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Etapa 4 – Análise dos Dados

4.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: A TRANSFORMAÇÃO NA FORMA DE GERIR AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS

4.1.4 Em 1995: A formalização de um novo modelo gere ncial para o setor público

A reforma gerencial está associada às modificações ocorridas na forma de concepção do próprio Estado. No Brasil, esta associação é caracterizada pela forma como o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro (PDRAE ) concebeu o modelo de Reforma a ser implementado.

O gerencialismo constitui-se em um modelo de gestão adotado pela administração pública cujos focos são a eficiência, a busca de resultados e a busca de qualidade na prestação de serviços ao cidadão. No Brasil, este modelo começou formalmente a ser implementado a partir de 1995, através do PDRAE, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

A Reforma Gerencial por fazer parte de um conjunto de medidas adotadas pelo governo, é fruto de idéias concebidas a respeito do próprio estado. Por isso, sua origem está no que foi designado como a Crise do Estado. Para Bresser Pereira (1995) e para o Plano Diretor (BRASIL, 1995), a Crise do estado se constitui em função dos seguintes elementos e fatores:

a) crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa

b) esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do estado na qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas

c) superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática (BRASIL, 1995, P. 10); (BRESSER PEREIRA, 1998, P. 34).

Abrúcio (1997) analisando o impacto do modelo gerencial na administração pública caracteriza a crise o Estado a partir de três dimensões as quais ele chamou de econômica, social e administrativa. Fadul (1999) entende a crise como um conjunto maior dentro do governo. Para esta autora há uma crise financeira, de paradigmas, de métodos e de instrumental de gestão, crise de legitimidade, crise de governabilidade e de governança, crise de identidade e crise das formas políticas estatais. E Marini (1996) acredita que a crise no Brasil é mais de governança na medida em que o Estado perdeu a capacidade de implementar políticas públicas, em função da falta de recursos, o que compromete o seu desempenho.

O PDRAE (1995, p.11) propõe um conjunto de medidas para a solução dos problemas:

a) ajustamento fiscal duradouro;

b) reformas econômicas orientadas para o mercado, que acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional;

c) reforma da previdência social;

d) inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais;

e) reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou

seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas.

O Estado não tinha recursos para efetuar investimentos em políticas públicas, e não tinha como continuar efetuando intervenção na economia através de empresas públicas. Era preciso deixar a economia com a iniciativa privada. Neste quesito, aparece uma abordagem neoliberal, apesar de toda a negativa de Bresser Pereira (1998). Para ele, inclusive neste texto, ele defende que o neoliberalismo fracassou, mesmo recomendando a privatização das empresas públicas, que nada mais era do que uma abordagem neoliberal. Além disso, questiona-se a burocracia estatal.

A forma de administrar o Estado estava superada. A burocracia weberiana não mais estava dando conta das complexidades que se manifestavam junto ao Estado. Por isso, a afirmativa de que uma das vertentes da crise do Estado se manifestava pela superação da

forma de administrar o Estado, com ênfase na burocracia. Sobre este ponto, valeria lembrar que o que se constitui como indevido na administração pública não é a burocracia, mas efetivamente as disfunções deste sistema. Em sua essência, a burocracia possui inadequações por seu caráter impessoal, mas não se deve atribuir somente a ela os males que permeiam a administração pública brasileira.

Diante da crise acima manifesta, o texto defende a necessidade de reforma ou reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas. A idéia é de fato interessante na medida em que se constate as causas propostas, haja vista as críticas feitas não só ao conjunto de causas, mas também às medidas implementadas. Isto é, havia dúvida quanto à veracidade das causas da crise, e por isso Santos (2004) defende a não existência de tal crise o que não justificaria as ações implementadas pelo menos no que se refere às questões econômicas. Além disso, Andrews e Kouzmin (1998), Kawabe e Fadul (1998), Fadul (1999) questionam não apenas o discurso da crise bem como as estratégias de solução. Para estes autores, o que mais avançou no processo de reforma do estado foi efetivamente a redefinição do papel do estado sendo redefinida a sua saída da economia através das privatizações, que foi o item das ações que mais avançou no processo de transformação do Estado.

Além dos problemas de ordem econômica, e por causa deles, Abrúcio (1997) entende as causas do surgimento do modelo gerencial na administração pública. Segundo este autor, o gerencialismo invadiu e tomou forma na administração pública em função do que ele chamou de causas materiais, contexto intelectual e perspectivas do senso comum. As causas materiais referem-se a crise econômica mundial, a crise fiscal, a falta de governabilidade e a globalização. O contexto intelectual refere-se ao surgimento de novas teorias que confrontavam o modelo de intervenção estatal vigente, a exemplo do neoliberalismo e o

public choice. Enquanto as perspectivas do senso comum referem-se às manifestações da

própria sociedade ao convencer-se de que o estado lhe presta um serviço de péssima qualidade. Estes argumentos são reforçados por outros autores a exemplo de Bresser Pereira (1996, 1998), Marini (1996), Fadul (1998, 1999), Kaufman (1998), Rezende (2003), PDRAE (1995).

Diante das dificuldades apresentadas pelos Estados para darem conta das demandas que aumentam substancialmente, o Estado deveria ser reformado, incluindo a reforma gerencial no seu escopo. Esta traria para o campo da Administração Pública as

técnicas e instrumentos capazes de tornar o Estado mais adequado e eficiente na prestação de serviços à sociedade.

O gerencialismo, aqui entendido como parte da reforma gerencial, ou o processo decorrente da reforma gerencial, possui diversas correntes teóricas que valorizam determinados aspectos, em detrimento de outros. O ponto comum entre eles, conforme Bresser Pereira (1998) é o afastamento do modelo burocrático, por considerá-lo superado e inadequado para os objetivos propostos ao Estado. Por isso, há diversas correntes e tendências dentro do gerencialismo.

Este trabalho apresenta as principais vertentes teóricas que suportam os modelos gerenciais. Cada um deles foca determinado aspecto. Não significa, entretanto que um é superior ao outro, mas é necessário que se pense estes modelos como complementares, na medida em que às características de um, normalmente são acrescidas outras, focando algum aspecto não destacado no modelo anterior. Diante disto, na literatura, é possível vislumbrar pelo menos três modelos de gerencialismo: os destacado por Abrúcio (1997), a partir dos modelos ingleses; os modelos destacados por Ferlie et al (1994) e o modelo destacado por Osborne e Glaeber (1994).

O quadro 4 demonstra as diversas vertentes do gerencialismo e como eles impactaram a administração pública. Abrúcio (1997) destacando as características do

managerialism inglês considera que dos três modelos apresentados, as diferenças entre eles

localizam em três aspectos. Segundo eles, as diferenças entre o gerencialismo puro, o

consumerism e o Public service Orientation concentram- se no foco de ação e no público alvo

de cada modelo. Entretanto, Abrúcio (1997) chama a atenção para o fato de que isso não significa que um foi abandonando as características do modelo anterior. Ao contrário na medida em que um novo modelo surgia, significava muito mais o aperfeiçoamento do anterior do que o abandono do anterior.

Quadro 4 – Modelo de gerencialismo

Vertente Autores Características

New Public Administration Osborne e Glaeber(1994)

a) governo catalisador; b) governo pertencente à sociedade; c) governo competitivo; d) governo orientado por missões; e) governo de resultados; f) governo orientado para os seus clientes; g) governo empreendedor; h) governo preventivo i) governo descentralizado; j) governo orientado para o mercado

New Public Management Ferlie et alli(1994) a) dirigido pela eficiência; b) Downsizing e descentralização; c) Busca de Excelência; d) Orientação para o público

Managerialism Abrúcio(1997) a) Gerencialismo puro; b) Consumerism; c) Orientado para o público

Fonte: elaborado a partir de Ferlie et al (1994), Abrúcio (1997), e Osborne e Glaeber(1994)

Neste sentido, este destaca os principais aspectos dos modelos, no quadro 5: Quadro 5 – Evolução dos Modelos de gerencialismo

Modelo Gerencial puro Consumerism Public Service Orientation

Objetivos Economia/eficiência- produtividade

Efetividade/qualidade Accountability/equidade

Público- Alvo

Taxpayers(contribuintes) Clientes/consumidores cidadãos

Fonte: Abrúcio (1997, p.12)

Cada modelo originou-se de um determinado contexto, e os seguintes foram acrescentados novos aspectos ao anterior. Assim, ele destaca que no gerencialismo puro, o foco era a eficiência. O Estado buscava combater a crise, através de redução de custo, uma vez que o aumento de receita teria sido dificultado em função de protestos de contribuintes. Entretanto as críticas a este modelo proporcionou o avanço em direção ao modelo

consumerism que passou a incluir os cidadãos como clientes com a oportunidade de escolher

qual organização pública lhe prestaria determinados serviços. Era a implementação da competição entre as unidades do Estado. No modelo de Public Service Orientation mais do que cliente o cidadão é convidado a participar das decisões do governo. Ele não escolhe apenas o produto a ser utilizado, ele participa das decisões que podem definir o produto que ele escolherá em momento futuro.

O modelo desenhado por Ferlie et al (1994,p. 24-34) segue os seguintes aspectos: a) Impulso para a eficiência: relacionada à economia política thatcherista, visando a eficiência ; b) downsizing e descentralização: (Importação de modelos organizacionais do setor privado, principalmente a redução drástica do número de servidores, através da reengenharia, e a descentralização; c) Em busca da excelência: com influência da teoria de

Administração da “escola de relações humanas” em sua ênfase na mudança via comportamento e cultura organizacional, seja pela base (aprendizagem organizacional) ou pela alta direção (liderança carismática); d) Orientação para o Serviço Púb lico: fusão entre idéias administrativas dos setores públicos e privado – surge aqui a preocupação com a qualidade total.

A abordagem da New Public Administration, disseminada por Osborne e Glaeber (1994) ganhou especial atenção pela publicação do livro Reinventando o governo: como o

espírito empreendedor está transformando o setor público.O livro é um conjunto de 10(dez)

valores que os governos devem desenvolver como forma de melhorar o seu desempenho. Algo que chama a atenção em seu livro, além das “receitas” de como melhorar o desempenho do setor público, é a desvinculação das ações da ação de redução de tamanho do Estado, algo bastante defendido nas demais vertentes do gerencialismo, pensado como forma de redefinir o papel do Estado.

Eles alertam: “E nosso problema fundamental é o fato de termos o tipo inadequado de governo. Não necessitamos mais governo ou menos governo: precisamos de melhor governo. Para sermos mais precisos, precisamos de uma melhor atividade governamental”(OSBORNE; GLAEBER, 1994, p.25). Os argumentos dos autores vão na direção de transformar as ações governamentais e não redefinir o papel do Estado, reduzindo o seu tamanho. Segundo eles, ainda os governos “empreendedores” promovem a competição entre os que prestam serviços ao público, dão poder aos cidadãos, avaliam o desempenho de suas agências, avaliam resultados, orientam-se pelos objetivos e missão e não por regras e regulamentos.

Outro elemento importante destacar dentro da visão destes autores é a busca da avaliação da efetividade. Não basta medir a eficiência. É preciso efetuar medidas de efetividade das ações governamentais. A efetividade para estes autores mede a qualidade dos resultados, o grau em que ela atingiu o resultado desejado. Neste sentido, a efetividade assemelha-se à busca constante de resultados apregoados pela reforma gerencial no Brasil.

Uma síntese entre os modelos e vertentes de cada modelo é possível. Cada abordagem pressupõe um conjunto de valores que devem ser desenvolvidos dentro da administração pública de forma que ela consiga alcançar os resultados pretendidos pela reforma gerencial. Assim sendo, no Brasil, os valores pretendidos pelos reformadores abrangem elementos de todas as abordagens.

Eficiência, produtividade, qualidade, foco no cliente, foco no cidadão, foco em resultados e participação são valores que a reforma gerencial no Brasil pretende ver implementados nas organizações públicas. Sendo assim, as abordagens acima mencionadas fornecem as bases conceituais que dão suporte à reforma do aparelho do Estado brasileiro.

As visões identificadas por Abrúcio (1997), Ferlie et al (1994) e Osborne e Glaeber (1994) não são contraditórias. Na verdade elas se complementam na medida em que são visões e perspectivas abordadas a partir de percepções de cada aspecto do gerencialismo. Por isso, torna-se importante uma leitura conjunta dos diversos modelos para uma compreensão adequada do movimento gerencialista.

Não se trata de escolher um ou outro, mas de aproveitar das diversas abordagens elementos mais adequados à realidade brasileira, considerando as diversidades existentes entre, por exemplo, a Inglaterra e o Brasil, da mesma forma entre o Brasil e os Estados Unidos. Nesta perspectiva é que se compreende a abordagem gerencial da reforma gerencial no Brasil, até porque ao ler os vários componentes de cada abordagem que em muitos casos eles se igualam, como é o caso do gerencialismo puro mencionado por Abrúcio (1997), a The efficiency drive de Ferlie et al (1994) e a abordagem do governo competitivo de Osborne e Glaeber (1994).

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