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VARIAÇÃO LEXICAL: OS ANGOLANISMOS

Paulo Osório António Cassange

PORTUGUESE AND KIMBUNDU: HISTORY AND LEXICAL VARIATION

2. VARIAÇÃO LEXICAL: OS ANGOLANISMOS

variantes, uma vez que a unidade entre os falantes desta língua é visível em todo o espaço geográfico de influência e, ao mesmo tempo, justifica-se a partir da mesma origem ancestral.

Em determinados espaços geográficos do território angolano, português e kimbundu convivem, sendo que se verifica, em termos linguísticos, interferência de uma língua sobre a outra. A convivência das duas línguas faz com que cada uma delas receba influência linguística da outra, observando-se, por exemplo, em formas verbais aportuguesadas com os radicais do kimbundu (Zungar, maguelar, kaxibacar), com nomes e adjetivos (zungueiro, kaxibacador, maguelador), entre outros. Verifica-se, também, que a posição dos morfemas em kimbundu decorre de modo inverso ao da língua portuguesa e, no exemplo acima, a flexão do morfema é final em português (r = zungar;), ao passo que, em kimbundu, o morfema é inicial (ku/zunga): os kimbundos, os ambundos, em português; kimbundu/ambundu, em kimbundu.

O português em Angola vem assumindo características particulares que, por razões diversas, o vem separando da variedade europeia da língua portuguesa, nomeadamente no que respeita ao plano lexical. Se tomarmos o kimbundu, uma das línguas em análise nesta investigação, facilmente observamos que a introdução de termos do kimbundu no português nos mostra uma produtividade significativa da neologia. Na verdade, em Angola, país de diversidade linguística muito expressiva, os empréstimos são abundantes e o contacto entre o português e as línguas autóctones produz novas palavras, com novos sentidos e com novos significados. Uma análise ao português falado em Angola deixa, facilmente, perceber uma quantidade expressiva de novos termos que vão proliferando e, num contexto de interferência do português com o kimbundu, damo-nos conta de novos termos que afloram por força, precisamente, desse contacto. Evidencia- se, assim, que muitos neologismos existentes são provenientes de fatores diversos e que, muitas vezes, têm a ver com aspetos extralinguísticos, nomeadamente com os estatutos profissionais dos falantes, com os graus de instrução escolar dos mesmos, com as interferências geográficas, entre outros.

2. VARIAÇÃO LEXICAL: OS ANGOLANISMOS

Neste estudo, pretendemos observar que nos neologismos existentes e na variação lexical daí decorrente, encontramos, para além de marcas linguísticas específicas, um verdadeiro retrato social, abarcando diferentes áreas da vida quotidiana: da economia à política, à tecnologia, à faixa etária e, assim, sucessivamente. A renovação lexical é muito profícua, na medida em que ilustra, de maneira evidente, as transformações pelas quais o sistema de valores partilhados por um grupo passa no seio do social. A partir do momento em que o neologismo é criado adquire um uso

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generalizado, a ponto de ser um vocábulo disponível para muitos falantes, que o difundem de forma consciente. Deste modo, por vezes, ocorre a desneologização, isto é, o seu impacto de novidade lexical simplesmente se dilui na complexidade de unidades lexicais correntes ou dicionarizadas. Para tal, não basta que o falante crie o neologismo, pois, para se tornar acervo lexical, o vocábulo tem de ser usado por representação significativa, ser difundido e percebido pelos interlocutores (cf. Chicuna, 2014). O processo de inserção de vocábulos em Angola é, todavia, ainda incipiente. A imprensa, a música, as mensagens religiosas e as escolas (nomeadamente superiores) vão catalogando alguns termos. Na verdade, também não se conhece a produção regular de dicionários. Acresce que as contribuições das línguas angolanas para o português se estendem às criações diárias no linguajar que transcendem os vários estratos sociais, sendo que a neologia se realiza por extensão semântica, por empréstimo, por abreviação vocabular, pelo recurso à formação de uma sigla, por acronímia ou por onomatopeia.

Na neologia formal, as palavras novas surgem, entre outros recursos linguísticos, por meio de siglas (ANANGOLA - Associação dos Naturais de Angola - ANA, palavra da língua kimbundu que significa filhos/filhas); por meio de onomatopeias (burrutar - verbo onomatopaico: imitação do som ao mastigar alimentos como o milho, mandioca, batata-doce, cenoura, cujo som é burrutu, burrutu…ex. Estás a burrutar isto há muito tempo); vuzar (verbo onomatopaico: fazer algo rápido e mal, do kimbundu Ku vuza, arrancar); buzumunar (verbo onomatopaico: cair repentinamente - ex: Ela caminhava firmemente quando de repente ouvimos bhuzú, caiu no buraco) e por meio de truncações (Angopesca - pesca de Angola). De sublinhar que muitos vocábulos caem em desuso e outros adquirem novas aceções. A criação de neologismos é um instrumento inovador e, na tentativa de inovar ou de afastar a pressão profissional, muitos técnicos produzem expressões inéditas, criando termos equivalentes aos dicionarizados e causando muita curiosidade ao falante. Nos centros hospitalares, por exemplo, ouvimos e lemos expressões do género: fígado cirrotizado (fígado com cirrose); cirrotização hepática (cirrose hepática); medicalização (medicação); dor na topografia do braço (dor na área do braço); “O paciente internou” (está internado); entre outros. Também, em muitas unidades hospitalares e em algumas literaturas médicas, presenciam-se vocábulos que merecem a atenção de um linguista. Na comunidade médica, as patologias são denominadas pelo recurso a expressões em kimbundu ou de explicações com o recurso a vocábulos da língua portuguesa: mbuku (deficiente dos membros); mortelado (mutilado/amputado); apanhar pica (tomar injeção); tirar chapa (exame de radiologia, raio x); escandamento/esquentamento (gonorreia, devido à sensação de aquecimento do órgão); marreco (corcunda); jiba (inflamação no processo cifóide, caixa toráxica); cortar a kinhunga ao kinhungueiro (circuncisão, corte do prepúcio); cabotomessu (conjuntivite);

jogar (menstruar); criança febrada (febril); katumbo (degeneração dos vasos capilares, cabelos encaracolados).

Um dos nossos propósitos neste estudo consubstancia-se, então, em apresentar termos angolanos que se vêm usando no quotidiano ambundu. A recolha destes ilustra uma língua em expansão fora do próprio território nacional: bancarização - pagamentos de salários por via dos bancos comerciais; biateiro - ponta de lança no futebol que está sempre pronto a marcar golos; camundongo/camundonga – cidadão/cidadã natural de Luanda e residente numa outra cidade angolana. Há, igualmente, expressões, cujos significados foram idiomatizados e, mesmo conhecendo a língua, a sua decifração é diatópica:

Ex.1 - Esta moça manda pacote. (Refere-se às nádegas avolumadas).

Ex. 2 - Ele deu uma perfeita rosca. (Colocou a bola no lado mais distante da baliza, sem hipóteses de defesa do guarda-redes).

Ex.3 - O professor tirou voado. (Saiu apressadamente, sem ser notado).

Ex.4 - No interior do táxi, os passageiros têm de emagrecer. (Apertarem-se, para que todos caibam no assento).

O kimbundu é, deste modo, reconhecido como a língua autónoma no seio dos seus falantes e que muito têm reclamado para a sua hegemonia no contexto nacional. Nas variantes do kimbundu, nem sempre se descortinam as semelhanças. A variante Songo é um exemplo disso. Alguns estudiosos, por desconhecerem a estrutura funcional desta língua, colocaram-na no âmbito do domínio das variantes do kimbundu, embora, grosso modo, a intercomunicação entre ambas não seja impossível, porquanto um falante ambundu não descodifica aquilo que o falante BaKimbundu codifica, conforme podemos exemplificar: Wamuya Kwebi? (Estás a ir onde?). Este mesmo enunciado, em songo, reportar-se-ia: Ibi Kuya Kwahi? – pequenas alterações no código, impercetíveis para o falante do kimbundu.

De registar, no entanto, que, fruto do processo colonial, há imensos termos do kimbundu presentes no Português do Brasil (PB), nomeadamente nos domínios da botânica, das ciências, da religião, da culinária, entre outros: batuque (instrumento de percussão utilizado em cerimónias pagãs ou festivas; sessão do candomblé baiano ou de macumba carioca, ou do xangô pernambucano; junção da expressão do kimbundu "bu atuka" (onde salta); bobó (do kimbundu mbombo ou bombó; duro, seco, ressequido; mandioca fermentada ou posta de molho (bombeca do verbo bombecar) para produzir fuba. Verbo aportuguesado: bombecar); bunda (nádegas - do kimbundu mbunda); capanga (bolsa pequena que se usa do pescoço diagonalmente às costas, tiracolo. Significa também guarda- costas. Do kimbundu kapanga - apertado entre o sovaco. Tática aplicada na luta livre, logo kapanga

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é um lutador. Entre os ambundu é comum a expressão “meter na kapanga, ou, kafricar”.); cochilo (ato de cochilar; dormitar. Do kimbundu kukoxila – cabecear); farofa (farinha de mandioca torrada com gordura e, às vezes, ovos); gingar (bambolear, saracotear-se. Do kimbundu Kujinga- passear, rodopio de ancas); moleque (menino de pouca idade. Do kimbundu muleke); quitanda (pequeno estabelecimento para vender frutas, legumes, cereais; praça, feira, pequeno mercado. Termo do kimbundu kutanda - ir para longe); xingar (proferir insultos. Do kimbundu kuxinga - injuriar, ofender). Na verdade, a história do tráfico negreiro fez com que o kimbundu se introduzisse no contexto latino-americano, sendo, todavia, alguns termos, por força da cristianização, alterados na sua tradução para a língua portuguesa.

3. ESTUDO EMPÍRICO

A metodologia de recolha dos dados para a análise é suportada por dados fornecidos por um inquérito mobilizado para fins estatísticos (Ferreira, 1987), assente em dados de identificação pessoal, de caracterização de influências sofridas ao longo do percurso social e de avaliação do nível de aquisição das quatro competências fundamentais (ouvir, falar, ler e escrever).

3.1. Apresentação e tratamento de dados

Identificação

Sexo: Masculino 100 Sexo Feminino 50

Idades Amostra (Frequência) 18-20 15 21-30 35 31-40 45 41-50 50 51-70 ---- Acima de 70 anos 5