CAPÍTULO II – A MENOPAUSA: UMA RUPTURA OU UM INÍCIO? 74
3. A sexualidade na menopausa
A sexualidade na menopausa é um tema envolto em mistérios e tabus. Como na sociedade
patriarcal a mulher era submissa e desrespeitada, não lhe sendo permitido ser autêntica, era
ainda mais menosprezada quando entrava na menopausa, porque deixava de ser capaz de
gerar. De facto, a mulher tinha um lugar de “segunda classe” na sociedade. Assim, a
sociedade, onde se inseria a família, era dominada pelo poder patriarcal que levava a
mulher a assumir o seu papel secundário, apenas à custa dos atributos de beleza,
maternidade e sensualidade, construindo o estereótipo da mulher. Pacheco (2000, p.47)
esclarece que “Durante o Estado Novo, a vida conjugal era vista como um território de
abnegação, sacrifício, dedicação, fidelidade e compreensão que não se justificava na
intransigência e na opção para tentar novas experiências, condenadas ao fracasso em cônjuges
inaptos para as fazerem.”
Com estes contributos, criava-se na sociedade moderna uma imagem de mulher que parecia
estar a desestruturar-se, pois, enquanto a ideologia patriarcal sustentava o poder da mulher
na maternidade, com a revolução industrial, a mulher entrou no mercado do trabalho
assalariado, o que lhe exigiu a profissionalização e, simultaneamente, a cidadania, graças à
luta dos movimentos feministas, como já referimos.
Quando a mulher assumiu este papel e saiu do lar, começou a questionar o facto de ter
vivido durante tanto tempo sob o domínio do homem que determinava os seus deveres, as
suas decisões, os seus desejos e sentiu uma verdadeira turbulência de sentimentos. Surgiu
então a necessidade de descobrir quem era, quais os segredos e os desejos do
corpo/pessoa.
No passado, a menopausa era um acontecimento negativo porque significava que a mulher
deixava de ter utilidade. A crença de que a mulher em menopausa perde a sua feminilidade
pode ainda estar presente nos dias de hoje, já que actualmente também o patriarcado não
está completamente erradicado. No entanto, actualmente, a maioria das mulheres em
menopausa convive com uma visão de sexualidade diferente daquela da sua juventude, pois
a chamada revolução sexual mudou o seu modo de pensar, de sentir e de querer (Pateman,
2003).
Hoje, sabe-se que a capacidade sexual da mulher não termina com a menopausa. Precisa
apenas de um parceiro saudável, interessante e interessado, pois mesmo em menopausa não
deixa de sentir atracção e desejo sexual. Na verdade, o que acontece é que ao conceito de
menopausa se associa o estigma social de se ser uma mulher em menopausa. Desta forma,
vendo a sua auto-estima reduzida, a mulher não tem vontade de despertar desejo, começa a
acreditar que está doente e pensa recorrer à THS para melhorar todos os problemas da sua
vida. O que está em jogo é o poder feminino da mulher e é a sua necessidade de amor, de
um companheiro que não lhe diga constantemente que ela está envelhecida e que não está
tão atraente, no momento em que está em menopausa.
Há também mulheres que chegam a esta fase do ciclo vital e descobrem que o companheiro
quer encontrar uma mulher mais nova. Esta constatação de um declínio no poder feminino na
meia-idade pode originar várias reacções, podendo levar à depressão ou até aumentar o
nível de desejo sexual, que parece justificar-se como sendo uma necessidade de provar que
ainda se tem poder. Com efeito, a mulher deve saber que este envelhecimento é comum ao
homem, dado que ele, também, se vai sentir pressionado a ter uma vitalidade sexual
exuberante (Badinter, 1992).
O carácter afectivo das relações entre o casal é desenvolvido à medida que este se
relaciona, convive e interage com todos os que o rodeiam, desde os filhos aos amigos. Os
afectos condicionam as relações humanas
9. Por outro lado, há também mulheres a quem a
menopausa torna mais espontâneas, dado que o facto de não engravidarem as leva a
abandonar as preocupações com esse risco. Neste sentido, a maioria das mulheres de hoje
faz parte de uma geração que pode viver a sexualidade dissociada da reprodução.
Os sintomas fisiológicos - mais visíveis e repetidos na literatura - a que a mulher está sujeita
são, para além da irregularidade do fluxo menstrual, a instabilidade vasomotora, os
afrontamentos, a irritabilidade, a ansiedade e a consequente diminuição do apetite sexual
(Palácios, 1990; Chaby, 1995; Santos, 1995; OMS, 1996; Antunes 1999).
A mulher em menopausa é, muitas vezes, encarada como não atraente, o que nem sempre é
verdade. Esta questão da atracção está ligada à “coisificação” da mulher que a ideologia
patriarcal transformou em objecto sexual. Com a idade madura, esta “coitadificação”
generaliza-se a várias vertentes, inclusive na área sexual: parece perder direito ao afecto e,
consequente e indissociavelmente, o direito ao desejo e ao prazer.
Por conseguinte, a menopausa não pode continuar a ser um estigma! Não pretendemos com
isto dizer que não existem alterações durante a menopausa, porque isso seria uma inverdade
científica, pois as alterações fisiológicas são provadas e comprovadas. O que importa é
revogar as crenças e os tabus que a sociedade e a cultura associaram, voluntária ou
involuntariamente, ao processo de envelhecimento, especialmente no que concerne à vivência
da sexualidade.
A menopausa pode implicar alguma limitação em termos de desempenho sexual, mas existem
estratégias que podem melhorar o desejo, funcionando como um incentivo do direito a uma
vivência sexual em plenitude satisfatória e efectuando um upgrade qualitativo. Portanto,
assumindo algumas alterações fisiológicas com maturidade, tranquilidade, respeito e sem
falsos pudores, as mulheres/o casal em menopausa podem alcançar em pleno o direito à
díade afectiva – sexualidade/prazer, de forma satisfatória.
As reacções negativas face à menopausa são fruto dos estigmas culturais herdados, porque o
envelhecimento ocorre e deve decorrer de forma tranquila. A mulher percebe que a vida
sexual foi boa e que pode continuar a sê-lo, desde que conscientemente - sem receios e sem
preocupações - tenha a clara percepção de que o interesse sexual irá diminuindo. Assim, o
diálogo e a comunicação tornam-se fundamentais entre o casal, que passa a encarar a
realidade com a naturalidade merecida para vivenciar a sexualidade de forma assumida e
dignamente reconhecida.
No documento
Menopausa e sexualidade : o (des)prazer de envelhecer
(páginas 105-109)