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1. Sobre a “adolescência”

1.3. Estudos sobre a “juventude”

A ideia de adolescência sempre esteve ligada a diversas imagens que a sociedade produziu; muitas delas relacionadas à ideia de juventude, e cujos significados se redefiniam no limiar de uma sociedade contemporânea industrializada (CÉSAR, 1998). Podemos afirmar que todo adolescente é jovem, mas não o contrário. Ambos são termos que se aproximam, mas possuem diferenças. A adolescência insere-se dominantemente na perspectiva da Psicologia, sendo tomada como objeto de pesquisas dessa área; enquanto a juventude apresenta-se como objeto de pesquisas antropológicas e sociológicas. Diversas pesquisas, no âmbito das Ciências Sociais, afirmam que os critérios que constituem a juventude são históricos e culturais.21 Os historiadores Levi & Schmitt (1996) apontam que a juventude apresenta significados distintos em diferentes civilizações e tempos históricos, por isso é um equívoco analisar todas as idades com o mesmo referencial.

O conceito de juventude22 que adotamos se baseia nas considerações de diversos autores23 que convergem na ideia de juventude como um produto de uma determinada sociedade. Tomamos a juventude como um modelo cultural, ligado a determinados valores e estilos de vida — onde a ideia de juventude como condição biológica é ofuscada e suprimida pela definição simbólica dessa idade.

Sposito (2002) afirma que o próprio ato de definir o conceito de juventude “encerra um problema sociológico passível de investigação, na medida em que os critérios que a constituem enquanto sujeitos são históricos e culturais” (op. cit., p. 7). A delimitação do segmento etário juventude se demonstra um problema insolúvel e qualquer critério de delimitação não se demonstra suficiente para contemplar a diversidade de fatores implicados na conceituação de juventude como fenômeno social e historicamente constituído. Isso pode ser percebido comparando-se a delimitação etária e as ressalvas sobre essas delimitações em dois estados da arte sobre juventude, coordenados por Sposito (2002, 2009), que analisaram a produção discente em pós-graduação em educação. No primeiro (SPOSITO, 2002) o conjunto

21 Ver Abramo (1997); Carrano & Spósito (2007); Dayrell (2003, 2007); Melucci (2007); Peralva (2007); Reguillo

(2007).

22

Aqui nos limitamos a explicitar o conceito de juventude da qual utilizamos; não temos o propósito de recuperar toda a discussão acerca do conceito de juventude.

23

A saber: Abramo (1997, 2005); Debert (2010); Dayrell (2003, 2007); Melucci (2007); Peralva (2007); Sposito (2002, 2009).

denominado juventude abrangia indivíduos entre 15 e 24 anos de idade. No segundo (SPOSITO, 2009) os segmentos etários foram ampliados de 15 a 29 anos de idade. Importante salientar que ambas as delimitações etárias admitiram flexibilidade a esses limites. A própria autora reconhece as “imprecisões que delimitam a condição juvenil na contemporaneidade” (idem, ibidem, p. 18).

Abramo (1997) levanta o caráter histórico das concepções difundidas socialmente acerca dos jovens. A juventude simboliza e reflete os conflitos e dilemas da sociedade contemporânea, despertando interesse e atenção apenas quando representa ameaça para a manutenção da ordem social — quando o grupo juvenil propõe alguma ruptura ou transformação na sociedade, ou quando uma geração ameaça alterar a transmissão da herança cultural. Em outro estudo, a autora aponta que as progressivas transformações da modernidade foram cruciais na consolidação da juventude como grupo social: a dedicação ao estudo em instituições escolares somada à suspensão das obrigações do mundo do trabalho são elementos centrais socialmente vinculados à condição juvenil (ABRAMO, 2005, p.41).

Peralva (2007) assegura que a juventude é, simultaneamente, uma condição social e um tipo de representação. Cada sociedade representa e se lida de modo diverso com cada faixa etária. A sociedade industrial do século XIX inaugurou o modelo ternário de ciclo de vida, na qual a juventude se forma, os adultos trabalham e os velhos se aposentam. Esse modelo de ciclo de vida acaba por desenvolver uma “cronologização etária”, com sua definição fortemente influenciada pelas instituições e normatizações: uma idade obrigatória para estudar, uma idade mínima para aposentar, a idade ideal para trabalhar. Segundo a autora, atualmente ocorre uma “descronologização das etapas”, causada pela desorganização do modelo ternário do ciclo de vida. O jovem deixou de ser uma promessa de futuro e se tornou um modelo cultural presente. A sociedade contemporânea valoriza a juventude, que se encontra associada a determinados valores e estilos de vida, não se restringindo mais num grupo etário específico. A promessa de “juventude eterna”, ligada à lógica de consumo e à mídia, contribui com a valorização da juventude.

Melucci (2007) também se refere à juventude a partir da definição cultural:

A natureza precária da juventude coloca para a sociedade a questão do tempo. A juventude deixa de ser uma condição biológica e se torna uma definição simbólica. As pessoas não são jovens apenas pela idade, mas porque assumem culturalmente a característica juvenil através da mudança e da transitoriedade. Revela-se pelo modelo da condição juvenil um apelo mais geral: o direito de fazer retroceder o relógio da vida, tornando provisórias decisões profissionais e

existenciais, para dispor de um tempo que não se pode medir somente em termos de objetivos instrumentais (op. cit., p. 42).

Dayrell (2003) também assegura que os critérios que constituem a juventude são históricos e culturais. O autor adota a noção de juventude na perspectiva da diversidade, com base nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero. Os jovens constroem determinados modos de ser jovem que apresentam especificidades; não há um único modo de ser jovem — o autor adota o termo “juventudes” no plural para exprimir a diversidade de modos de ser jovem. Em outro estudo, Dayrell (2007) aborda o conceito de “condição juvenil” para se referir à maneira de ser do jovem, à situação dos jovens perante a vida e a sociedade, ou às circunstâncias necessárias para que isso ocorra. A diversidade cultural, as práticas e símbolos são manifestações de um novo modo de ser jovem. Os jovens têm na dimensão simbólica e expressiva uma forma de comunicação e de posicionamento diante de si mesmos e da sociedade: a música, a dança, o vídeo, o corpo e seu visual, dentre outras formas de expressão, são mediadores que articulam os jovens: “O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil” (op. cit., p. 1110).

Na mesma direção, Debert (2010) afirma que “a juventude perde conexão com um grupo etário específico e passa a significar um valor que deve ser conquistado e mantido em qualquer idade através da adoção de formas de consumo de bens e serviços apropriados” (op. cit., p. 51). Ou seja, em nossa sociedade contemporânea adotar estilos de vida e consumir determinadas mercadorias e produtos é mais essencial para manter a juventude do que a própria faixa etária ou os determinantes biológicos do indivíduo. Isso decorre de um processo que “redesenha os estágios que marcam o envelhecimento e dissolve a vida adulta como uma experiência ou etapa de maturidade, responsabilidade e compromisso” (idem, ibidem).

Desse modo, ser jovem consiste em assumir culturalmente a característica juvenil, assumir determinados valores e estilos de vida. Essas considerações sobre a juventude são relevantes, pois no século XX a ideia de adolescência ganha fortes vinculações com a noção de juventude. Tanto a juventude quanto a adolescência compreendem conjuntos etários que podem apresentar intersecções — Dayrell (2003) coloca a adolescência como momento de início da juventude —, mas que não se coincidem sempre e de modo pleno.