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ESTRUTURA DA LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Isabel Sofia Calvário Correia Rui Pedro Santos de Oliveira

HOW DOES TIME LAST TIME EXPRESSIONS AND VERBAL ASPECT

1. ESTRUTURA DA LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Os Universais Linguísticos contemplam a existência da arbitrariedade, da recursividade, da convencionalidade e da economia linguística como características produtivas das línguas. Tomemos como exemplo, os sinais de LÁPIS e de LOJA, onde se pode comprovar que não existe correspondência direta entre o sinal e o referente linguístico2.

Por outro lado, existem nas línguas de sinais, e naturalmente na LSP, sinais icónicos. Estes têm uma similitude com o mundo extralinguístico, havendo uma correspondência icónica entre o significado e o significante. Podemos referir que essa transparência também existe nas línguas orais, sendo que alguns autores consideram as onomatopeias como sendo icónicas, por imitarem o som real do objeto ou animal (Quadros e Cruz, 2011). Na LSP podemos indicar que o sinal de CHUVA3 ou BOLA4 são icónicos, pois o sinal de CHUVA representa a água que cai do céu, sendo que a configuração de mão e o movimento ilustram a iconicidade, e o mesmo acontece com o sinal de BOLA, pois é a representação de um objeto esférico. Todavia, a iconicidade depende também de valores culturais e de natureza subjetiva, ou seja, da interpretação que o sujeito faz dos referentes, não sendo os sinais icónicos universais. Assim, um sinal icónico numa língua de sinais pode ser arbitrário em outra ou esse sinal pode ter caraterísticas distintas de representação do referente. Para uma melhor ilustração do que afirmamos, basta uma consulta ao sinal BOLA na plataforma spreadthesign para se verificar que o significante não é comum em todas as línguas de sinais.

Os sinais referenciais são aqueles “que se caraterizam por apontar para o referente (…) alguns exemplos de gestos referenciais são aqueles que utilizamos para nos referirmos a alguns pronomes pessoais” (Silva, Alves, & Correia, 2013, p. 65). Desta forma, tome-se como exemplo FIGADO, CORAÇÃO, NARIZ, OLHOS, entre outros. Acrescente-se que não é apenas mera

2 Todos os exemplos que usamos no nosso estudo e que não estejam representados por figuras foram retirados de: www.spreadthesign.com . Usamos maiúsculas na transcrição em português dos sinais.

apontação, pois, como se pode observar pela consulta dos exemplos na plataforma mencionada a configuração de mão não é sempre a de INDICAR.

Tal como qualquer idioma, a LSP tem léxico dinâmico que permite formar um número infinito de frases e um conjunto de unidades mínimas, que abaixo descrevemos, que permitem a criação de novos vocábulos convencionados pelo uso efetivo da comunidade linguística, uma vez que, até ao momento, os registos lexicográficos são escassos.

a. Unidades Mínimas

Os estudos linguísticos acerca das línguas visuais começaram a ser desenvolvidos por William Stokoe, nos anos 60 do século XX, tendo por base a American Sign Language (ASL). Os seus estudos pioneiros permitiram identificar as características de uma língua humana nas línguas visuais totalmente estruturadas e com desenvolvidos sistemas de comunicação, “que partilham os mesmos Universais Linguísticos das Línguas Orais” (Correia, 2013, p. 47), porém as línguas visuais usam o espaço tridimensional para se expressar. A transmissão da língua de sinais é feita por estimulação visual, enviando de forma sequencial e simultânea gestos, frases e discursos (Sousa, 2015). Os sinais são formados por unidades mínimas indivisíveis que designamos queremas. Esta terminologia advém daquela proposta por Stokoe:

terminologia criada pelo primeiro linguista do séc. XX que estudou uma língua gestual, William Stokoe. (…), ao estudar a American Sign Language (…) nomeadamente as suas unidades mínimas, ou seja, algo que equivale aos nossos fonemas, vulgo sons, entendeu que chamar ‘fonema’, palavra que tem na sua origem o vocábulo grego phonos que significa som, a unidades mínimas de uma língua gestual, era equívoco. Então, determinou chamar-lhes queremas, palavra que tem a sua raiz o vocábulo grego kyros, que significa mão.” (Correia, 2014, p. 162)

Os queremas – unidades mínimas indivisíveis da Língua de Sinais Portuguesa, e de todas as outras línguas visuais existentes no mundo, correspondem aos seguintes elementos de um sinal:

- Configuração de Mão: a forma que a mão faz na produção de um sinal (Quadros & Cruz, 2011).

- Localização: o local onde é produzido o sinal. O sinal pode ser executado no espaço neutro, ou seja, sem ponto de contacto, no corpo do emissor, com ponto de contacto. Neste último caso, o sinal pode ser executado na mão-não dominante, como, por exemplo, se verifica em APOIAR.

- Movimento: considerado, por vários estudos (Correia, 2020; Quadros & Cruz, 2011; Silva et al., 2013), como sendo um dos parâmetros mais complexos e produtivos das línguas de sinais. O movimento que o sinal produz pode ser considerado não apenas um querema, bem como um morfema morfológico do plural, morfema gramatical de número, entre outros (Correia, 2020). Enquanto querema, o movimento de dedos e de pulso é considerado por alguns linguistas como

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hierarquicamente dependente do querema configuração de mão (Sandler & Lillo-Martin, 2006), contribuindo para a caraterização silábica do sinal (Correia, 2020; Sandler & Lillo-martin, 2006;). Veja-se, por exemplo, o sinal de COR ou TRABALHAR

- Orientação de Mão: a direção que a palma da mão toma na execução do sinal. Veja-se, a título de exemplo, os sinais de GÉMEOS e CÃO.

- Expressão Não Manual (ENM): nas línguas de sinais existem as expressões faciais gramaticais, que segundo Quadros e Karnopp (2004) possuem funções sintáticas e lexicais. Assim, a ENM pode marcar orações afirmativas, interrogativas e exclamativas, entre outras, usando o “arquear de sobrancelhas, inclinar do tronco/ombros, abrir/semicerrar os olhos” (Silva, et al., 2013). No caso esse parâmetro tem valor suprassegmental, ou seja, marca, entre outros, a intencionalidade comunicativa e a prosódia. Enquanto unidade mínima, possui valores gramaticais vários, como a marcação da negação, entre outros, pode também reproduzir segmentos da língua maioritária (Woll, 2009).

Todas estas unidades mínimas são discretas e possuem valor contrastivo, ocorrendo na formação de pares mínimos. A título de exemplo veja-se o par TERÇA-FEIRA e PEIXE em que o querema movimento possui caráter distintivo.

Acrescente-se que, pelo seu caráter visuomanual, os queremas são executados em simultâneo, não tendo o grau de sequencialidade que carateriza os fonemas de uma língua oral. Todavia, as línguas de sinais possuem um grau de sequencialidade observável em alguns sinais, através das pausas e movimentos, e, também, em sinais compostos (Correia, 2014; Correia, 2020; Sandler & Lillo-Martin, 2006;).

b. Morfologia

Tal como em qualquer língua viva, também os estudos da morfologia das línguas de sinais têm vindo, gradualmente, a aumentar, quer em Portugal quer no estrangeiro (Correia, 2014; Correia, 2020; Nascimento, 2011; Quadros & Karnopp, 2004; Rodero-Takahira, 2012).

Segundo Silva, Alves e Correia (2013) em concordância com Duarte (2009) a formação de novo léxico poderá ser composta por processos de produtividade e de criatividade. A produtividade poderá englobar “gestos formados por Derivação, Composição e Processo Datilológico” (Silva et al., 2013, p. 71). Os processos de formação de sinais ainda carecem de investigação apurada, no que concerne a LSP, mas verifica-se, tal como em outros idiomas, que a repetição ou cessação de movimento é responsável pela verbalização e nominalização. O recurso a classificadores, que adiante descreveremos sucintamente, também é produtivo em processos de criação de novas

palavras. Veja-se, como exemplo, o sinal MORANGO5 em que após o sinal VERMELHO se acrescenta um classificador de forma. Em termos de composição, verifique-se o sinal de MELANCIA composto por VERMELHO+ MELÃO.

i. Género

A LSP, em termos de marcação de género, define-se como um idioma de género natural (Corbet, 1991). Assim, o masculino é marcado apenas em casos de desambiguação e o feminino marca-se de duas formas:

• Variação lexical: existem dois sinais, um para o masculino, outro para o feminino como no par PAI/MÃE;

• Anteposição de um marcador antes do sinal, como em RAPAZ/RAPARIGA. ii. Número

Em questão de número, a LSP apresenta diferentes formas de indicar o plural:

• Quantificador Existencial: uso de quantificador existencial a seguir ao nome ou adjetivo, como por exemplo, CARRO MUITO (Fig. 1)6

• Quantificador numeral: uso de quantificador numeral, em quantidades mensuráveis, a seguir ao nome ou adjetivo, por exemplo CARRO DOIS (Fig.2) 7

• Reduplicação: a repetição do movimento do sinal dá a indicação de plural, como é exemplo o sinal de CRIANÇAS8

• Redobro: um gesto unimanual é a forma singular como PESSOA e executado de maneira bimanual é o nome no plural, como PESSOAS

Figura 1 - CARRO MUITO Figura 2 - CARRO DOIS

5 Consulte-se em www.spreadthesign.com a variante 2. 6 Imagem do arquivo dos autores.

7 Imagem do arquivo dos autores.

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iii. Classificadores

Os classificadores são morfemas “que se comportam como gestos” (Correia & Nascimento, apud Silva et al., 2013, p. 75) sendo que fazem parte da construção de novos morfemas e sinais. Os classificadores podem ter a função de “substituir, descrever, especificar e qualificar as pessoas, animais e objetos também incorporam ações e locais para esses referentes” (Carmo, 2016, p. 10). Os verbos classificadores podem ser observados em exemplos como ‘um elefante a andar’, ‘uma cobra a rastejar’ ou ainda ‘um crocodilo a nadar’ (Fig. 3)9, pois neles podemos identificar a forma como cada um destes animais se move. Assim, percebemos que os classificadores verbais são marcadores de concordância, pois incorporam a forma de locomoção de cada animal, descrevendo-a.

Figura 3 - Classificadores verbais: Andar ELEFANTE; andar COBRA; andar/nadar CROCODILO

O nosso estudo não se centra nos classificadores, mas fica apenas a nota de que há, para além dos classificadores verbais, os classificadores nominais descritivos, classificadores nominais atributivos e classificadores nominais especificadores (Carmo, 2016). Como exemplo, o classificador de PESSOA (Fig. 4)10.

Figura 4 - Classificador de PESSOA

9 Imagem do arquivo dos autores. 10 Imagem do arquivo dos autores.

iv. Verbos

Nas línguas de sinais podem ser identificados quatro tipos de verbos: os indicativos, os locativos, os neutros ou planos e os classificadores (Johnson, 2006; Santana, 2012). Os verbos indicativos ou verbos de concordância “referem-se aos que indicam o sujeito e o destinatário da ação, sendo exemplos DAR, PERGUNTAR, DIZER, ENVIAR (…) (Santana, 2012, p. 374). Assim, a direcionalidade do movimento determina o complemento indireto. Os verbos locativos são aqueles cujo afixo locativo- deslocação no espaço-os identifica, como “POR A MESA” (Sandler & Lillo-Martin, 2006), aqueles que em termos semânticos se referem a um lugar/espaço como MERGULHAR ou SUBIR (Santana, 2012). Os verbos incorporados ou classificadores são aqueles que se localizam no espaço exato da ação, como DOER OS DENTES (Martins, Costa, Cottim, & Morais, 2019). Os verbos classificadores são aqueles que alteram a forma consoante o objeto/sujeito a que já aludimos acima na secção iii. Os verbos planos ou neutros são os que não sofrem qualquer alteração formal relacionada com os argumentos. Temos como exemplo PERCEBER.

No que respeita à marcação de tempo, a Língua de Sinais Portuguesa é uma língua visuo- espacial que beneficia do espaço tridimensional. A produção de enunciados é realizada em frente ao emissor usando a proximidade ou a lonjura de um sinal para o colocar numa referência temporal: PASSADO, PRESENTE, FUTURO. Quanto mais perto do corpo o sinal for feito, significa que o sinal está mais perto do PRESENTE, caso ao sinal seja acrescentada alguma partícula de passado ou de futuro, podemos estar perante marcações temporais. Para além disso, há outros marcadores temporais tais como expressões adverbiais ou morfemas gramaticais, materializados na ENM, que podem marcar a temporalidade e a aspetualidade. Por exemplo, para distinguir VEJO/VI11 usa-se um marcador não manual.

c. Sintaxe

A ordem sintática da LSP poder-se-á considerar distinta da ordem sintática da Língua Portuguesa, uma vez que a ordem natural das palavras em Português será SVO (Sujeito-Verbo- Objeto). A ordem pura das línguas de sinais seria OSV (Quadros & Karnopp, 2004), mas observa- se SOV, OSV. A estrutura SVO é cada vez mais observada. Esta estrutura frásica apesar de não ser natural na LSP é

(…) cada vez mais notória a existência de uma forte influência por parte da língua oral (LO) neste caso da Língua Portuguesa (LP) na estrutura gramatical da LGP. Esta evidência é reflectida no

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modo de execução de várias orações na LGP, que começam a apresentar uma ordem gramatical idêntica à ordem gramatical das orações na LP. Isto parece ser resultado da Educação Bilingue dos indivíduos surdos, onde a Língua Portuguesa parece invadir ou contaminar a estrutura da LGP. (Carmo, 2016, p. 2)

No que concerne a sintaxe existem também as marcações não manuais, como sendo um componente obrigatório para a marcação de enunciados, quer sejam “frases negativas, interrogativas, afirmativas, condicionais, relativas, construções com tópico em foco” (Quadros & Cruz, 2011, p. 26), sendo realizadas através da inclinação do tronco, da direção do olhar, elevar das sobrancelhas, semicerrar os olhos, entre outros (Corina, Bellugi & Reilly, 1999; Rodrigues, 2017).

A sintaxe na LSP é uma área gramatical na qual foram feitos alguns estudos (Correia, 2009; Bettencourt, 2015; Carmo, Silva e Martins, 2017) sendo que o nosso trabalho também não se centra neste território gramatical, ficando esta temática para estudos futuros.