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dos Estudos Afro-Americanos

No documento Projeto UNESCO no Brasil: textos críticos (páginas 150-154)

Kevin A. Yelvington*

Resumo

Está claro que na História e na Filosofia da Ciência já não podemos mais nos conformar com as abordagens puramente “internalistas” e “ide- alistas” que enfocam exclusivamente as idéias como paradigmas cientí- ficos. Ao mesmo tempo, o recurso a um “externalismo” que prioriza o contexto social incorre no perigo do reducionismo. Por outro lado, uma abordagem das instituições dedicadas à Ciência Social rende dividen- dos epistemológicos e pragmáticos. As vantagens de uma tal posição são as seguintes: instituições podem ser concebidas como locais de media- ções onde se exprimem contradições dialéticas. A partir daí podemos sustentar uma preocupação com mecanismos causais em vários níveis para explicar a forma e a natureza das próprias instituições, ao passo que podemos compreender produtos particulares, tais como tratados de Ci- ência Social, trabalhos programáticos e descritivos, como portadores de uma história e de uma existência próprias. As idéias da Ciência Social, portanto, não têm de ser vistas como meras decorrências ou conseqüên- cias de sistemas conceituais no interior da Ciência. Dessa forma pode- mos sustentar uma preocupação com a explicação em paralelo a uma

perspectiva provavelmente mais consoante à Antropologia, para a qual as preocupações dos atores com a estruturação das instituições, sua orga- nização e a manutenção das fronteiras disciplinares são trazidas para o primeiro plano e se tornam partes da explicação dos resultados caracte- rizados como Ciência Social. Neste artigo, lanço um olhar sobre a expe- riência do antropólogo norte-americano Melville J. Herskovits (1895- 1963) e suas tentativas de constituir os Estudos Afro-Americanos como uma subdisciplina da Antropologia (e mais que isso). Começo por dis- cutir o envolvimento de Herskovits na década de 1920 com a Antropo- logia Física da “raça” nos Estados Unidos, através de um financiamento do Conselho Nacional de Pesquisa (National Research Council), assim como suas tentativas frustradas de assegurar financiamento para um projeto de pesquisa amplo sobre o “negro do Novo Mundo” nesse pri- meiro momento. Demonstro como Herskovits foi mantido à margem do estudo da Carnegie Corporation, “o negro na América”. Em seguida passo à sua atuação como diretor do Comitê de Estudos do Negro (Committee on Negro Studies) no Conselho Americano das Sociedades Letradas (American Council of Learned Societies) na década de 1940, seu papel na curta vida do Instituto de Estudos Afro-Americanos (Institute

of Afroamerican Studies) no México, e o bem-sucedido estabelecimento

do Programa de Estudos Africanos (Program of African Studies) na Uni- versidade do Noroeste, em 1948. Embora mantivesse um longo envolvimento com antropólogos brasileiros e tivesse feito trabalho de campo no Brasil entre 1941 e 1942, Herskovits não estava diretamente envolvido como investigador no Projeto UNESCO. Ainda assim, ele exerceu uma considerável influência em termos de sua perspectiva an- tropológica e de suas recomendações acerca da equipe de pesquisa. Uma questão permanece, no entanto: por que Herskovits não esteve mais diretamente envolvido no projeto?

Introdução

Foi obviamente Foucault quem primeiro apresentou o argumento de que a produção intelectual não é o resultado da lida do heróico cien- tista individual, nem o resultado do imutável ego cartesiano, mas, ao

contrário, como todo o resto, a produção intelectual é o resultado da vida social coletiva. O que torna a produção intelectual possível não é tanto o talento e a originalidade de intelectuais individuais mas sua habilidade de seguir regras tão sedimentadas que se tornam inconscien- tes, sendo tomadas como dadas por aqueles que são iniciados e autoriza- dos, e que exercem suas atividades sob sua égide. Apontar essas regras era para Foucault o primeiro e crucial passo para expor o edifício ideoló- gico da produção intelectual; investigar as regras do estabelecimento dessas regras, demonstrando a seguir como elas se tornam, na longa du- ração, uma força epistemológica autônoma capaz de ditar vários siste- mas de conhecimento e de abordagens foi o tema central da obra de Foucault como um todo. Para ele, atitudes e discursos tornam-se insti- tuições que vêm incorporar e constituir conhecimento e disciplina. O poder está intimamente envolvido na produção do conhecimento no âmbito dessas instituições, assim como na resistência a formas institucionalizadas de ver que recompensam aquelas consideradas acei- táveis e normais, e punem as tidas como anormais e estigmatizadas. Contudo, não se pode deixar de sentir que ao fim e ao cabo Foucault embarca em uma espécie de “projecionismo”, em que idéias são projetadas sobre instituições, vistas por sua vez como resultantes de idéias, em que essas instituições incorporam discursos da Ciência, do normal, do são, do imoral, do insano, e assim por diante. Essa perspecti- va é consoante aquela do “construtivismo” na Filosofia, na Sociologia e na História da Ciência. “Construtivismo” é a tese segundo a qual toda a Ciência é construída por atores sociais e a Ciência Social deve ser vista como uma força modeladora da realidade. Isso é um tanto mais forte que o “construcionismo social”, no qual os atores sociais constróem seu mun- do utilizando estruturas cognitivas. O construtivismo sustenta que não apenas a forma, mas também os conteúdos da Ciência são construídos socialmente. Isso se associa, por exemplo, com o trabalho de Bruno Latour e Karin Knorr-Cetina.1 O foco é sobre as práticas internas da Ciência, os conflitos, as negociações e soluções entre cientistas que dirigem as ordens conceituais, os fatos e o conhecimento. O construtivismo acarreta um projecionismo no sentido de que a Ciência é vista como o resultado da atuação dos atores em campos científicos. Nesse esquema, pouca atenção

é dispensada às estruturas subjacentes e aos mecanismos causais que de- terminam a forma e o funcionamento de instituições científicas tais como universidades e institutos de pesquisa, associações científicas, agências financiadoras e similares. Não estou afirmando que os construtivistas são rematados idealistas no que respeita à sociedade. Mas eles efetivamente tendem a pensar que a realidade só adquire existência na Ciência nos termos definidos pela própria Ciência. Para eles, há efeitos reais, mas não necessariamente causas reais. Para os construtivistas, causas são definidas pelos sistemas conceituais inerentes a cada Ciência particular.

Está claro que na História e na Filosofia da Ciência já não podemos mais nos conformar com as abordagens puramente “internalistas” e “ide- alistas” que enfocam exclusivamente as idéias como paradigmas científi- cos. Ao mesmo tempo, o recurso a um “externalismo” que prioriza o contexto social incorre no perigo do reducionismo. Apostar em um ou em outro tipo de abordagem, como Bourdieu, entre outros, argumentou, já não é em si mesmo defensável.2 Bourdieu sugere que voltemos nossos olhos para a estrutura da distribuição do capital entre os protagonistas em competição uns com os outros em um “campo” particular, confrontos que são ao mesmo tempo sociais e simbólicos. Essa perspectiva tem mui- to potencial porque uma ênfase na aquisição de capital cultural, social e simbólico abrange as questões das escassas fontes de prestígio, do financi- amento, das posições, da formação e da iniciação dos novos membros da guilda, entre outras, e também o controle sobre as representações sobre o que é a Ciência. Tem a virtude de demonstrar os tipos de competição por recursos endêmicos à chamada “comunidade científica”. Entretanto, Bourdieu não especifica de que maneira, e através de quais mediações, o campo científico está vinculado à totalidade social. Para isso precisamos de uma teoria dialética. E Bourdieu, com sua ênfase na busca pela auto- nomia da prática intelectual — autonomia em relação a considerações e compromissos políticos — não indica o papel da ideologia na representa- ção da prática científica. Por ideologia, entendo aqui uma coleção de re- presentações valorativas — valorativas das práticas de defesa de interes- ses — que são o meio através do qual as disputas por poder e legitimidade são conduzidas, tanto no interior dos campos científicos quanto entre campos distintos, e entre a Ciência e outros setores da totalidade social.

Por outro lado, uma abordagem das instituições dedicadas à Ciên- cia Social pode render dividendos epistemológicos e pragmáticos. As vantagens de uma tal posição são as seguintes: instituições podem ser concebidas como locais de contradições dialéticas e mediações – dialéticas porque as instituições são o local em que se condensam diversos fenôme- nos, e mediações porque elas atuam como ligações de diversas naturezas entre determinadas estruturas. A partir daí podemos sustentar uma pre- ocupação com mecanismos causais em vários níveis para explicar a for- ma e a natureza das próprias instituições, ao passo que podemos com- preender produtos particulares, tais como programas de treinamento e iniciação como graus e títulos, assim como tratados de Ciência Social, trabalhos programáticos e descritivos, como portadores de uma história e de uma existência própria. As idéias da Ciência Social, portanto, não têm de ser vistas como meras decorrências ou conseqüências de sistemas conceituais inerentes à Ciência. Dessa forma podemos sustentar uma preocupação com a explicação em paralelo a uma perspectiva provavel- mente mais consoante à Antropologia, para a qual as preocupações dos atores com a estruturação das instituições, sua organização e a manuten- ção das fronteiras disciplinares são trazidas para o primeiro plano e se tornam partes da explicação dos resultados caracterizados como Ciência Social. Neste artigo, lanço um olhar sobre a experiência do antropólogo norte-americano Melville J. Herskovits (1895-1963) e suas tentativas de constituir os Estudos Afro-Americanos como uma subdisciplina da Antropologia e como um empreendimento científico interdisciplinar, multi e transnacional, de forma a apresentar o contexto do Projeto UNESCO no Brasil, e compreender seu papel no projeto.

No documento Projeto UNESCO no Brasil: textos críticos (páginas 150-154)