caráter higienista, próprio da Primeira República e do modelo curativo da atenção médica previdenciária que se fortaleceu no período populista.

A centralização e a concentração do poder institucional deram a tônica dessa síntese, que aliou campanhismo e curativismo numa estratégia de medicalização social sem precedentes na história do país. Um elemento favoreceu essa síntese criada pelo autoritarismo típico da fase do 'milagre'. É que, no nível político, essa conjuntura foi de fato a mais dura vivida pela nação em tempos de República. Ela foi marcada pelos atos institucionais e por outros decretos presidenciais que modificaram a Constituição no tocante aos direitos de cidadania, informação e comunicação social, bem como ao controle do exercício dos poderes Legislativo e Judiciário. Essa conjuntura se caracterizou também por uma vontade política arbitrária, concentrada num Poder Executivo avesso a medidas ou políticas sociais que favorecessem a participação da sociedade civil. Nesse contexto se produziu a política de saúde do 'milagre', coerente com a política econômica de então, que preconizava um crescimento acelerado com uma elevada taxa de produtividade, conjugada a baixos salários para grande parte da massa trabalhadora. Esta política desfavoreceu a maioria das categorias, mas favoreceu os trabalhadores especializados, os técnicos e os quadros superiores empregados nos setores de ponta da economia. Esses grupos foram beneficiados por altos salários e incentivos, o que possibilitou o aumento do consumo desses setores privilegiados, assim como a difusão da ideologia do consumo no conjunto da sociedade. A saúde passou então a ser vista como um bem de consumo. Especificamente, um bem de consumo médico (LUZ, 1991, pp. 81-82).

É assim que o movimento pela Reforma Sanitária vai combater um modelo de saúde centrado na medicina, como promessa de cura e restabelecimento diante de graves condições de saúde, numa sociedade em que se generalizou a demanda por consultas médicas, operadas por meio de clínicas e hospitais privados que passaram a ter financiamento da Previdência Social. Esses dispositivos, ao lado do crescimento das faculdades particulares de medicina, da organização e complementação da política de convênios entre o Instituto Nacional da Previdência

Social (INPS) e os hospitais, clínicas e empresas de prestação de serviços médicos,

fizeram crescer o setor empresarial de serviços médicos, orientado antes pelo lucro do que pela saúde da população.

Assistimos, finalmente, à consolidação de uma relação autoritária, mercantilizada e tecnificada entre médico e paciente e entre serviços de saúde e população. Como era de se esperar, todos esses efeitos e consequências fizeram emergir uma grande insatisfação popular em relação à 'política de saúde da ditadura', perceptível já no fim do 'milagre' (1974-1975) (LUZ, 1991, p. 82).

Do ponto de vista da atenção à saúde mental operada no interior dessa política de saúde, o modelo empregado pelos governos militares carregava exatamente as mesmas características. Seus efeitos foram absolutamente perversos e os enfrentamos ainda hoje na luta pela superação dos hospitais psiquiátricos. A crescente contratação de leitos nas clínicas e hospitais conveniados por parte do setor público consolidou o entrelaçamento entre internação asilar e privatização da assistência de tal modo que a maioria das internações psiquiátricas públicas era realizada em instituições privadas, remuneradas pelo setor público. Tendo como fonte de receita a remuneração sob a forma de diária para cada dia de internação de cada pessoa internada, esse modelo produziu aquilo que conhecemos como a

indústria da loucura. “A receita será maior de acordo com três variáveis: quanto maior o número de pacientes internados, quanto maior o tempo de internação e, por último, quanto menor o gasto da clínica com a manutenção do paciente internado” (TENÓRIO, 2002, p. 33).

Segundo dados apresentados por Yasui (2010), o número de leitos psiquiátricos privados cresceu de 3.034 em 1941, para 78.273 em 1978. Um crescimento de quase 25 (vinte e cinco) vezes, absolutamente desproporcional ao crescimento da própria população que passou de cerca de 42 milhões em 1941 para

115 milhões em 1978, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE)4. O mais interessante, contudo, é que no mesmo período o número de leitos públicos permaneceu praticamente inalterado, passando de 21.079 em 1941 para 22.603 em 1978. Destaca-se ainda que chegamos aos anos de 1990 com cerca de 90 mil leitos em hospitais psiquiátricos, sendo 76% deles privados conveniados ao SUS e 24% públicos e universitários. Tenório (2002) afirma que durante o regime militar, no período de 1965 a 1970, a população internada em leitos efetivamente públicos não teve qualquer alteração, ao passo que nas instituições conveniadas ao setor público essa população dobrou nos cinco anos, passando de 14 mil em 1965, para trinta mil em 1970, números que se multiplicam anos depois, resultando em uma proporção de 80% de leitos psiquiátricos privados mantidos por recursos públicos e 20% de leitos públicos.

Desta forma, em síntese, em relação à assistência psiquiátrica, desde o final dos anos 1950, o Brasil acumulava uma grave situação nos hospitais psiquiátricos: superlotação; deficiência de pessoal; maus- tratos grosseiros; falta de vestuário e de alimentação; péssimas condições físicas; cuidados técnicos escassos. Como vimos, a partir do golpe militar de 1964, até os anos 1970, proliferaram amplamente clínicas psiquiátricas privadas conveniadas com o poder público, obtendo lucro fácil por meio da “psiquiatrização” dos problemas sociais de uma ampla camada da população brasileira. Criou-se assim a chamada “indústria da loucura”. No final dos anos 1980, o Brasil chegou a ter cerca de 100.000 leitos em 313 hospitais psiquiátricos, sendo 20% públicos e 80% privados, conveniados ao SUS, concentrados principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. Os gastos públicos com internações psiquiátricas ocupavam o 2º. lugar entre todos os gastos com internações pagas pelo Ministério da Saúde. Eram raras outras alternativas de assistência – mesmo as mais simples, como o atendimento ambulatorial (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 53). O modelo de favorecimento à iniciativa privada e de investimento no crescimento econômico que transformou em mecanismos de geração de lucro os dispositivos de assistência à saúde fez não apenas crescer o número de internos nas instituições asilares da psiquiatria, os hospitais psiquiátricos, como fez crescer também a barbárie dentro dessas instituições. Condições precárias e absoluto abandono fizeram perpetuar no interior dessas clínicas e hospitais um conjunto de usuários que permaneceram, e alguns deles ainda permanecem, aprisionados sob a condição de moradores.

4 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1940_1996.shtm.

O Brasil assistiu e segue assistindo a inúmeras cenas de morte, maus tratos e violência operados no interior destas instituições, sob a chancela do Estado. Algumas vezes em silêncio, outras nem tanto, como é o caso da morte de Damião Ximenes Lopes em uma clínica psiquiátrica no município de Sobral, no Ceará, na qual estava internado quando faleceu, segundo declaração da clínica, por causa indeterminada. Nos exames realizados, sinais e marcas que indicam a prática de tortura. A sua morte rendeu ao Brasil a primeira condenação pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos

(OEA)5.

Outros muitos casos de mortes oficializados como causados por parada cardiorrespiratória, pneumonia e ainda transtornos mentais de pacientes internados em hospitais psiquiátricos ganharam visibilidade com a recente publicação de relatório sobre os hospitais psiquiátricos na região de Sorocaba, no estado de São Paulo – situação que ganhou destaque na mídia e na mobilização da gestão pública, permanecendo, contudo, até o momento aberta grande parte dos leitos psiquiátricos destes mesmos hospitais6.

A recente obra da jornalista Daniela Arbex, Holocausto Brasileiro – Vida, Genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil, que relata os horrores do Hospital Colônia de Barbacena (MG) durante grande parte do século XX, também

chocou e mobilizou a sociedade (ARBEX, 2013).

Na mesma toada, Walter Farias e Daniel Navarro Sonim publicaram recentemente no livro O capa-branca: de funcionário a paciente de um dos maiores

hospitais psiquiátricos do país as memórias da experiência vivida por um dos

autores no Hospital Psiquiátrico e Manicômio Judiciário do Juquery na década de 1970. Nela, o horror vivenciado na condição de profissional da enfermagem produziu sua passagem para a condição de interno do hospital, na qual ficou submetido, não mais como trabalhador, mas como doente mental, a todas as formas de violência operadas pela instituição (FARIAS e SONIM, 2014).

5 Disponível em: http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/15/1000169-caso-damiao-ximenes-

lopes-mudancas-e-desafios-apos-a-primeira-condenacao-do-brasil-pela-corte-interamericana-de- direitos-humanos. Acessado em: 06/09/2015.

6 Disponível em: https://flamasorocaba.wordpress.com/dossie-dos-manicomios/ Acessado em:

Como esses, muitos outros documentos públicos, vídeos, reportagens e livros denunciaram os hospitais psiquiátricos brasileiros como instituições da violência e muitos outros casos anônimos e desconhecidos tiveram suas vidas sequestradas e aviltadas pelas operações da psiquiatria, em silêncio. Na apresentação da obra A

Instituição Sinistra – mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil, publicada

pelo Conselho Federal de Psicologia como uma espécie de dossiê de sete casos de mortes e maus-tratos ocorridos em hospitais de diferentes estados do país, o hospital psiquiátrico é denunciado como instituição que teve na sua história passada e na sua condição presente a vocação de operar o extermínio de uma parcela da população brasileira:

Sim, o hospital psiquiátrico no Brasil mata! Sempre matou. No passado, em grandes proporções, como revelam os achados de Ronaldo Jacobina, que em tese recente de doutoramento, revisitou a história de dor e morte, consubstanciada em várias décadas de existência do antigo Asilo São João de Deus, hoje Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, de Salvador/Bahia. Loucos morrendo aos magotes, de beribéri, de fome, de doenças carenciais, ao abandono, às centenas por ano, é o que revela o seu estudo. Os corpos dos loucos mortos em hospitais psiquiátricos, não faz tanto tempo assim, já foram objeto de intenso comércio, como registra, por exemplo, a crônica que relata a venda de cadáveres dos loucos mortos no Hospital Colônia de Barbacena/MG para servirem nas aulas de anatomia das escolas de medicina, que proliferavam no sul do país. No final dos anos 80, uma extensa sequência de mortes de pacientes psiquiátricos, em poucas semanas, na Casa de Saúde Anchieta, em Santos/SP, foi a senha para que se decretasse a intervenção municipal do estabelecimento, que culminaria finalmente com o seu posterior fechamento total (SILVA, 2001, pp. 06-07). Basaglia (1979a/2010) explicitou, como vimos anteriormente, que os mecanismos das instituições psiquiátricas atuam a serviço da identificação da miséria com a loucura, como forma da gestão do estado em relação à miséria diante da ausência de respostas possíveis para a superação de uma questão estrutural. De fato, a partir de uma concepção marxista, é preciso reconhecer que o modo de produção capitalista produz riqueza ao mesmo tempo em que produz miséria. A extinção da miséria aponta, nessa medida, em última instância para a própria superação do capitalismo, na medida em que sem ela não é possível sustentar a geração de riqueza num sistema em que a mesma se produz por meio da exploração da força de trabalho.

As relações de produção nas quais se move a burguesia não têm um caráter uno, um caráter simples, mas um caráter de duplicidade: que, nas mesmas relações nas quais se produz a riqueza, a miséria também se produz; que, nas mesmas relações nas quais há desenvolvimento das forças produtivas, há uma força produtora de repressão; que estas relações não produzem a riqueza burguesa, ou seja, a riqueza da classe burguesa, senão destruindo continuamente a riqueza dos membros integrantes desta classe e produzindo um proletariado sempre crescente (MARX, 1847/1946, p. 114).

A história das instituições psiquiátricas no Brasil sustenta-se não apenas por meio das convenções sociais que naturalizam a concepção de doença mental como parte de uma operação ideológica que, concretamente, administra uma classe de sujeitos por meio das instituições da psiquiatria como necessidade diante das contradições produzidas pelo capital. A operação do hospital psiquiátrico foi não somente mecanismo de gestão da miséria, mas ao mesmo tempo mecanismo para produção de riqueza e lucro, favorecendo setores privados da economia. Por isso, o enfrentamento da transformação da assistência em saúde mental no país tinha no horizonte: a destruição do modelo médico de atenção à saúde e de suas operações técnicas a serviço da objetivação dos sujeitos na doença; a destruição das instituições manicomiais e dos modelos de assistência por meio do qual naturalizavam-se situações de violação de direitos; e, por fim, a destruição de uma engenharia de interesses econômicos diretamente sustentados pela transmutação de direitos sociais em mercadorias, pautando o Estado brasileiro a reaver sua posição na tensão entre a gestão das políticas sociais de garantia de direitos e o favorecimento do crescimento econômico para a reprodução do capital. Daí reside uma especificidade da Reforma Psiquiátrica brasileira. Ela incide diretamente sobre o caráter privatista das políticas públicas de gestão estatal e disso resulta um de seus maiores obstáculos históricos e atuais.

Nesse sentido, ecoa a pauta da Reforma Sanitária brasileira, que na segunda metade da década de 1970, combatendo o Estado autoritário, se constituiu a partir das críticas à ineficiência da assistência pública em saúde e ao caráter privatista da política de saúde do governo federal, além de sustentar as denúncias de fraude de financiamento dos serviços. O Movimento pela Reforma Sanitária foi um Movimento pela reformulação do sistema nacional de saúde. Na agenda, a administração, o planejamento dos serviços e a ampliação do acesso da população à assistência em saúde, cujo questionamento da qualidade abrangia também o setor psiquiátrico (TENÓRIO, 2002).

Em aliança com outros movimentos sociais, estava em debate de forma mais ampla o questionamento das políticas sociais do regime, que ganhou no final dos anos de 1970 sua centralidade na questão das políticas de saúde:

Cientistas, acadêmicos e tecnocratas progressistas discutiam em congressos e seminários nacionais e internacionais a degradação das condições de vida da população, consequência da política econômica que levara ao 'milagre brasileiro', trazendo para essa discussão o testemunho de cifras e taxas dramáticas sobre o acúmulo das doenças endemias e epidemias. Finalmente, movimentos sociais comunitários - compreendendo associações de moradores de bairros e favelas, movimentos de mulheres, sindicatos, Igreja e partidos políticos progressistas - denunciavam às autoridades e à sociedade civil a situação caótica da política de saúde pública e dos serviços previdenciários de atenção médica, exigindo soluções para os problemas criados pelo modelo de saúde do regime autoritário. [...] Os serviços de saúde se tornaram o foco da crise do modelo de política social vigente entre 1975 e 1982 (LUZ, 1991, p. 83).

Como resultado desse processo, a saúde passou a ser socialmente reconhecida, pela primeira vez na história do país, como direito universal e dever do Estado, como dimensão social da cidadania (LUZ, 1991). A localização histórica e teórica sobre o Movimento da Reforma Sanitária como antecedente do SUS e da própria Reforma Psiquiátrica é fundamental para compreendermos no Brasil a dimensão das ações da saúde pública, no bojo das quais se efetiva a assistência em saúde mental, diante das necessidades da população que apontam para respostas em relação a políticas sociais de diferentes naturezas.

A política pública de saúde adquiriu reconhecimento e centralidade como direito da população diante das condições de vida do povo brasileiro. Tal centralidade resultou na implantação de um Sistema único e universal, que não teve correspondente como política pública social em nenhuma outra área no país. Em sua atuação, esse Sistema está orientado por concepções, oriundas da Reforma Sanitária, que trouxeram para o interior das questões da saúde as condições de vida da população, na medida em que as reconheceram como determinantes. Esse conjunto de fatores coloca especiais desafios para a Reforma Psiquiátrica brasileira, política pública do SUS, diante do pressuposto de que, para a sua radicalidade, ela deve se referir à cidade, aos territórios e às possibilidades de reconstituição da cidadania dos sujeitos, de modo a acionar outros mecanismos do campo social para oferecer respostas ao problema com o qual lidamos quando estamos diante da loucura.

Paim (2009), ao resgatar uma construção teórica acerca da Reforma Sanitária, localiza os referenciais gramscianos para analisar como esse Movimento, a partir de uma abordagem histórica e estrutural, buscou identificar a relação entre a estrutura de classes e as políticas e práticas de saúde. Essa relação era reconhecida ao nível econômico, através da incidência das necessidades de reprodução do capital no setor da saúde; ao nível político, no qual se destacava a identificação do processo de legitimação do poder do Estado por meio também das políticas de saúde; e ao nível ideológico, na medida em que as produções científicas, as práticas sociais e os valores pertencentes ao universo cultural dos profissionais da saúde deveriam ser reconhecidos como relacionados à sua inserção na estrutura social. Assim, a Reforma Sanitária colocou em análise as políticas sociais operadas pela ação do Estado em meio às contradições entre necessidades do capital e exigências sociais dos trabalhadores.

Resultou daí a proposição de criação do SUS que – originada em 1979 e retomada em 1986 com a 8ª. Conferência Nacional de Saúde –, teve a sua formalização expressa em partes na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica da

Saúde, de 1990. Do ponto de vista das concepções resultantes desse processo para

a reestruturação das práticas e serviços de saúde, Luz (1994) assim discorre:

A noção de saúde tende a ser percebida como efeito real de um conjunto de condições coletivas de existência, como expressão ativa – e participativa – do exercício de direitos de cidadania, entre os quais o direito ao trabalho, ao salário justo, à participação nas decisões e gestão de políticas institucionais etc. Assim, a sociedade teve a possibilidade de superar politicamente a compreensão, até então vigente ou socialmente dominante, da saúde como um estado biológico abstrato de normalidade (ou ausência de patologias) (LUZ, 1994, p. 36).

Para a Reforma Psiquiátrica brasileira, gestada a partir da Reforma Sanitária por meio da organização do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), essa concepção de saúde desnaturalizada, que reconhecia as condições de existência e as possibilidades de cidadania como seus elementos constitutivos, somava-se com as referências de alguns Movimentos de Reforma Psiquiátrica empreendidos em outros países. Nesses Movimentos, que marcam influência importante à Reforma Psiquiátrica brasileira, a partir de distintas perspectivas teóricas, a concepção de doença mental fora também, como vimos, desnaturalizada.

Yasui (2010) localiza os movimentos da saúde mental nos mesmos trilhos por onde caminharam as estratégias de luta pela Reforma Sanitária. Politização da questão da saúde, alteração das normas legais orientadoras da política pública e mudança de práticas institucionais a partir dos processos democráticos. Em suas palavras:

A Reforma Psiquiátrica buscou politizar a questão da saúde mental,

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 70-90)