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Etapa 4 – Análise dos Dados

4.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: A TRANSFORMAÇÃO NA FORMA DE GERIR AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS

4.1.6 O contexto brasileiro das reformas do Estado – pós

É importante recuperar a trajetória da administração pública brasileira à medida que o processo de reforma do estado avança e com ela a reforma gerencial. Neste sentido, utiliza-se como ponto de partida, a percepção de Bresser Pereira (1998) para iniciar algumas reflexões sobre a dinâmica do processo de modernização do setor público brasileiro, e mais especialmente no que se refere aos aspectos culturais que a marcam.

O PDRAE (1995) pressupõe que a reforma gerencial iria superar o modelo burocrático de administração pública que não mais conseguia responder às demandas da

sociedade brasileira. Quando Bresser Pereira (1998) argumenta sobre a necessidade de implantação da reforma gerencial ele afirma:

Tenho dito que a cultura patrimonialista já não existe no Brasil, porque só existe como prática, não como valor. Tal afirmação, entretanto, é imprecisa, uma vez que as práticas fazem parte da cultura. O patrimonialismo, presente hoje sob a forma de clientelismo ou fisiologismo, continua a existir no país, embora sempre condenado. Para completar a erradicação desse tipo de cultura pré-capitalista não basta condená-la, será preciso também puni -la. Por outro lado, o passo à frente, representado pela transição para a cultura gerencial, é um processo complexo, mas que já está ocorrendo. Todo o debate que houve, a partir de 1995, sobre a reforma constitucional do capítulo da administração pública, foi um processo de mudança cultural (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 25)

O discurso de Bresser Pereira (1998) se alia a outros discursos em outras partes do mundo sobre a reforma gerencial que consistiria em uma mudança cultural no setor público (MAZOUZ, 2008). E a transformação cultural passa a ser um dos elementos mais importantes no processo da reforma gerencial. Além disso, o autor destaca que o patrimonialismo está em declínio no Brasil, ao mesmo tempo em que uma cultura gerencial começa a se formar.

Uma reflexão sobre este processo será feita tomando como base o que foi descrito sobre a sociedade brasileira exatamente nos anos seguintes ao início da reforma gerencial. Enquanto Bresser Pereira (1998) declara que o patrimonialismo está em declínio, Barros e Prates (1996), Freitas (1997), Martins ( 1997), Pinho ( 1998), Barbosa ( 1996, 2003), Nunes (2003), Dupuis e Davel ( 2004), Abrúcio e Gaetani ( 2008), Pinho e Sacramento (2011) estão efetuando releituras da sociedade brasileira para afirmar que é incorreto afirmar que a cultura patrimonialista estaria em processo de erradicação no Brasil.

Desta forma, o pressuposto inicial da reforma por incorreto permite que as ações empreendidas em nome da New Public Management tenham resistências as mais diversas, empreendidas por diversos grupos que vêem na proposta de reforma seus direitos ameaçados. Esse comportamento pode ser visto no que Nunes (2003) desta quando da primeira tentativa de reforma no governo Vargas quando as elites reinterpretando as ações e objetivos do governo, conseguiram atuar no sentido de minimizar os efeitos da reforma sobre os seus “direitos”. Da mesma forma Barbosa (2003) ao discutir sobre a meritocracia no Brasil, destaca as diversas tentativas empreendidas por diversos governos, que apesar de instituir o concurso público como porta de entrada para o emprego público, ainda se deixava uma brecha para que o clientelismo pudesse agir a critério do governante.

O trabalho de Prates e Barros (1996), publicado em meio à efervescência da reforma do estado, destaca alguns aspectos da cultura gerencial do povo brasileiro, entre estas

características, os autores destacam o paternalismo, a lealdade às pessoas, o formalismo e a flexibilidade, que se subdividem em outras categorias culturais. Interessante notar que em trabalho recente publicado por Junquilho (2004), muitas das características identificadas no trabalho de Prates e Barros (1996) ainda persistem na administração pública. Na mesma linha, Martins (1997) um ano após a publicação do trabalho de Prates e Barros (1996), analisa o percurso da modernização administração pública brasileira para concluir que

a trajetória da modernização pública brasileira indica a existência do etos patrimonialista como uma força social dinâmica constitutiva deste processo. A influência localizada da ética patrimonialista sobre os períodos autoritários, onde verificou-se um avanço relativo da racionalidade burocrática, revela apenas um lado do sincretismo brasileiro ( MARTINS, 1997, p.181)

O autor vai mostrar que ao longo do processo de modernização da administração pública brasileira, o etos patrimonialista sempre este presente, com mais ou menos predominância em determinados períodos. Da mesma forma, Pinho (1998), analisando o processo de reforma empreendido no governo Fernando Henrique Cardoso, e fazendo uma releitura das reformas anteriores, afirma que o patrimonialismo consegue sobreviver em meio a todos os processos de modernização realizados no Brasil. Para este autor,

O que tem se as sistido é uma impressionante resiliência do patrimonialismo, capaz de absorver mudanças modernizantes na sociedade brasileira e de se amoldar à nova situação. Talvez pudéssemos pensar em um patrimonialismo camaleônico que consegue não só sobreviver como, ao que parece, se reforçar, mesmo sofrendo a ordem econômica mudanças modernizantes apreciáveis (PINHO, 1998, p. 72)

Apesar de afirmar que a sociedade brasileira vem sofrendo processos de mudanças apreciáveis, outros autores parecem entender de forma diferente que haja uma sinalização do impacto dessas mudanças no comportamento dos administradores públicos. Barbosa (2003), analisando o percurso da meritocracia no Brasil, e com destaque para os sistemas de avaliação de desempenho que fariam parte de uma administração pública gerencial, destaca:

Na prática, essa resistência à avaliação se traduz na ausência histórica de qualquer movimento – seja através de greves ou campanhas – por parte das entidades de classe, do corpo de funcionários públicos e da sociedade como um todo, em prol de medidas para por fim ao nepotismo e ao fisiologismo ou para implantar um sistema meritocrático atuante em todos os domínios da sociedade. Tas questões só aparecem de maneira secundária em estratégias de acusações nos períodos pré -eleitorais ou em matérias esporádicas de revistas. Mas, note-se bem, mesmo nessas instâncias, o que se combate é apenas o fisiologismo, o nepotismo, as relações pessoais no uso indevido do bem público. Não se reivindicam critérios meritocráticos para balizar a mobilidade interna e a organização da sociedade brasileira (BARBOSA, 2003, p. 63)

Em certa medida, Barbosa (2003) discorda um pouco da visão de Pinho (1998) quando este entende que há algum sinal de mudança na sociedade brasileira que poderia

sinalizar comportamentos em direção à eliminação do patrimonialismo no Brasil. Mais recentemente, Pinho e Sacramento (2011) vão reafirmar a capacidade de o patrimonialismo resistir mesmo em meio a todos os processos modernizantes por que passa o Brasil. Segundo estes autores, os elementos inovadores, entre eles o gerencialismo, têm criado estruturas que ainda não têm tido força para percolar e, conseqüentemente, alterar a estrutura patrimonialista da administração pública no Brasil.

A constatação de Barbosa (2003) tem reflexo direto na afirmação de Trosa (2001). Segundo esta autora, “o Estado muda quando a sociedade muda” (TROSA, 2001, p.19). Ainda segundo esta autora, as pressões exercidas pela sociedade, sem sombra de dúvida, forçarão os estados a adotarem novas formas de atender às demandas desta mesma sociedade. Pois segunda ela,

O estado em todos os países é pressionado pela opinião pública a prestar contas. Não as contas tradicionais, os longos relatórios autojustificativos, mas sim prestar contas dos serviços prestados aos cidadãos, com quais custos e com que eficácia (positivo ou negativo para os cidadãos) (TROSA, 2001, p.19)

Apesar do discurso tanto de Pinho (1998) quanto de Trosa (2001) parece que a sociedade brasileira ainda não tem tomada esse nível de consciência que lhe permite interferir de forma mais intensa nos processos decisórios do Estado. Neste sentido, a falta de mudança no comportamento da própria sociedade diminui a velocidade com que este processo de mudança alcance o estado. Importante registrar também que a falta de participação da sociedade nos processos que envolvem a administração pública pode estar no próprio formato de Estado e participação que a reforma gerencial tentou criar. Isto significa que o modelo inserido na sociedade brasileira não permite a participação popular por configurar-se pouco democrático como destaca Paes de Paula (2001, 2005). Pois segundo ela, os mecanismos inicialmente previstos pelo gerencialismo não garantem o aumento da democracia brasileira. Neste sentido, por um lado tem-se uma sociedade que parece alheia às práticas da administração pública, por outro lado, tem-se uma administração pública que não favorece a participação social.

Para reforçar este aspecto da lentidão da mudança social no Brasil, apenas muito recentemente movimentos contra candidatos com problemas na justiça, os chamados “ficha sujas” foram incorporados por parte da sociedade brasileira. Da mesma forma, muito recentemente se começou uma discussão sobre nepotismo nos poderes da República. De qualquer forma, ainda parece de pouco impacto as constantes notícias sobre corrupção e

outros desvios praticados por autoridades públicas, na sociedade brasileira, o que demonstra um certo comodismo ou aceitação deste estado de coisas.

Por fim, na análise da trajetória da administração pública brasileira, cabe registrar a percepção de Abrúcio e Gaetani (2008). Estes autores elaborando uma análise sobre os avanços da gestão pública nos estados, destacam alguns aspectos que sinalizam a mesma dificuldade já mencionada anteriormente. Da mesma forma que Paes de Paula (2005), estes autores identificam que “apesar dos avanços em muitos processos, principalmente naqueles em que foi possível inserir as tecnologias de informação e internet, houve menor espaço para medidas de democratização da informação pública e de seu acesso” (ABRÚCIO; GAETANI, 2008, p. 22). Neste sentido, a limitação de acesso da sociedade torna-se um fator limitador para transformações mais profundas no Estado.

Um outro ponto destacado por Abrúcio e Gaetani (2008) é a persistência de valores patrimonialistas mesmo depois de 11 anos de reforma gerencial. Termos como patronagem, clientelismo, corporações e cartórios ainda são facilmente encontrados no dia a dia das administrações públicas estaduais. Desta forma, é difícil pensar no avanço do gerencialismo, tendo em vista a força que mantém o sistema patrimonialista. E diferentemente do que imaginava Bresser Pereira (1998), não só as práticas, mas também os valores patrimonialistas, continuam vivos e permeando boa parte da administração pública brasileira.

Estes aspectos destacados nesta breve análise servirá para analisar os impactos da sociedade sobre a cultura organizacional das organizações públicas, e particularmente sobre a cultura da SEFAZ-BA. Utilizando a perspectiva de Rodrigues (2006) de que mudanças culturais apoiadas por ambiente institucional tendem a avançar mais adequadamente, e nas perspectivas de Weeks e Galunic (2003) e Zheng, Qu e Yang (2009) que destacam o impacto do ambiente organizacional sobre as culturas das organizações, as descrições feitas pelos autores sobre o contexto da administração pública brasileira permitirão inferir as compreensões do processo de modernização da SEFAZ, e as possibilidades de alteração em sua cultura organizacional.

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