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3.6 Avaliação do Ciclo de Vida como Ferramenta de Gestão Ambiental

3.6.4 Estudos de Avaliação do Ciclo de Vida Aplicados a Gestão e Gerenciamento

Em relação aos resíduos da construção civil, um dos maiores desafios encontra-se na determinação do modo de gestão, ou seja, o que fazer com este tipo de resíduo, e compreender qual a quantidade que pode ser reutilizada de maneira correta e viável.

O gerenciamento integrado de resíduos é uma das abordagens globais para o meio ambiente e gerenciamento de recursos, que requerem a aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável. Para a avaliação das opções de gerenciamento de resíduos recomenda-se a aplicação da ferramenta de avaliação do ciclo de vida (CLIFT; DOIG; FINNVEDEN, 2000).

Quando a ACV é aplicada na área de gestão dos resíduos, normalmente as avaliações se concentram em uma comparação de diferentes opções para o gerenciamento dos resíduos, não considerando todo o ciclo de vida dos produtos que geraram os resíduos em questão.

Em muitos países, os grandes volumes de resíduos de construção e demolição causam preocupações ambientais em relação a disposição e a capacidade dos aterros em receber estes resíduos. Apesar do elevado potencial de recuperação desses resíduos (80%), apenas uma parte está sendo recuperada na União Europeia. Atualmente, 75% dos resíduos são depositados em aterros, as taxas de reciclagem de 80% foram alcançadas em países como a Dinamarca, nos Países Baixos e na Bélgica (ORTIZ; PASQUALINO; CASTELLS, 2010).

Nesse sentido, a ACV é um dos métodos atuais bem estabelecidos para fornecer aos tomadores de decisão, uma excelente estrutura para avaliar e comparar as estratégias e tecnologias para o gerenciamento integrado de resíduos. No entanto é necessário definir cuidadosamente as fronteiras do sistema para garantir que os “créditos” ambientais da recuperação de energia e de materiais sejam avaliados corretamente (CLIFT; DOIG; FINNVEDEN, 2000).

O modo recomendado para relatar o inventário do ciclo de vida para o gerenciamento de resíduos é a soma dos encargos diretos, associados com as próprias operações de gerenciamento dos resíduos, com os encargos indiretos, associados com o fornecimento de materiais e energia para as operações de gerenciamento dos resíduos e, deste total devem ser subtraídos os encargos evitados associados às atividades econômicas referentes aos materiais e/ou energia recuperados a partir dos resíduos (CLIFT; DOIG; FINNVEDEN, 2000).

Sára, Antonini e Tarantini (2000), utilizaram a ACV para demonstrar os benefícios da "valorização" dos produtos obtidos a partir dos resíduos da construção civil gerados em um

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processo de demolição de prédios. O projeto de pesquisa intitulado como VAMP (Valorization of building demolition Materials and Products, LIFE98/ENV/IT/33) foi criado com o objetivo de testar um sistema inovador relacionado aos RCC, provenientes da demolição de um prédio localizado no distrito de Modena e Reggio Emilia, na Itália.

Utilizando a metodologia de ACV, os pesquisadores realizaram uma comparação do sistema de demolição proposto (incluindo elevados níveis de reciclagem, recuperação e reutilização) com um sistema de demolição tradicional, caracterizado pela disposição dos resíduos em aterro. O inventário foi desenvolvido utilizando dados locais sobre a geração dos RCC em demolições, usinas de reciclagem e aterros localizados no distrito. A caracterização dos benefícios referentes aos impactos "evitados" (por meio da reciclagem, recuperação e reutilização), foi realizada a partir dos dados de estudos ambientais locais e publicações internacionais (SÁRA; ANTONINI; TARANTINI, 2000).

Os cálculos de ACV realizados indicaram que o sistema tradicional de demolição gera uma quantidade total de resíduos sólidos muito maior em comparação ao sistema VAMP. No sistema tradicional, mais de 1.000 toneladas de resíduos seriam descartadas em aterros sanitários, em contrapartida, no sistema de reutilização e reciclagem dos resíduos, uma quantidade significante de extração de recursos naturais foi evitada: 447 t de pórfiro (material de pavimentação), 442 t de cascalho, 343 t de argila, 87 t de madeira e 1,45 t de minério de ferro (SÁRA; ANTONINI; TARANTINI, 2000).

Pasqualino, Ortiz e Castells (2008) utilizaram a ACV para comparar três cenários de gerenciamento de RCC (aterro, incineração e reciclagem) para uma construção em Barcelona, na Espanha. No estudo, os resíduos foram classificados em dois grupos: elementos verticais interiores (como as paredes interiores) e elementos verticais exteriores (paredes de fachada). Os autores concluíram que os elementos verticais interiores geram 89 a 97% de resíduos recicláveis enquanto os elementos verticais exteriores geram 72 a 94%. A categoria de aquecimento global para o cenário de aterro, em comparação com os outros cenários, possui maior impacto, enquanto os cenários incineração e reciclagem apresentam benefícios devido à geração de energia e à recuperação de materiais. Os cenários de reciclagem, que envolviam lã de vidro (material de isolamento) e plástico (embalagens), obtiveram melhores resultados para o impacto ambiental. O estudo concluiu que a incineração é a melhor solução para os resíduos perigosos, e a reciclagem é recomendada para os materiais inertes e para os plásticos.

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Blengini (2009) pesquisou a avaliação do ciclo de vida de um edifício residencial, localizado em Turin, na Itália, demolido em 2004 por implosão controlada. O objetivo geral do estudo foi comparar cenários alternativos para disposição dos RCC e, especificamente avaliar os impactos e ganhos ambientais, da reciclagem de entulhos em agregados secundários. Os impactos ambientais considerados foram: requisito de energia bruta, potencial de aquecimento global, potencial de depleção do ozônio estratosférico, potencial de acidificação, potencial de eutrofização e potencial de formação fotoquímica de ozônio. Ao final, o estudo concluiu que a reciclagem dos RCC é viável e rentável a partir do ponto de vista energético e ambiental.

Nunes, Schebek e Valle (2010) utilizaram a metodologia de avaliação do ciclo de vida com o objetivo de investigar as opções para manejo e destinação dos RCC na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Foram elaborados cenários baseados em quatro principais alternativas para a destinação de RCC: reciclagem na fonte de geração de resíduos (por meio do uso de moinhos de pequeno porte), reciclagem em centrais de reciclagem externas, deposição em cavas de antigas pedreiras (aterro de RCC classe A) e deposição em aterro de resíduos sólidos urbanos. Os resultados da ACV indicaram que o cenário composto por 20% de reciclagem na fonte de geração e por 80% de deposição em antigas cavas de pedreiras (obturação de cavas) apresenta os menores impactos ambientais dentre os cenários considerados.

Ortiz, Pasqualino e Castells (2010) avaliaram por meio da ACV três cenários diferentes para a gestão dos RCC em um estudo de caso na Espanha: disposição em aterro, reciclagem e incineração (Figura 20). A unidade funcional selecionada pelos autores foi a quantidade total gerada na construção em estudo (2,06E+02 kg/m2). Os resíduos foram classificados em dois grupos: resíduos gerados no processo de construção e resíduos de embalagens dos materiais. O primeiro grupo foi subdividido em pedra, metal, madeira, plástico e outros resíduos de construção. O segundo grupo foi subdivido em três grupos: madeira, plástico e papelão.

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Figura 20. Fronteiras do sistema para o estudo de caso realizado por Ortiz, Pasqualino e Castells

(2010).

Fonte: traduzido e adaptado de Ortiz, Pasqualino e Castells (2010).

Para a elaboração do inventário foi utilizada a base de dados Ecoinvent v.2.01 e por meio do método de caracterização CML2 baseline 2001, foram definidas as seguintes categorias de impacto: potencial de acidificação, aquecimento global, eutrofização, ecotoxicidade aquática, ecotoxicidade terrestre e toxicidade humana. Os resultados do estudo mostraram que, em termos de potencial de aquecimento global, o melhor cenário foi a reciclagem, seguido por incineração e disposição em aterro. Ao considerar os deslocamentos entre a geração dos RCC e o local de tratamento dos resíduos, a incineração e a reciclagem são melhores opções em relação ao aterro, mesmo quando as distâncias são longas. Esta informação é válida para a maioria dos resíduos, com exceção dos agregados, que devem ser reciclados em locais próximos aos canteiros de obras (ORTIZ; PASQUALINO; CASTELLS, 2010).

Blengini e Garbarino (2010) analisaram as implicações ambientais do fluxo de reciclagem dos RCC na província de Turim, na Itália. Para isto, classificaram 89 operadores em três tipos: localização fixa, semi-móvel e móvel. Os agregados resultantes do processo de reciclagem também foram classificados em três tipos: Tipo A (qualidade alta para fabricação de concreto e sub-bases de estradas), Tipo B (qualidade média para a aplicação em estradas) e Tipo C (qualidade baixa de agregado reciclado para enchimento e reabilitação de aterros).

A unidade funcional considerada foi uma tonelada de RCC coletados e reciclados. Os dados do inventário foram obtidos na Ecoinvent v.2.0 e modelados com auxílio do Simapro7, os fatores de caracterização utilizados foram os propostos pelo IMPACT 2002+, sendo selecionadas 14 categorias de impacto (BLENGINI; GARBARINO, 2010).

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Os autores concluíram que em todas as categorias a contribuição do aterro é elevada. No entanto, com exceção das categorias ecotoxicidade aquática e terrestre, ocupação do solo, aquecimento global, energia não renovável, extração mineral, o processo de reciclagem de RCC apresentou mais impactos do que benefícios (BLENGINI; GARBARINO, 2010).

Mercante et al. (2012) desenvolveram e analisaram o inventário do ciclo de vida do sistema de gerenciamento dos RCC, com base em dados primários coletados em empresas espanholas envolvidas diretamente no ciclo de vida dos resíduos. O estudo considerou como unidade funcional a gestão de 1 tonelada de RCC e incluiu todas as etapas de armazenamento temporário dos resíduos até à sua reutilização/reciclagem ou envio para aterro.

Para complementar os dados primários, os autores utilizaram a base de dados da Ecoinvent v.2.01, e os dados do inventário foram modelados com auxílio do programa SimaPro 7.3. As categorias de impacto selecionadas foram: aquecimento global, depleção da camada de ozônio, oxidação fotoquímica, acidificação e eutrofização, aplicando os fatores de caracterização propostos pela CML. As principais conclusões deste estudo foram as seguintes:

 Em todas as categorias de impacto, o transporte, a triagem e a disposição em aterro contribuem para o impacto ambiental devido ao consumo de combustível e energia.  Em relação a categoria de impacto aquecimento global, a reciclagem da madeira e papelão

(embalagens dos materiais) não são viáveis.

 O impacto nas instalações de triagem e tratamento de resíduos inertes pode ser reduzido por meio da coleta seletiva na fonte, pois evitaria a separação das frações leves na planta.  A fase do transporte desempenha um papel decisivo em relação aos impactos ambientais e

a reciclagem nem sempre apresenta benefícios.

Melo (2013) utilizou a ACV para avaliar os impactos ambientais de três obras de construção, considerando diferentes cenários de tratamento de resíduos: aterro, reciclagem e incineração. Foram utilizados dados primários, como a quantidade e tipologia dos resíduos gerados nas obras, bem como dados secundários, obtidos da base de dados Ecoinvent v.2.2, para complementar a elaboração do ICV. O método de AICV utilizado foi o CML2 baseline 2001 e as categorias de impacto selecionadas foram: depleção de recursos abióticos, alterações climáticas, formação de oxidantes fotoquímicos, potencial de acidificação, potencial de eutrofização, as quais foram aplicadas a diferentes grupos de resíduos: resíduo inerte, sucata, madeira, plásticos, óleo usado, vidro e papel.

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Para as três obras estudadas, o cálculo do cenário eliminação em aterro dos resíduos inertes, em relação a alternativa reciclagem, é desfavorável. O impacto avaliado para este resíduo tem uma contribuição significativa no valor das emissões totais, pois este resíduo é gerado em quantidades elevadas comparativamente com os outros resíduos. Em relação aos resíduos de madeira, óleo usado, plástico e papel, o cenário de incineração apresentou benefícios para o ambiente (MELO, 2013).

Desse modo, a utilização da ACV como auxílio na gestão dos RCC pode ser útil para as autoridades políticas apoiarem suas escolhas; para empresas, autoridades locais e do governo elaborar projetos, adquirir materiais, definir metas de gestão dos resíduos e na comunicação do seu desempenho ambiental. As construtoras também podem usar a ACV para demonstrar o desempenho ambiental das técnicas de gestão aplicadas, bem como identificar quais ações podem levar à redução de custos (EUROPEAN COMISSION, 2011).

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4 MATERIAIS E MÉTODOS

Este capítulo descreve as etapas realizadas para o desenvolvimento da pesquisa, de modo a cumprir os objetivos propostos.

A pesquisa se dividiu em três etapas:

1. Diagnóstico da situação dos resíduos da construção civil no município de Limeira;

2. Avaliação do ciclo de vida de alternativas para o gerenciamento integrado dos RCC no

município de Limeira e,

3. Elaboração da proposta de um modelo de gerenciamento integrado dos RCC para o

município de Limeira, com base nos dados levantados e analisados nas etapas anteriores.