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Medicalização e menopausa 78 

CAPÍTULO II – A MENOPAUSA: UMA RUPTURA OU UM INÍCIO? 74 

1. Definição e conceitos 75 

1.1. Medicalização e menopausa 78 

A medicina tem vindo a apropriar-se dos saberes em torno da saúde das mulheres com o

discurso biomédico hegemónico, tendo-se tornado, no último século, a detentora do

conhecimento sobre a saúde das mulheres. De facto, o discurso actual sobre o corpo das

mulheres em menopausa centra-se na sintomatologia física relacionada com a carência

hormonal e que, de acordo com o modelo biomédico, é tratável com a Terapêutica Hormonal

de Substituição (THS).

Todavia, estas abordagens - que relacionam a falta de menstruação e do término da

fertilidade com a perda da feminilidade, diminuição da libido, perda da juventude, da

beleza e da saúde - representam muito mais do que alterações físicas.

As ciências biomédicas explicam as alterações do interesse sexual através da diminuição dos

estrogénios, apontando sempre a THS como a solução e o contributo único e eficaz, para a

melhoria da sexualidade e da saúde das mulheres.

Relativamente à utilização da THS, a OMS (1996, p.91) emite a seguinte orientação:

“Tanto os médicos como as potenciais usurárias das hormonas deveriam

compreender claramente a distinção entre fins terapêuticos a curto prazo e fins

preventivos a longo prazo, e que os riscos e benefícios destes tipos de tratamento

são muito distintos. Em alguns tratamentos preventivos de longa duração, podem

estar associados os aumentos de risco do câncer do endométrio e, possivelmente,

câncer da mama.”

Numa outra perspectiva, alguns teóricos da área da medicina começam, actualmente, a

reconhecer que o prazer sexual pode estar relacionado, também, com outros factores que

não seja a redução dos níveis hormonais (Antunes, 1999). Começam a valorizar a “expressão

A menopausa é incontestavelmente associada ao envelhecimento, ou seja, ao fim do ciclo

reprodutivo mas, facilmente, se percebe que esta problemática poderá ser entendida com o

contributo das várias ciências como a sociologia, a psicologia, a história, a enfermagem, os

estudos sobre as mulheres e não apenas a medicina. De facto, é importante conhecer a

relação do casal, qual a influência dos factores socioculturais e psicológicos e outros, tais

como a independência dos filhos, a aproximação da reforma e as modificações físicas.

A THS é considerada, no modelo biomédico, a cura de todos os males; no entanto, o seu uso

também é controverso devido aos riscos e benefícios que lhe estão associados. O objectivo

desta terapêutica é o restabelecimento dos níveis de estrogénios que deixam de ser

produzidos pelos ovários. A maioria dos especialistas considera que a única contra-indicação

da THS é a presença de um tumor activo hormonodependente, como por exemplo, o cancro

da mama. Contudo, este argumento é, em muitos casos, contestado por outros especialistas,

acrescentando-se também a história de antecedentes trombo-embólicos, patologia cardíaca,

patologia vascular ocular e hipertrigliceridémia (Chaby, 1995; SPM, 1998; Brewer, 1999).

Assim, é fundamental que o clínico conheça o estado hormonal da mulher, antes de decidir a

terapêutica e a posologia a prescrever e que sejam efectuados também os seguintes exames:

exame ginecológico como a citologia cervico vaginal, mamografia, ecografia ginecológica,

perfil lipídico e densitometria óssea (SPM, 1998). As contra-indicações relativas são, na sua

maioria, ginecológicas: pequenos fibromas, enxaquecas, fibromas muito hemorrágicos,

endometriose, diabetes não insulino dependente, enquanto a diabetes insulino dependente

pode beneficiar de uma eventual função protectora em relação ao risco vascular (Chaby,

1995). O cancro do colo do útero, como não é hormonodependente, assim como a

hipertensão arterial tratada, a hipercolesterolémia e o tabagismo, doenças coronárias

(angor, enfarte do miocárdio), acidente vascular cerebral, obesidade e diabetes, não

constituem contra-indicação para o uso desta terapêutica (Chaby, 1995; SPM, 1998; Brewer,

1999).

Relativamente ao tratamento, a SPM (1998) considera que a sua eficácia se centra no

desaparecimento dos sintomas e a finalidade última é a melhoria substancial da qualidade

de vida e da longevidade com qualidade.

No congresso mundial da menopausa, em Sidney, em 1995, e no congresso europeu da

menopausa em Viena, em 1997, muitos autores começaram a atribuir importância à

associação de androgénios à THS, havendo consenso no efeito desta terapêutica no

restabelecimento da líbido (Sherwin, 1997).

Os androgénios podem levar, em pequena percentagem, ao aparecimento de hirsutismo, mas

tem como vantagens a diminuição do risco de neoplasia mamária, a melhoria da

densitometria óssea, a melhoria da energia e da líbido, melhorando assim a qualidade de

vida das mulheres (Antunes, 1999).

Com efeito, todos concordamos que as mulheres têm direito à assistência médica, às terapias

hormonais, aos exames médicos que lhe são inerentes. Todavia, o tratamento da menopausa

não é de exclusividade médica nem hormonal (Chaby, 1995). Neste sentido, quanto aos

cuidados de enfermagem especializados, surgem questões pertinentes: Como tratar a

menopausa? Como ajudar as mulheres a vivenciarem esta fase que integra o seu ciclo de

vida? Será necessário deixar actuar a natureza? A menopausa deve ser respeitada ou

dominada?

As representações da menopausa através das diferentes culturas evidenciam várias

construções sociais e dependem do contexto económico e cultural onde a mulher está inserida.

Nos dias de hoje, a menopausa é objecto de várias investigações através das quais se tenta

conhecer os efeitos das hormonas no organismo. Mas a idade da menopausa também pode

coincidir com o anúncio do término do emprego (reforma), do aparecimento das rugas, do

aumento de peso, das insónias, das depressões e do nascimento dos netos.

A aposta na medicalização da menopausa deve ser com e para as mulheres, ou seja, deve

ter em conta o desejo da mulher e a sua radical alteridade. Não pode ser reduzida a

objecto de uma prescrição estereotipada por imposição, mas sim por necessidade

comprovada e por uma solicitação.

Por outro lado, os/as enfermeiros/as devem estar envolvidos/as e serem proactivos/as no

sentido de actuarem através da prevenção, ainda na fase da pré-menopausa, porque, como

afirma Chaby (1995, p.126), “(…) tratar a menopausa não é actuar de forma a que ela se

desenrole sem história; pelo contrário, é trabalhar na sua temporalidade. O regresso e o recurso

à sua história permite a cada mulher encontrar-se. A menopausa não é uma fase, mas um degrau

no feminino.”

Numa outra perspectiva, a menopausa pode, também, ser encarada como o fim de algumas

preocupações e o início de algumas vantagens. De acordo com Collange (2006, p.55)

“Actualmente, temos de nos convencer de que, a partir do dia em que as regras desaparecem,

temos a vontade de viver os trinta ou quarenta anos seguintes sem nos preocuparmos com as

datas de partida para férias ou aceitar ir jantar com um cavalheiro para um primeiro encontro

amoroso!”

Hoje, há mulheres que referem mais prazer devido à liberdade sexual que usufruem neste

período, dado estarem livres das preocupações de uma gravidez indesejada. Esta fase

marcante na vida de uma mulher pode ser assustadora ou maravilhosa.

Consideramos que a sexualidade na menopausa é uma temática que deve ser discutida, pois

é um período fisiológico que está rodeado de fantasmas, muitas vezes criados pelos próprios

profissionais de saúde, ao fazerem a associação ao patológico, criados também pelas

próprias mulheres, como desculpa de que a função da mulher é gerar. Nesta perspectiva,

sendo o sexo igual à reprodução, a mulher em menopausa considera-se “menos mulher” ou

“sem prazer” na relação sexual, usando esses argumentos para não manter o relacionamento

sexual com o companheiro. Toda esta problemática coloca novos desafios ao cuidar em

enfermagem, no sentido de desmistificar todas estas construções sociais, o que vai ser mais

detalhadamente apresentado na próxima secção.