• Nenhum resultado encontrado

2. CAPÍTULO I:

3.1 O papel da escola na sociedade capitalista

A educação não é uma invenção da natureza, mas processo fruto da racionalização para a sobrevivência da espécie humana e que por isso os conhecimentos “necessitam ser preservados e transmitidos às novas gerações no interesse da continuidade da espécie” (SAVIANI, 2005). Ou seja, é pelo ato educativo – atividade intelectual - que se perpetua a atividade mecânica (braçal), sendo a educação fruto primeiro do trabalho. Nesse sentido, o trabalho intelectual não se separa trabalho manual. “Em qualquer trabalho físico, mesmo o mais degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora” (GRAMSCI, 2001, p. 17).

Com o advento da sociedade capitalista84, as escolas, dentre outras instituições, passam a exercer importante papel para a formação dos trabalhadores necessários à indústria em franca expansão. Analisar o papel da escola é um processo amplo e complexo. Preocupamo-nos aqui em retratar o papel dessa instituição, suas intercorrências na formação das classes sociais, a partir do ingresso mediatizado por política de cotas, uma vez que a luta pela ampliação do acesso à escola pública passa a ser o mote dos movimentos sociais em suas múltiplas representatividades históricas. Não se trata de historicizar o surgimento das escolas, mas demarcar o contexto em que elas se tornam palco de embates ideológicos85, tanto reprodutivistas quanto emancipatórios incluindo a compreensão do que significa a expressão “qualidade”, tão alardeada nos discursos da atualidade.

É nesse contexto que imprimimos o tom ao debate sobre o ingresso através da reserva de vagas pela Lei nº 12.711 (ratificado pela Lei 13.409/2016). O que existia 84 O surgimento das escolas, seu papel “dualista”, remete às formas de educar tanto às elite quanto a

classe trabalhadora.

85 Iniciar a investigação histórica sobre o papel da escola permite avaliar sua metamorfose a partir do advento das ideias liberais (postas como doutrina legitimadora da sociedade capitalista) que, por sua vez, submete a educação formal à condição de instrumento de reprodução da ordem, haja vista que “Nenhum Aparato Ideológico de Estado dispõe durante tantos anos de audiência obrigatória” (ALTHUSSER apud ENGUITA, 1980, p. 147). A crítica presente denuncia a subserviência do aparelho educacional estatal aos interesses do Estado Burguês. A escola retratada por Enguita (1980) apresenta um papel conservador e reprodutivista, mantenedora dos interesses da elite burguesa ao formar alunos num modelo de doutrinação e cooptação ideológica ao mesmo tempo em que domestica o corpo. O trabalhador formado nesse contexto, dócil ao sistema que o cria, serve, dentre várias formas de exploração, de reposição à força de trabalho, pressão na cadeia produtiva diante da iminência da substituição, à capacitação constante como forma de responder às pressões do mercado, individualista por concorrência de ser mercadoria em circulação.

antes da norma eram ações isoladas sobre ações afirmativas pautadas nas decisões dos conselhos das próprias universidades ou instituições de ensino86, a partir da regulamentação, as instituições educacionais tiveram de se reorganizar para a entrada por portas diversificadas, ricocheteando no modelo de educação até então defendido pelas instâncias liberais conservadoras: a meritocracia como virtude da excelência acadêmica.

Considerando que a dominação não se faz unicamente pela coerção, mas, principalmente, pela conquista do consenso - tendo como um dos meios o ajustamento de políticas compensatórias (meio de apaziguar conflitos e amenizar o incandescimento dos movimentos de enfrentamento das camadas populares) – verificamos que a escola é um dos aparelhos mais eficazes, utilizados pela classe dominante, para disseminar ideias que, a curto ou longo prazo, acabam por reverberar na sociedade “que a educação escolar é um meio eficaz e disponível para que as pessoas possam melhorar sua posição na sociedade” (CUNHA, 1980, p. 27). A estratégia ideológica87 que se apresenta é a propagação da educação escolar como principal agente da “transformação” social – sem, contudo, que se altere as bases do sistema capitalista.

Por outro ângulo, se considerarmos que a educação escolar “é um meio eficaz e disponível”, logo estaríamos concluindo que a educação que se apresenta na atual conjuntura é, de fato, suficiente para atender às necessidades formativas de que nos fala o artigo Art.22. “A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (LDB 9.394/96) e, no mais, que a sua disponibilidade seria irrestrita, estando disponível a toda sociedade. Porém, se assim fosse não haveríamos de discutir temas como qualidade, direitos educacionais, acesso e permanência, políticas sociais e cotas, afinal, todos estariam caminhando sem percalços para que “possam melhorar sua posição na sociedade”.

Por conseguinte, os aspectos fundamentais (desenvolvidos pelos autores a quem 86 Os recursos utilizados pelas instituições públicas de ensino variavam entre sistemas de bonificação ou cotas. Cf. FERES Júnior, João; DAFLON, Verônica; RAMOS, Pedro; Miguel, Lorena; O impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais. Levantamento das políticas de ação afirmativa (GEMAA), IESP-UERJ, setembro, 2013, p. 1-34.

87 A ideologia de que a educação bastaria por si só para suprimir as desigualdades postas pela ordem econômica se apresenta através de discursos que escamoteiam a realidade da sociedade de classes. Ao migrar para o campo da educação a possibilidade de superação das desigualdades, o discurso liberal acaba por responsabilizar o indivíduo por seu sucesso ou insucesso, ao mesmo tempo em que desonera o Estado de suas obrigações sociais.

nos referenciamos) buscam, ao mesmo tempo: desconstruir o mito da educação salvacionista, sem, no entanto, descartar o papel da educação escolar no processo de transformação social; apresentar a política de cotas como resultante de um movimento de luta pelo reconhecimento do direito das minorias, problematizando seus avanços e percalços à luz da dialética; contextualizar o acesso e a permanência através do olhar dos atores participantes.