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2. CAPÍTULO I:

3.4 Estudantes cotistas em cursos superiores

Muitos estudos feitos sobre ações afirmativas, envolvendo cotas para estudantes de cursos superiores, apresentaram resultados contrários às mais baixas expectativas de êxito acadêmico por parte de estudantes que ingressaram por meio de alguma forma diferenciada de acesso. De acordo com os resultados da dissertação de Stroisch (2012), os estudantes que mais evadiram, no período de 2009 a 2010, foram aqueles que não dependiam do sistema de cotas100, não havendo, dentre os programas destinados à permanência, nenhum específico para estudantes cotistas.

As ações de permanência e êxito envolveram basicamente três linhas de ação: apoio acadêmico em face das demandas de situação de baixa renda, apoio acadêmico voltado para atendimento pedagógico, e atenção à formação político social do acadêmico. […] O Campus São José priorizou o auxílio transporte e as bolsas de estágio interno (assim denominadas as bolsas de iniciação científica promovidas pelo campus). A partir de 2011, com a regulamentação do Programa de Assistência estudantil pelo IFSC-SC os recursos foram ampliados e o Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social foi implantado, aumentando o número de alunos beneficiados. […] Dentre as ações de apoio acadêmico voltado para o atendimento pedagógico, são previstos dois programas: atendimento paralelo oferecido pelos professores, e as bolsas de monitoria. […] Nas ações de formação político-social do acadêmico, foram abertos editais internos de pesquisa e, concedidas bolsas de iniciação científica, assim como alguns projetos culturais e científico-tecnológicos foram desenvolvidos (STROISCH, 2012, p. 196).

Com relação ao ingresso de estudantes cotistas em cursos superiores, Nascimento (2015), apresenta em sua pesquisa, “As cotas na medicina: perfil, desempenho e percepções”, dados dobre trancamentos, afastamentos definitivos e reprovações que confirmam, em dado momento, maior saída de estudantes cotistas de cursos considerados mais acessíveis por sua menor procura que em cursos mais concorridos, como o caso dos cursos de História e Medicina, respectivamente. Suas conclusões afirmam que “os estudantes cotistas têm resultado similar aos não cotistas, 100 Ressalta-se que os estudos realizados foram feitos no segundo semestre de 2009, primeiro e segundo semestres de 2010, antes da Lei n. 12.711/2012, dessa forma o Campus pesquisado, apresentava como ação afirmativa uma política de reserva de vagas de 60%, distribuída em 50% das vagas para alunos de escola pública e 10% para alunos negros.

apesar de características socioeconômicas inferiores” (idem, 2015, p. 5). E ainda:

O que ocorre, mesmo com as políticas de inclusão101, é que a escolha

do curso também é uma estratégia objetivamente definida diante da impossibilidade financeira de realização do curso originalmente pretendido. A escolha por cursos expressa a perspectiva gerada pelo candidato sobre o campo de possibilidades individuais. Cursos de menor prestígio social são mais facilmente acessados, uma vez que a relação candidato/vaga e as notas de corte são menores se comparadas aos cursos prestigiados. Isto explica porque cursos como Medicina, Odontologia e Direito, a despeito da implantação das cotas, permanecem sendo ocupados por detentores de certos privilégios. Embora ocupantes das vagas sejam estudantes de escolas públicas, são os melhores estudantes das melhores escolas públicas, ou, no caso das cotas raciais, alguns dos poucos alunos negros das escolas particulares (idem, p. 175-176).

Outras conclusões são apresentadas pelas pesquisas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar): os resultados alcançados pelos estudantes que entraram por ações afirmativas foram tão bons quanto àqueles que não dependeram desse sistema, conforme nos apresenta o professor Pedro Ferreira Filho, do Departamento de Estatística da UFSCar, divulgado em 09 de abril de 2015 pelo youtube:

Um outro resultado que consideramos importante que nós temos observado no trabalho que a gente desenvolve é a questão do impacto no desempenho acadêmico dos alunos a partir da adoção do programa de ações afirmativas. No nosso ponto de vista, há um a falsa impressão que com a adoção do Programa de Ações Afirmativas haveria um decréscimo do desempenho dos alunos ao longo do seus diferentes cursos na Universidade. Os resultados que a gente tem observado no nosso projeto, levam exatamente à conclusão contrária, ou seja, o desempenho dos alunos que ingressam na Universidade por meio das

101 É interessante observarmos que as análises de Nascimento (2015), acerca da percepção da condição de cotista, é pouco considerada pelos próprios estudantes que adentraram o curso de medicina da UERJ: “quando os alunos da faculdade de Medicina foram entrevistados, chamou atenção a dificuldade que demonstraram em se identificar com a condição de cotistas. A mesma dificuldade foi observada em verem tal acesso como uma conquista de classe. Ao se referirem às suas oportunidades de atingir o curso superior, as cotas não são destacadas como substanciais, mas como catalisadoras de uma realidade já garantida. Estigma ou preconceito não foram relatados como problemas para estes estudantes no universo da faculdade de Medicina. Mesmo nas situações em que ocorreram discussões sobre o tema, posicionamentos hostis e piadas, tais oposições não eram diretamente assumidas porque os alunos pareciam se apoiar na convicção de que não precisariam das cotas, embora tenham feito uso delas, e muitas vezes compartilhavam das críticas. […] Estes alunos não valorizam as cotas porque o alcance da sua credencial não pode ser diminuído pelo fato do uso das cotas. As cotas, normalmente, são vistas como um acesso facilitado a determinado patamar, e o aluno de Medicina teme que sua conquista seja vista na forma de uma “credencial ajudada”. Para não correr este risco, ele muda de lado e passa a condenar as cotas” (p.176-177).

ações afirmativas, o desempenho deles é tão bom ou tão eficiente quanto dos alunos da chamada concorrência geral, ou seja, os alunos que não dependem das ações afirmativas para ingresso.

As pesquisas acima apresentam características interessantes ao estudo de cotas. Ambas concluem pelos aspectos positivos relativos ao êxito de estudantes cotistas, no entanto, são pesquisas com marco temporal distinto. A pesquisa de Stroisch (2012) trata de ações afirmativas antes da atual legislação sobre cotas na educação, enquanto a pesquisa da UFSCar compreende resultados antes e depois da lei de cotas.

Nesta mesma direção, declarou102 o pró-reitor de graduação da UFMG, Ricardo Takahashi:

Está no imaginário da sociedade que os alunos cotistas terão grande dificuldade acadêmica, mas na UFMG ocorre exatamente o contrário. Desde 2013, temos recebido estudantes que entram por meio de cotas, e a surpresa foram as notas de corte desses alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), maiores do que as dos alunos que entraram sem as cotas, antes dessa lei. O Sisu causou uma enorme elevação na competitividade, quadruplicando o número de candidaturas às vagas da UFMG. Os cursos que eram pouco concorridos, com média de dois candidatos por vaga, hoje têm pelo menos 13 candidatos por vaga. Assim, mesmo os estudantes cotistas que entram nesses cursos tendem a ter um desempenho melhor do que os que não eram cotistas antes da aplicação da Lei (ARAÚJO, 2015).

De acordo com a entrevista, “os candidatos cotistas que ingressaram na UFMG desde 2013 alcançaram notas de corte mais elevadas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do que os estudantes que entraram antes da aplicação da Lei de Cotas” (ARAÚJO, , 2015).

Embora o delineamento das pesquisas acima se paute no resultado acadêmico de estudantes cotistas, muitas são as críticas dirigidas à etapa que antecede a graduação. Afirma Brandão (2005):

Somente depois de um amplo debate com a sociedade, que tenha como resultado um posicionamento claro, explícito e inequívoco de que essa mesma sociedade aceita transferir para a educação superior não só os novos ônus pedagógicos e financeiros resultantes dessa opção política e social, mas, principalmente, uma das principais funções da escola de ensino fundamental e médio: a preparação adequada dos seus estudantes para o acesso ao ensino superior, como resultado direto de um ensino de qualidade (BRANDÃO, 2005, p. 9).

102 Notícia veiculada pelo site https://www.ufmg.br/online/arquivos/041558.shtml, quinta-feira, 31 de dezembro de 2015. Acessado em 07/11/2016.

Se por um lado tem-se a crítica ao sistema de ingresso (ainda que os resultados demonstrem o inverso das proposições mais fatalistas), por outro temos a questão da permanência e o êxito a serem melhor investigados. Outra questão, Brandão (2005) apesar de não tratar da reserva de vagas na perspectiva da lei atual, apresenta o debate sobre o prisma da educação básica que, por sua vez, suscita a discussão sobre os anos de escolarização anteriores ao ensino superior. Dessa maneira poderíamos nos perguntar se no âmbito da educação integrada, o ensino propedêutico, articulado à formação técnica, tem preparado os estudantes para ingressarem nos cursos superiores, e se, nesse ponto, a educação básica tem cumprido seu papel ou se tem relegado a um programa de cotas uma de suas funções103.

A questão suscitada não tem por objetivo dicotomizar um debate a favor ou contra a lei de cotas, uma vez que o direito prevalece mediatizado pela normatização que o institui e regulamenta. Primamos, portanto, em estabelecer em nossa pesquisa uma constante reflexão sobre a política de cotas (e o papel dos diversos atores sociais que participam do processo educacional) e as relações de poder - ou em disputa de poder - que caracterizam a sociedade capitalista.

Estabelecemos, pois, como questão central dessa pesquisa os efeitos da Lei de Cotas sobre o universo escolar do IF Sudeste MG Campus Muriaé, buscando compreender seus impactos sobre o acesso e permanência dos estudantes do curso integrado ao ensino médio, Agroecologia.

103 Reiteramos o papel da educação básica apresentado, anteriormente, pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, art. 22.

4 CAPÍTULO III

A POLÍTICA DE COTAS SOB O OLHAR DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Neste capítulo trataremos da pesquisa a partir da abordagem qualitativa, uma vez que esta melhor responde às questões postas ao pesquisador em seu processo investigativo. Salientamos que foi um trabalho de imersão, dada a posição privilegiada do pesquisador enquanto profissional da instituição em que foi realizada a pesquisa.

Apresentamos, nessa etapa, os dados obtidos da análise documental; entrevistas e aplicação dos questionários, relacionando-os com estudos bibliográficos (revisão de literatura) e aplicação do método de análise a Análise de Discurso Crítica (ADC) de Norman Fairclough. Enfim, objetivamos compreender o desdobramento da política de contas no quotidiano escolar (instituída oficialmente nas instituições federais de ensino pela Lei 12.711/2012 e alterada pela Lei 13.409/2016) a partir do olhar dos estudantes egressos, professores e profissionais da educação que se relacionaram diretamente com os discentes envolvidos.