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Etapa 4 – Análise dos Dados

4.2 CULTURA E CULTURA ORGANIZACIONAL: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA

4.2.2 Os Estudos Culturais Em organizações

Após a explosão de pesquisas envolvendo o tema cultura organizacional, inicia-se o processo de avaliação, não da qualidade, em si mas das vertentes teóricas que suportam os autores e suas publicações. Neste sentido, a cultura em organizações pode ser inicialmente entendida dentro do modelo proposto e estudado por Smircich (1983). Em sua forma de categorização, as pesquisas em cultura organizacional, podem ser divididas em dois grandes grupos. Segundo esta autora, haveria duas abordagens teóricas. Na primeira abordagem, considerada pela autora como aquele grupo de pesquisadores que concebem a cultura como

uma variável, seja ela dependente ou independente, enquanto o outro grupo entende a cultura

não como variável, mas vêem a própria organização como “culturas”.

Dentro destas perspectivas de Smircich (1983), pensar a cultura como variável, dependente ou independente é possuir uma visão funcionalista e instrumental da cultura

organizacional, assumindo a possibilidade de gerenciá-la, manipulá-la segundo os interesses de cada organização (ALVESSON; BERG, 1992). Ao contrário, abordar a cultura como uma metáfora, é considerá- la numa visão mais interpretativa, onde os significados compartilhados estão disponíveis e são públicos, fazendo com que os indivíduos interpretem e se orientem a partir destas interpretações que podem ser, inclusive ambíguas (GEERTZ, 1989; SAHLINS, 1997). Neste sentido, “ a cultura como metáfora é interpretada, essencialmente como um contínuo e dinâmico processos de construção e reconstrução da realidade social por meio da interação social” (MACHADO-DA-SILVA; NOGUEIRA, 2000, p.2)

O trabalho de Smircich (1983) agrupou os estudos em cultura organizacional em cinco vertentes principais, dentro das duas categorias acima mencionadas. Segundo ela, é possível verificar que os autores em cultura organizacional podem ser agrupados nas seguintes vertentes teóricas da cultura:

1- Gestão comparativa: a cultura é um instrumento servindo às necessidades humanas, biológicas e psicológicas, situada dentro do funcionalismo de Malinowski. Nos estudos organizacionais, esta abordagem vê as Organizações como instrumentos para realização de tarefas, associada à teoria da gestão clássica;

2- Cultura corporativa: Cultura funciona como mecanismo regulatório e adaptativo. Ela une indivíduos dentro de estruturas sociais, situada dentro do estrutura- funcionalismo de Radcliffe- Brown. Na teoria das organizações, as organizações são organismos adaptativos que existem por processos de troca com o ambiente. Tem raízes na abordagem da organização orgânica.

3- Cognição organiza cional: Cultura é um sistema de conhecimentos compartilhados. A mente humana gera cultura por meio de um número finito de regras: Etnocentrismo de Goodenough. No campo da teoria das organizações, organizações são sistemas de conhecimento que se situam em uma rede de significados subjetivos que membros da organização formam em vários graus e parecem funcionar em uma maneira de regras adequadas.

4- Simbolismo organizacional: Cultura é um sistema de símbolos e significados compartilhados. Ações simbólicas necessitam ser interpretadas, lidas e decifradas para serem compreendidas, baseia-se na antropologia simbólica de Geertz. No campo da teoria das organizações, organizações são padrões de

discurso simbólico. Uma organização é mantida através de modos simbólicos tais como a linguagem que facilitam compartilhar os significados e a realidade. 5- Processos inconscientes e organização: Cultura é uma projeção da infraestrutura

inconsciente universal da mente. Está sustentada no estruturalismo de Levi- Strauss. No campo dos estudos organizacionais, formas e práticas organizacionais são a manifestação de processos inconscientes.

Dentro desta classificação de Smircich (1983), ela reagrupou as cinco vertentes teóricas nas duas grandes categorias iniciais. Sendo assim, as vertentes Gestão comparada e cultura corporativa são abordagens que percebem a cultura como uma variável organizacional, enquanto que as vertentes cognição organizacional, simbolismo organizacional e processos inconscientes são abordagens categorizadas como pertencentes a categoria de abordagens vistas como metáfora.

Quadro 6 – Tipologia de Alvesson e Berg

Convenções Perspectivas Autores

Cultura corporativa Kilmann; Davis; Deal Cultura como sistema de valores e

crenças

Schein, Dyer; Patterson

Cognitivismo Cultural Brown, Ouchi Cultura

Cultura como sistema de símbolos Guagliardi; Louis, Pettigrew

Significados compartilhados Smircich, Morgan, Frost Construção de

Significados

Construção e desconstrução de significados

Martin, Meyerson, Gray, Czarniawska -Joerges

Ideologia corporative Beyer, Harrison, Meyer Ideologia

Ideologia Política Deetz, Wilmott, Mumby Fantasias compartilhadas Kets de Vries, Miller, Bion Psicodinâmica

Cultura como arqétipos Bird

Particularismo simbólico Feldman, March Simbolismo

Universalismo Simbólico Berg, Cassirer, Langer Fonte: adaptado de Alvesson e Berg,(1992); Carrie ri (2001, 2006)

No caso das divisões efetuadas por Alvesson e Berg (1992), as diversas publicações sobre o tema da cultura organizacional, podem ser agrupadas em convenções, perspectivas. As convenções seriam classificadas em “cultura”, “construção de significados”, “ideologia”, “psicodinâmica” e “simbolismo”, que são subdivididas em perspectivas dentro de cada uma destas convenções. possuem subdivisões dentro de cada uma destas convenções. A classificação elaborada por Alvesson e Berg (1992) foi adequadamente catalogada por Carrrieri (2001, 2006) conforme apresentada no quadro 6.

Uma outra categorização sobre os estudos culturais foi proposta por Alvesson (2007), que utilizando as categorias de interesse em conhecimento de Habermas, discute os estudos culturais a partir daquelas categorias. Segundo ele, são três as categorias de interesse no conhecimento cultural:

a) interesse teórico

b) Interesse hemenêutico-prático c) Interesse emancipatório

Essas categorias classificatórias permitem agrupar os estudos culturais em função dos interesses das pesquisas realizadas. Isto é, o resultado ou objetivo das pesquisas definem a que categoria pertencem os estudos culturais. Neste sentido, estudos de cultura baseando-se na relação performance-cultura estariam associados à perspectiva de Habermas, do interesse

prático. Nesta, os autores acreditam que existe um link entre a cultura corporativa e a

performance organizacional. Alvesson (2007) precisa que nesta abordagem, “ a produção do conhecimento procura aumentar as chances de afetar fenômenos culturais específicos tais como símbolos, rituais, valores e normas, ou o sistema cultural total, para que resultados positivos para a organização possam ser atingidos.

A visão do interesse hermenêutico-prático concentra-se numa perspectiva mais crítica sobre a produção do conhecimento e seus impactos sobre a cultura organizacional. A preocupação básica nesta abordagem é sobre a criação de significados dentro da organização. As pesquisas nesta abordagem procuram identificar como explorar as organizações como experiência subjetivas e intersubjetivas. Abandona-se a visão do interesse prático nos resultados para efetuar uma abordagem mais interpretativa do cenário organizacional. Esta visão estaria de acordo com a visão de Smircich (1983) no que se refere à cultura como

metáfora, e na mesma linha da perspectiva interpretativa de Geertz (1983), já que a compreensão dos significados é mais importante do que a operacionalização dos significados para os fins de performance.

Por fim, o último interesse abordado por Alvesson (2007) é o interesse

emancipatório. Segundo esta abordagem, os estudos aqui localizados procuram liberar os

indivíduos das tentativas de alienação organizacional, pela disseminação dos valores organizacionais, veiculados pelo interesse prático. Segundo Alvesson (2007, p. 11), “desta perspectiva, o objetivo primeiro é negar as características da vida organizacional e ajudar a neutralizar as crenças e valores que limitam a autonomia pessoal”. Busca-se desenvolver uma visão crítica sobre a cultura organizacional que tenta em alguma medida desenvolver estratégias de manipulação dos indivíduos, atuando sobre as crenças e valores organizacionais.

O interesse prático não consegue convergir ou conversar com o interesse emancipatório. Eles são antagônicos por natureza de seus interesses. Enquanto o interesse prático busca o controle da mente do indivíduo pelo controle cultural, o interesse emancipatório busca exatamente o contrário: livrar os indivíduos das amarras desejadas “pelos produtores culturais”. Entretanto, Alvesson (2007) acredita que uma visão mais integrativa e interpretativa seria uma forma de criar uma ponte entre as três abordagens. Entretanto não parece uma tarefa fácil investigar a cultura organizacional de forma interpretativa e emancipatória de modo a encontrar uma ponte com a visão do interesse prático. Pois esta discussão leva de volta para a discussão entre os paradigmas interpretativos e crítico. E neste sentido a convergência parece uma questão difícil de ser encontrada.

Dentre os conceitos mais abordados dentro dos estudos organizacionais, destaca- se o apresentado por Schein (2004) seja pelo fato de ter sido o mais utilizado pelos autores para análise de organizações, seja pelo fato de uma parte substancial de pesquisadores criticarem a visão funcionalista do conceito e sua operacionalização. Segundo Schein (2004 p.19), a cultura é

Cultura é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas (SCHEIN, 2004,p.17)

Para Alvesson (2007), que defende a importância simbólica ao modo de Geertz (1989), cultura é “ um sistema mais ou menos coeso de significados e símbolos, em termos dos quais as interações sociais tomam lugar (ALVESSON, 2007, p.5). Segundo este autor, a

visão da cultura em termos simbólicos é mais rica do que o foco sobre outros elementos da cultura.

Outros autores propõem conceitos diferentes, com visões mais ou menos funcionalistas e instrumentais, dependendo da abordagem feita nos seus trabalhos, ou da perspectiva teórica defendida por eles. Entretanto, percebe-se que ao modo de Schein (2004), incluem-se como partes do conceito de cultura, elementos tais como: ideologias, grupos de crenças coerentes, suposições básicas, grupos de valores compartilhados, compreensões importantes, desejo coletivo, programação coletiva da mente (SACKMANN, 1992), símbolos, rituais, práticas (HOFSTEDE, 2003), valores, artefatos visíveis (SCHEIN, 2004), práticas, significado das práticas e contexto (DUPUIS, 1996), e outros elementos que enriquecem a discussão sobre cultura organizacional (ALVESSON; BERG, 1992). Além disso, Sackmann (1992) ainda acrescenta que existe o conhecimento cultural, que é, segundo ele, dividido em conhecimento de dicionário, conhecimento de diretório, conhecimento de receitas, conhecimento axiomático. Para este autor, estes 4 tipos de conhecimento exercem papéis importantes na aquisição e perpetuação da cultura organizacional, bem como “juntos estes conhecimentos formam o mapa cultural cognitivo de toda organização” (SACKMANN, 1992, p. 142).

Uma categorização que tem dominado os estudos culturais é explicar a cultura organizacional a partir de abordagens interpretativa e funcionalista. As duas abordagens normalmente não são usadas nos mesmos estudos culturais, tendo em vista as concepções de base que as distinguem. Enquanto a visão funcionalista assume a cultura como uma “cola” que une as pessoas e grupos dentro das organizações, e concebe a cultura como uma variável manipulável e gerenciável, a abordagem interpretativa caminha por um caminho exatamente no sentido contrário. Ela concebe a cultura como conjunto de símbolos interpretáveis, públicos (GEERTZ, 1989), mas que não está sujeita a controle como advogam os teóricos da visão funcionalista.

Dentro da visão funcionalista, a cultura é concebida como Cultura Organizacional, vista como uma outra variável manipulável como outros subsistemas organizacionais, a exemplo da estrutura, estratégia e tecnologia. Seus defensores atribuem aos gestores papéis importantes na delineação da cultura organizacional, a ponto de estes poderem criar, gerenciar e modificá- la em função dos interesses pessoais e organizacionais (SCHEIN, 2004; PETTIGREW, 1996; DEAL; KENNEDY, 2000). Smircich (1983) classifica dentro desta abordagem, os conceitos de cultura corporativa e gestão comparativa.

Segundo Martin (2002, p. 5), os pesquisadores desta corrente normalmente “ focam seus estudos sobre manifestações culturais simples, tais como os valores declarados dos executivos da alta administração ou de relatos de empregados em normas informais”. Ainda sobre esta perspectiva, Alvesson (2007) lembra que pelas dificuldades de gerenciar a cultura pelos aspectos ideacionais que lhe são próprios, a cultura mais do que ensinar aos gestores o que fazer, ela estará orientando sobre o que não fazer com a cultura, tendo em vistas as dificuldades inerentes às tentativas de controle e mudança propositiva da cultura.

A visão interpretativa concebe a cultura como uma característica da própria organização, sendo sua abordagem vista como Cultura nas Organizações. Diferentemente de uma variável controlável, nesta perspectiva, a cultura é vista como metáfora , e “uma lente para examinar a vida organizacional” (MARTIN, 2002, p.4). É a concepção adotada por Geertz (1989) que define a cultura como “uma teia de significados tecida pelos atores sociais”. Neste sentido, a ação dos gestores sobre a manipulação da cultura na organização é totalmente questionável. Nesta abordagem, a compreensão cultural está abaixo da superfície, “buscando compreender níveis mais profundos de como as pessoas interpretam os significados das manifestações e como aquelas interpretações formam padrões de claridade, inconsistência e ambigüidades que podem ser usados para caracterizar compreensões da vida no trabalho”(MARTIN, 2002, p. 4). É, na concepção de Geertz (1989), “ o olhar sobre os ombros” do ator social para compreender as formas como ele interpreta a sua realidade.

Apesar das abordagens diferirem em aspectos centrais e fornecerem informações bastante diferenciadas, percebe-se que as pesquisas e estudos culturais com uma abordagem mais funcionalista ganha espaço diante das pesquisas interpretacionistas ou hermenêuticas, nas palavras de Geertz (2007), apesar de este autor considerar um avanço significativo a partir da década do ano de 1960, de estudos com abordagens interpretacionistas. O predomínio da abordagem funcionalista estaria ligado à percepção de que pesquisas a partir desta abordagem fornecem soluções e novas maneiras para os gestores motivarem os empregados, gerar comprometimento e aumentar a produtividade (MARTIN, 2002), além de considerar a cultura organizacional uma vantagem competitiva (ALVESSON; BERG, 1992).

Uma outra categorização é apresentada por Martin (2002), que considera que os estudos culturais podem ser divididos em abordagens materialistas e abordagens ideacionais. A abordagens materialistas consideram a análise cultural a partir das condições materiais onde as interações entre os indivíduos ocorrem. Nesta, elementos materiais, tais como os artefatos materiais são importantes para a interpretação das características culturais. Elementos como

condições de limpeza ou ruídos das linhas de montagem, condições das salas dos executivos devem ser consideradas nas análises culturais (MARTIN, 2002). Enquanto que a abordagem ideacional está preocupada com os elementos subjetivos da cultura organizacional. Para Martin (2002), os pesquisadores que utilizam esta abordagem para os estudos culturais valorizam as crenças e valores compartilhados pelos indivíduos, bem como enfatizam a importância dos significados interpretados nas interações sociais.

Ver-se, a partir das discussões apresentadas até este ponto, que os estudos culturais possuem uma diversidade de abordagens a partir das quais as pesquisas podem ser conduzidas. Este aspecto, em certa medida gera uma dificuldade para aqueles que pretendem elaborar trabalhos nesta área tendo em vista a dificuldade de efetuar a escolha que melhor se adéqüe para as intenções do pesquisador. Além das abordagens, a quantidade de conceitos de cultura organizacional supera em muitas vezes a quantidade de abordagens, o que agrava ainda mais a dificuldade de escolha teórica.

Martin (2002) apresenta uma coletânea de 12 (doze) definições de cultura dos principais autores envolvidos em pesquisas culturais. Interessante destacar entretanto, mais do que as citações das definições, o que cada conceito abrange. Sendo assim, dos conceitos apresentados, a cultura compreende valores e crenças compartilhados, compreensões dos membros do grupo, significados e compreensões compartilhados, símbolos, objetos materiais, tradições e costumes históricos, regras de comportamento, regras de interação social, suposições básicas, atividades de comunicação. Nesta lista, Alvesson (2007) acrescenta as emoções, expressividades, ideologias e inconsciência coletiva. Essa diversidade de inclusões permite compreender as dificuldades inerentes às pesquisas sobre cultura organizacional.Por fim, é importante concordar que um conceito de cultura deve incluir manifestações ideacionais e materiais da cultura, enfatizando a profundidade das interpretações, mas permitir significados compartilhados, conflitos e ambigüidades (MARTIN, 2002, p.62).

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