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Estudos sobre as Mulheres

CAPÍTULO IV DE MULHER EM MULHERES 108 

4. Estudos sobre as Mulheres

Os Estudos sobre as Mulheres surgiram por influência do movimento feminista e dos

movimentos de mulheres e procuram valorizar as mulheres como sujeitos históricos, dando

visibilidade à sua produção científica nas diferentes áreas, retirando-as do esquecimento e

salientando a sua participação na construção da memória histórica.

25 O conceito de pós-feminismo é uma noção polémica, já que, por um lado, algumas/ns autoras/es consideram

que significa o facto de o feminismo não ser mais necessário e, por outro, significa o feminismo em tempos de pós-modernidade. “Segundo algumas correntes do Feminismo, o pós-feminismo encontra-se próximo do discurso do

pós-modernismo, na medida em que ambos têm por objectivo desconstruir/desestabilizar o género enquanto categoria fixa e imutável” Dicionário de Crítica Feminista (2005, p. 153)

A publicação das biografias das principais feministas portuguesas do século XX: Adelaide

Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, Carolina Michaëllis, Virgínia de Castro Almeida, entre

outras, são um contributo para esta visibilidade merecida e denunciam também as

discriminações sociais e sexistas de que as mulheres foram vítimas ao longo dos séculos.

O atraso dos estudos feministas deveu-se ao conservadorismo, por condicionamento da

liberdade de pensamento a que as mulheres estiveram sujeitas nas universidades

portuguesas, na década de 1980 e, segundo Ferreira (2000), deveu-se também à ligação

das organizações de mulheres aos partidos políticos. A falta de recursos económicos gerou,

igualmente, dificuldades do ponto de vista financeiro, impedindo o financiamento dos

estudos.

Na actualidade, é comum falar-se da importância do papel das mulheres na sociedade

moderna. No entanto, a História das Mulheres - sendo uma história recente, que reflecte um

passado mal contado e envolvido em silêncios seculares - ainda não conseguiu dar

visibilidade a todas essas omissões, resgatando a participação decisiva mas silenciosa das

mulheres nas várias funções e nos seus distintos papéis, frente à sociedade de predominância

masculina. Estas concepções estão presentes no discurso de Esteves (2003, p. 63):

“É que não se pode ignorar a história de mais de metade da população e, por isso,

nunca é demais “falar de mulheres”, enquanto forma de quebrar o silêncio a que,

estranhamente, continuam sujeitas, como se não passassem de personagens

secundárias ou meras espectadoras, como se não fizessem parte da própria História,

sobretudo da História apologética dos vencedores.”

O facto de a área académica de “estudos feministas” ter sido designada, em Portugal,

“Estudos sobre as Mulheres” tem origem na influência anglo-saxónica: “Women’s studies”. No

entanto, há outras terminologias como “estudos de género”, mas são denominações que não

reúnem nem significam consenso.

Na revista Ex-Aqueo, a opção por Estudos sobre as mulheres é justificada pelo facto de ser “

(…) eficaz no desafio à hegemonia intelectual masculina (…) ”, evitando “ (…) a falsa imagem

de homogeneidade de perspectivas, em geral associada ao feminismo (…)” (Ferreira e

Henriques, 1999).

Os Estudos sobre as Mulheres e/ou Estudos de género ou, ainda, Estudos feministas são um dos

questionamentos da APEM. As três designações têm em comum a partilha de estudos e de

saberes e a interdisciplinaridade e todas questionam com frequência o poder patriarcal

construído a partir da concentração de recursos e propriedades nas mãos dos homens,

definido historicamente no sistema de heranças, ligado a uma genealogia por via varonil,

ficando as mulheres circunscritas à casa e marginalizadas em relação às instituições do poder

político e da transmissão do conhecimento e à formação profissional. No entanto, convém

registar que a discriminação foi grande impulsionadora para o desenvolvimento dos estudos

feministas. Hoje, as relações entre homens e mulheres são analisadas de forma mais

complexa, questionando-se conceitos como patriarcado, sistema sexo/género, entre outros,

procurando-se noções conceptuais que sejam capazes de dar conta da complexidade destas

relações, onde de forma mais ou menos consensual, se assume a existência de relações de

poder.

Quando falamos de poder, importa trazer à nossa reflexão o contributo de Foucault (2000).

Para este autor, o poder moderno existe, não como forma absoluta e de exercício repressivo,

mas presente nas diferentes atitudes individuais, onde o saber e o discurso, induzindo para

uma concepção de verdade, são determinantes no controlo social. Aquilo que Foucault (2000)

concebe como relações de poder implica a existência de relações de desigualdade e de uma

dinâmica, onde as diferentes forças se chocam e contrapõem. Se entendermos, tal como

Foucault (2000), que o saber se associa ao poder e se recuarmos no tempo até ao momento

em que às mulheres lhes era vedado o conhecimento e a escolaridade, então percebemos

que as relações do poder masculino sobre o feminino surgiram também por força da falta de

saber das mulheres. Assim, se entente a existência de um poder disseminado e não adstrito a

uma só classe dominante, mas que não se estende a todos de igual maneira, pois homens e

mulheres sem saber constituem-se homens e mulheres sem poder.

Durante anos e anos, as mulheres foram submetidas a fortes restrições na participação na

actuação política, com base nas justificações biológicas. Algumas feministas questionam o

destino das mulheres com base na biologia feminina, ao passo que diversas correntes de

pensamento, nomeadamente o existencialismo, colocam a ênfase na liberdade, na

individualidade e na responsabilidade. Enquanto estes atributos eram, historicamente,

pertença masculina, o que as/os feministas fizeram foi estender estas qualidades humanas

também às mulheres.

Vivendo numa época desmotivadora, as mulheres pareciam resignadas a um papel invisível

na sociedade, quando se iniciou uma nova etapa fundamental no pensamento feminista

ocidental, graças à obra de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, publicada, pela primeira

vez, em França em 1949. A conhecida afirmação, que inicia o volume II: “Não nascemos

mulheres, tornamo-nos mulheres”, problematiza o conceito de mulher enquanto construção

social, antecipando, em mais de duas décadas, aquela que seria uma das questões centrais

para o feminismo da segunda vaga. Para Beauvoir, a feminilidade é o resultado da

escravidão milenar e a antítese da liberdade. Por isso, afirma que a luta entre os sexos

durará enquanto os homens e as mulheres não se reconheceram como semelhantes.

Esta obra literária é o primeiro trabalho no seio da teoria feminista a elaborar uma crítica

sistemática de Freud sob a forma de uma dupla rejeição: por um lado, das noções

biologicamente deterministas ou naturalistas sobre as mulheres e, por outro, da constante

sujeição das mulheres ao modelo masculino de desenvolvimento psíquico. De facto, constitui

uma poderosa afirmação do direito das mulheres à independência, autonomia e

autodeterminação, contribuindo para que Simone de Beauvoir passasse a ser vista como a

mãe do feminismo moderno e, consequentemente, simbólica e literalmente idealizada e

contestada.

Se não existe igualdade entre homens e mulheres na política, no meio social, no meio

educativo, então a nossa vivência de socialização, de relação e a procura do nosso lugar,

mesmo na literatura, difere em muitos aspectos de entre homens e mulheres e entre mulheres.

Por isso, o contributo dos movimentos feministas foi e continua a ser fundamental na

emergência da história das mulheres.

Os estudos sobre as mulheres pretendem demonstrar que as mulheres tiveram uma história e

que não estiveram ausentes nas lutas principais das mudanças políticas da civilização

ocidental. Mais ainda, a importância dos estudos voltados para o quotidiano das vivências

das mulheres demonstram aspectos socioculturais capazes de nos informar desse papéis e

funções, até mesmo das relações estabelecidas entre homens e mulheres na sociedade.

No desenvolvimento dos feminismos e dos estudos sobre as mulheres, surgiu o conceito de

género (Scott, 1990; Morais, 2008), termo inicialmente construído para dar conta dos

aspectos da construção social dos papéis femininos e masculinos, diferenciando esta

construção da sociedade do que é biologicamente dado. Assim, sexo seria um conceito para

as diferenças biológicas e género para aquilo que as diferentes sociedades em diversos

momentos históricos construíram como sendo atributos e funções diferenciados para homens e

para mulheres. No entanto, este conceito de género não é consensual, sendo que algumas

autoras feministas e dos estudos sobre as mulheres contestam sua utilização, por negar o

carácter social da própria construção do sexo

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.

Neste momento, as áreas dos estudos sobre as mulheres, dos estudos feministas e dos estudos

de género - sendo de carácter multidisciplinar - são também áreas com questões polémicas.

Para além da história das mulheres, estas áreas de estudos passaram igualmente a produzir

conhecimento em campos muito diversificados como a filosofia, a psicologia, a medicina, a

sociologia, a linguística, a economia, a demografia, as ciências da enfermagem, as ciências

da educação, etc.

O desenvolvimento dos Estudos sobre as Mulheres, para além da produção de conhecimentos,

permite-nos romper com o senso comum, pois enfocam noções e conceitos baseados no rigor

científico. Têm-nos proporcionado “grandes momentos” ao tornarem evidentes os factos

culturalmente construídos, diferenciando-os daquilo que pensávamos ser pura natureza

biológica. Os estudos sobre as mulheres permitem-nos encontrar, na História Portuguesa,

vários exemplos de mulheres que marcaram a nossa história, como evidenciam as palavras

de Couto (2003, p. 43), citando Hatherly, que considera:

“Veículo da memória, a palavra escrita é o único acesso a esse mundo

irremediavelmente perdido no tempo. Ela será, na expressão de Ana Hartherly, a

petrificada imagem de um “percurso/ do rio antigo/ da seta temporal (…).

Devolvendo a voz a esses textos esquecidos, restaura-se uma herança cultural

negligenciada. Perscrutando os seus sentidos, constrói-se uma linhagem, sabendo-se

que ao resgatar, reinventando-a, essa memória é o património da humanidade, nas

suas múltiplas dimensões, que se enriquece.”

Neste campo, podemos destacar o papel das revistas Ex-Aqueo e Faces de EVA, enquanto

duas revistas científicas que constituem um espaço de divulgação da investigação que se faz

em Portugal.

Também, a institucionalização do Mestrado de Estudos Sobre as Mulheres em 1995, na

Universidade Aberta, foi um momento marcante, pois originou a produção e a divulgação de

dissertações em contextos multidisciplinares. E porque falamos do Mestrado em Estudos sobre

as Mulheres, é imperativo falar de Teresa Joaquim, professora da Universidade Aberta,

coordenadora deste mestrado e investigadora no Centro de Estudos das Migrações e das

Relações Interculturais que, a propósito dos estudos sobre as mulheres, diz: “Porque os

feminismos e os estudos sobre as mulheres são certamente também formas diversas de poder

habitar a teoria e as práticas de outro modo” (Joaquim, 2007, p. 205). Como afirma Vicente

(2002, p.16-17):

“A biografia das pessoas comuns, em geral, e das mulheres em particular, passou

assim a ter justificação, pois o individual e o particular é entendido como actor e

agente histórico. (…) De forma indirecta e directa, todo o trabalho realizado na

vasta zona transdisciplinar, que constitui os estudos sobre as mulheres e os estudos

de género, também alimentou esta transformação da história e do elemento

“memória” como fonte histórica.”

Os estudos sobre as mulheres permitem a construção de uma memória colectiva com

sequência e permite-nos conhecer o passado, avaliar o presente e projectar o futuro.

Esta dissertação inscreve-se neste caminho, trazendo as vivências, subjectividades e vozes de

mulheres comuns acerca da menopausa e da sexualidade, num percurso de pesquisa que se

fez através da metodologia narrativas biográficas, inscrita no método biográfico.

No próximo capítulo, apresentaremos o desenho metodológico desta tese, apresentando as

nossas opções epistemológicas na escolha de narrativas biográficas e os procedimentos

realizados para elaborar as narrativas e proceder à respectiva análise de conteúdo.