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LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Rafaela Cota da Silva

TWO LANGUAGES AND TWO INTERLANGUAGES? PORTUGUESE INTERFERENCE IN PORTUGUESE SIGN LANGUAGE

2. LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

2.1. Língua Gestual Portuguesa ou Língua de Sinais Portuguesa?

O estatuto de língua natural da Língua Gestual Portuguesa (LGP) é corroborado pela existência de universais linguísticos, ou seja, pelo facto desta língua possuir propriedades linguísticas comuns às outras línguas. Apesar das ainda moderadas investigações neste idioma, a primeira obra que se evidenciou pela abordagem aprofundada às propriedades estruturais da LGP conta com cerca de 25 anos (Amaral, Coutinho & Martins, 1994), o que, comparado com os estudos realizados na Língua Portuguesa (LP), parece incipiente face à antiguidade da língua maioritária. No entanto, ao consultarmos o estudo de índole histórica de Carvalho (2007), constatamos a

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existência de fontes documentais longínquas, referentes às pessoas surdas e à sua língua, que remontam ao 5.º milénio antes de Cristo. As línguas gestuais surgiram no seio de comunidades de surdos e a LGP não é exceção, o que vem confirmar a tese de que é uma língua natural.

Além desta caraterística, Amaral, Coutinho & Martins (1994, pp. 37-44) enumeram as evidências linguísticas da LGP, como: a predominância de signos arbitrários, convencionados pela comunidade linguística, diferente de país para país; a LGP é um sistema linguístico regido por regras de estruturação e organização; a existência de propriedades como a criatividade e a recursividade; a contrastividade da língua e a existência de pares mínimos; a dupla articulação também existe na LGP; adquire-se de forma natural num ambiente linguístico propício; é um sistema linguístico em constante evolução e renovação; possui dialetos, apresentando diferenças lexicais, principalmente entre os territórios sul e norte do país (Santos, 2015).

Não obstante a existência dos universais linguísticos, a LGP, como qualquer outra língua gestual, possui caraterísticas exclusivas das línguas de modalidade visual, como a simultaneidade (gestual) na emissão de enunciados, “o uso do espaço e a organização e a ordem daí resultantes” (Amaral, Coutinho & Martins, 1994, p. 42). É uma língua de expressão manual e receção visual, podendo recorrer a signos icónicos e unidades suprassegmentais organizadas pela querologia em alternativa à fonética e fonologia, pela inexistência de unidades mínimas sonoras. A querologia surge da etimologia grega, cuja raiz Khiros se refere a mão, sendo constituída por 5 queremas básicos, como a configuração manual, a localização da mão, a orientação das mãos, o movimento e a expressão não-manual (ENM) (Correia, 2020; Stokoe, 2005).

Apesar da denominação Língua Gestual Portuguesa ter começado a ser utilizada em Portugal, estudos recentes de Correia & Custódio (2019) e Correia (2020) questionam a terminologia até então aplicada. Os argumentos expostos são: o facto de nos registos portugueses do século XIX referentes a esta língua se utilizar o termo signaes; a terminologia mundial de outras línguas de comunidades de surdos se basear no termo sinais1; e a existência do signo linguístico. Além destes indícios da terminologia patente ser a sugerida por estes autores, avançam ainda com a indagação de que o termo gestual é ambíguo, na medida em que se pode referir a gestos sem valor linguístico ou expressões corporais ou faciais de reação inata dos seres humanos, sem a associação significado-significante. Pelos motivos apresentados por estes autores, iremos usar a designação Língua de Sinais Portuguesa (LSP) ao longo deste artigo.

1 Langue des Signes Française, Lengua de Signos Española, Lengua de Signes Catalana, Lingua Italiana dei Segni e, em

2.2. LSP enquanto língua minoritária

O território nacional é caraterizado pela coexistência de diferentes línguas que estão permanentemente em contacto e em evolução. Portugal apresenta uma língua utilizada pela grande maioria da população nativa, a Língua Portuguesa. No entanto, através da Lei 7/99 de 29 de janeiro o Mirandês, apesar do número reduzido de pessoas que o usa, foi reconhecido como língua do país, passando assim a reconhecer-se a existência de duas línguas. Anteriormente a essa data, em 1997, já a Língua Portuguesa de Sinais havia sido reconhecida na Constituição da República Portuguesa “(…) enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades” (Constituição da República Portuguesa, artigo 74, h) não sendo, porém, considerada uma língua oficial.

Apesar das inúmeras diferenças entre o Mirandês e a LSP há uma caraterística que é comum, nomeadamente o facto de ambos os idiomas serem consideradas minoritários. Nos seus estudos sobre línguas minoritárias, Nardi refere que “é considerada minoritária a língua falada por um grupo de pessoas num país que tem uma língua nacional diferente” (2003, p. 1). Por sua vez, a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias diz-nos que para uma língua ser considerada minoritária esta tem que ser utilizada “num determinado território de um Estado por nacionais desse Estado que constituam um grupo numericamente inferior à restante população do mesmo Estado” e acrescenta ainda que o estatuto de línguas minoritárias requer que estas “sejam diferentes da(s) língua(s) oficial(is) desse Estado” (1992, p. 2). Todavia, contrariamente ao que acontece com o Mirandês cuja comunidade de falantes habita num espaço geográfico limitado e definido, a comunidade de falantes de LSP, comunidade surda2, encontra-se espalhada por todo o território nacional. Esta particularidade faz com que a LSP apresente variações linguísticas regionais entre diferentes zonas do país, ou seja, dialetos que se caraterizam por serem usados pela população surda que reside em território nacional, mas em áreas pequenas e geograficamente afastadas. Efetivamente, a população surda forma uma comunidade linguística minoritária que utiliza e partilha uma língua de sinais, valores e hábitos culturais e modos de socialização próprios (Skliar, 2004).

As línguas minoritárias encontram-se sempre em contacto com uma língua maioritária, mas esta relação não se baseia apenas na mera convivência, depende também da forma, intensidade, regularidade e contexto em que acontece esta coabitação. Na realidade, sabemos que a “língua não dominante com menor representação e representatividade cujo desenvolvimento pode ser ameaçado” (Ferreira & Martins, 2017, p. 185) e que isso, por si só, representa uma barreira na

2 A comunidade surda não é constituída exclusivamente por pessoas surdas. Desta comunidade fazem parte todas a pessoas que conhecem e utilizam a LSP como forma de expressão e comunicação, nomeadamente intérpretes de LSP, docentes de ensino especial e familiares de pessoas surdas.

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expansão e nível de expressividade, neste caso, da LSP. Neste sentido, podemos afirmar que as línguas minoritárias são suscetíveis de sofrerem influência da língua maioritária e que tal pode ser refletido nas progressivas mudanças do uso e produção da LSP e possíveis consequentes alterações linguísticas fruto dessa contaminação oriunda da língua maioritária. Na realidade, podemos perspetivar a “língua franca3, qual plana invasiva que esgota o substrato o húmus comum, debilita a língua minoritária (…)” (Roberto, 2017, p. 163) cabendo então aos utilizadores da língua minoritária a tarefa de a retirar da clandestinidade e dignificá-la enquanto língua minoritária.

Por outro lado, surge uma questão relevante e de certo modo importante para as línguas minoritárias e que se relaciona com o prestígio. Num país com uma língua oficial e maioritária onde coexistem línguas minoritárias é difícil que a sociedade tenha o mesmo olhar e consideração perante as línguas diferentes da dominante. As barreiras que são travadas por uma língua minoritária podem ser penosas na medida em que há uma necessidade constante de afirmação linguística bem como uma luta para que o reconhecimento do estatuto de língua seja efetivo.

O facto da modalidade da LSP ser distinta da LP (visuo-manual vs oro-auditiva) faz com que muitas pessoas encarem a primeira língua como sendo uma produção desregrada de sinais que não obedecem a critérios exigidos pelas línguas. Esta errada perspetiva resulta num desprestígio desta língua minoritária e que, consequentemente, poderá levar a constrangimentos na sua promoção e divulgação na sociedade. Todavia, tal como a Língua Portuguesa, a LSP, apesar de ter um número menor de falantes, é uma língua viva que perante as novas realidades sociais se encontra em constante mudança, evolução e adaptação, realidade que é possível identificar através da constatação do uso de novos vocábulos que são frequentemente introduzidos na língua.

Tradicionalmente, a LSP era transmitida de geração em geração através do uso dos sinais e do contacto entre pessoas surdas mais velhas e mais novas, interações essas que aconteciam em contexto formal nas escolas ou num contexto informal através de convívios, palestras, encontros e outras atividades que se desenrolavam no seio da comunidade surda. Apesar de minoritária, a LSP apresenta diferentes registos linguísticos que são comuns às línguas maioritárias e que podem ser poesia, romances e contos (Ferreira & Martins, 2017).

A necessidade de preservar a língua fazia com que o recurso ao registo em vídeo fosse uma ferramenta extremamente utilizada pela comunidade fazendo assim com que ao longo dos anos fosse possível visualizar registos dos sinais. No entanto, quando falamos de línguas minoritárias e da importância da sua afirmação perante a maioria, percebemos que há necessidade de recorrermos a novos usos, nomeadamente a escrita, registo que permite consolidar a estrutura da língua bem

3 Por língua franca entendemos a língua que serve de contacto entre povos que usam línguas diferentes. Neste contexto, entenda-se como língua maioritária ou dominante.

como torná-la perene. De realçar a existência do sistema de escrita das línguas de sinais, o Signwriting4 que apesar de já ser um recurso utilizado em Portugal necessita, indubitavelmente, de mais divulgação e promoção bem como de uso efetivo assente em bases estruturadas e sólidas de conhecimento.

Nas sociedades modernas, as novas tecnologias assumem-se como uma ferramenta fundamental na promoção e divulgação das línguas minoritárias (Ferreira & Martins, 2017). É inegável o valor e a importância que assumem hoje em dias as diferentes plataformas online bem como grupos de partilha nas redes sociais onde é possível haver troca de informações, conhecimentos e esclarecimentos sobre a língua. No que diz respeito à LSP, este instrumento de partilha e interação linguística é constantemente utilizado o que contribui também para um maior conhecimento das variações dialetais, bem como para uma mais rápida apropriação e divulgação de novo vocabulário.

3. INTERFERÊNCIA LINGUÍSTICA: PORTUGUÊS – LÍNGUA DE SINAIS