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PARTE I- CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA: DIÁLOGOS COM A

CAPÍTULO 1. O CAMPO DO CURRÍCULO: DIVERSIDADE E

1.4 ESTUDOS SOBRE O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA

A partir da necessidade de conhecer os modos como a Educação Física vem se relacionando com a temática curricular, selecionamos dois estudos que se propuseram a fazer uma revisão bibliográfica do tema. O primeiro estudo tratou dos estudos publicados em periódicos e revistas entre os anos de 1987 a 1996 e teve como foco as produções sobre o currículo dos cursos de educação física no ensino superior. O segundo abarcou a produção dos periódicos entre os anos 1990 até o ano de 2013 e tratou exclusivamente da discussão na área da educação física escolar.

Com a intenção de completar o ciclo de estudos até o período atual, realizamos a investigação de outras fontes para compreender os diálogos da Educação Física com as questões curriculares. Escolhemos o Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Conbrace), justamente por este conter trabalhos de autores que, em grande medida, não são contemplados nos periódicos, evidenciando uma maior pluralidade de investigações.

Para completar o ciclo de estudos, selecionamos as últimas três edições do congresso referentes aos anos de 2013, 2015 e 2017. Em função dos anais de 2017 não terem sido disponibilizados a tempo da produção deste texto, selecionamos apenas as duas primeiras edições.

Assim sendo, apresentaremos cada um dos estudos e, posteriormente, faremos algumas considerações sobre o modo como as discussões sobre o currículo vêm sendo desenvolvidas na Educação Física.

No estudo de Mendes (2005), “O campo do currículo e a produção curricular na educação física nos anos 90”, foram analisados 20 artigos encontrados em revistas e periódicos de circulação nacional publicados no período de 1987 a 1996 que tratam do tema currículo do Ensino Superior de Educação Física. O autor buscou detectar as orientações e as temáticas mais recorrentes nessa área.

47 Foi verificado que o principal tema dos estudos recaía sobre a reforma curricular, em função da publicação da Resolução 03/87, que trouxe as novas regulamentações para os currículos dos cursos de educação física no Brasil. De forma geral, os estudos tinham como objeto de pesquisa o currículo oficial ou escrito, não sendo contempladas outras dimensões.

Outra consideração feita por Mendes (2005), diz respeito à ausência de referências do campo curricular nos estudos. Dos 20 trabalhos examinados apenas nove (9) usaram alguma literatura do campo curricular.

Ao final do trabalho, o autor concluiu que os estudos apostavam no professor como o principal agente de mudança curricular, ignorando o fato de que ele sozinho não é capaz de realizar tais mudanças.

O segundo estudo intitulado “As teorias curriculares nas produções acerca da educação física escolar: uma revisão sistemática”, de Rocha et al. (2015), buscou analisar quais e como as teorias curriculares têm subsidiado os estudos curriculares da educação física escolar no cenário das produções acadêmicas brasileiras. Os autores realizaram uma revisão sistemática em periódicos da Educação (A1 e A2) e da Educação Física (A2 à B2) inclusos no sistema WebQualis da Capes triênio 2010-2012, com marco cronológico inicial de 1990 até o ano de 2013, totalizando 35 estudos.

Dentre os estudos selecionados, quatro (4) deles se inspiraram nas teorias tradicionais, e as preocupações dos trabalhos se relacionavam com os saberes que deveriam compor o currículo, sem fazer qualquer relação com realidade social dos alunos. O maior número de investigações, um total de 25, buscou inspiração nas teorias críticas, e por isso compreendia o currículo como artefato sociocultural, perpassado por relações de poder, construído historicamente, socialmente e cientificamente. Os seis (6) estudos restantes construíram suas análises com base nas teorias pós-críticas. Nestes estudos, o currículo reconhecia e valorizava as diferenças, assegurando uma diversidade cultural, rompia com discriminações, injustiças e a naturalização das diferenças, e revelava pontos de resistência e de construção da identidade cultural.

Apesar dos estudos buscarem inspirações nas teorias de currículo, Rocha et al. (2015) evidenciaram uma ausência de declaração acerca da teoria curricular que fundamentava os estudos.

Os autores entenderam como positivo o fato de a maior parte dos trabalhos se inspirarem nas teorias críticas, evitando assim um entendimento do currículo como um documento que expressa meramente questões técnicas ou prescrições. Além disso, os

48 autores também identificaram uma influência das teorias pós-críticas, principalmente daquelas vinculadas ao multiculturalismo, nos estudos realizados na primeira década do século XXI, ainda que de forma tímida.

O terceiro estudo foi realizado por nós e teve como foco a discussão sobre currículo nos anais do Conbrace dos anos de 2013 e 2015. Para selecionar os trabalhos, digitamos no campo de busca do site do congresso o termo “currículo”, já que entendemos que esse termo poderia estar presente nos diferentes Grupos de Trabalhos do evento. Nos anais de 2013 encontramos cinco (5) trabalhos e nos anais de 2015 apareceram 15 trabalhos. Desses 15 trabalhos, dois (2) não puderam ser acessados em função da indisponibilidade do link no site. Dessa forma analisamos o total de 20 estudos.

Para elucidar o tipo de currículo que os estudos investigaram, podemos dizer que do total de estudos, nove (9) se dedicaram a investigar o currículo prescrito, dois (2) fizeram suas análises acerca das repercussões do prescrito no vivido e três (3) tiveram como foco os currículos vividos. A maior parte dos estudos teve como tema da investigação os currículos da educação básica, destacando-se as investigações sobre as propostas curriculares oficiais para as redes públicas de educação totalizando 16 trabalhos. Apenas dois (2) estudos trataram do ensino superior.

Acerca da concepção de currículo explicitada nos trabalhos, podemos dizer que quatro (4) deles conceberam o currículo enquanto um documento que expressa relações de poder, um (1) trabalho identificou o currículo como um percurso a ser seguido pelas escolas, nove (9) trabalhos trataram o currículo enquanto construção social e quatro (4) trabalhos não explicitaram concepções de currículo.

Sobre as teorias curriculares anunciadas de forma explícita nos estudos podemos dizer que sete (7) deles se basearam em teorias pós-críticas. Esses estudos fizeram referência aos Estudos Culturais, ao Multiculturalismo, aos Estudos do cotidiano e a concepção de Atos de Currículo.20 Dois (2) estudos anunciaram vínculos com as teorias críticas e nove (9) trabalhos não fizeram referências explícitas a uma teoria curricular.

Procuramos conhecer também se os estudos faziam menção a autores do campo do currículo e verificamos que 13 trabalhos fizeram a referência, sendo que dois (2) deles pautavam a discussão curricular exclusivamente nos estudos do professor Marcos Neira, que tem buscado desenvolver investigações sobre currículo e Educação Física.

20Segundo Macedo (2013), o conceito de atos de currículo pauta-se no entendimento, todas as pessoas

envolvidas com o currículo são consideradas atores curriculares, ou seja, interagem atribuindo sentidos a partir de uma posição política.

49 Os três estudos apresentados, embora não representem um estado da arte acerca das questões curriculares na Educação Física, podem indicar alguns aspectos sobre o modo como o currículo vem sendo compreendido na área. É notável, por exemplo, uma evolução do diálogo da área com autores do campo do currículo, pois se no estudo de Mendes (2005) havia uma ausência de referências, em nosso estudo, dos 18 trabalhos analisados, 13 fizeram referência a diferentes autores desse campo, o que denota não somente o crescimento do campo curricular no Brasil, mas sua valorização pela área da Educação Física.

Um segundo aspecto que podemos pontuar refere-se ao fortalecimento das teorias pós-críticas nos estudos da área, mais marcadamente, aqueles vinculados aos Estudos Culturais/ Multiculturalismo. O que era um movimento tímido nos estudos de Rocha et al. (2015) passou a ter maior expressividade nas duas edições dos anais do Conbrace.

Essa maior expressividade dos estudos pós-críticos, que também foi evidenciado por Lopes (2013) nos estudos na área da educação, explica, em parte, o que acontece na Educação Física. Como consequência, nota-se também um abandono das teorias curriculares que entendiam o currículo apenas como prescrição do que professores e alunos deveriam seguir, sem possibilidade de interpretação, autonomia e resistência.

O terceiro aspecto diz respeito ao fato de ainda ser marcante o fato de os estudos não anunciarem de forma explícita as teorias curriculares que lhe dão sustentação teórica, ainda que estes apresentassem conceitos e citassem autores do campo curricular conforme os dois últimos estudos apresentados.

Essa ausência de uma declaração assumida em torno da teoria curricular utilizada pode ter relação com um hibridismo das teorias críticas e pós-críticas nos estudos, isso porque, assim como afirma Ribeiro (2016, p. 285), “A complexidade do campo curricular nos últimos anos tem sido de tal ordem que cada vez mais é difícil definir, por exemplo, as fronteiras entre críticos e pós-críticos”.

Além disso, levantamos a hipótese de que os pesquisadores também têm percebido as limitações das teorias, já que, assim como nos alerta Pacheco (2003, p. 4), “não existe uma perspectiva única que explique totalmente a realidade curricular, pois trata‐se de uma prática que produz linguagens contraditórias, resultantes de várias forças de influência”.

A esse fato podemos acrescentar, assim como afirma Lopes (2013), a influência do cenário dito pós-moderno na construção de outras formas de compreender o social, que acaba por recair na forma como os currículos passaram a ser compreendidos e, por isso, o desapego aos rótulos, elemento tão característico do tempo que vivemos.

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CAPÍTULO 2. AS REFORMAS CURRICULARES E SUAS REPERCUSSÕES NOS