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PARTE I- CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA: DIÁLOGOS COM A

CAPÍTULO 2. AS REFORMAS CURRICULARES E SUAS REPERCUSSÕES

2.1 OS CURRÍCULOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS

A formação de professores de educação física está permeada por vários significados, intrinsecamente relacionados à forma como são organizados os cursos de formação, que, segundo Silva (2009), depende, dentre outros fatores, do projeto político pedagógico da instituição de ensino.

No decorrer da história, a formação em Educação Física passou por diferentes estágios. Segundo Azevedo (2013), a origem da nossa formação ocorreu nas Escolas da Marinha e Militar e se restringia à formação de oficiais. Mais tarde, teve início, em alguns lugares do país, cursos de educação física em nível superior em ambiente civil.

Após a criação da Escola Nacional da Educação Física (ENEFD), a formação passou por três importantes marcos legais: As resoluções de 1969 nas quais a licenciatura foi instituída, a resolução de 1987, na qual foi criado o bacharelado e a resolução de 2004 que promoveu a dissociação entre a formação do licenciado e a do bacharel. Segundo Souza Neto et al. (2004), na Resolução de 1969, o curso de Educação Física e Técnico Desportivo previa três anos de duração com carga mínima de 1.800 horas-aula além da redução das matérias básicas de fundamentação científica e aumento das disciplinas voltadas para o esporte. Naquele momento, a legislação determinava apenas um curso único para a formação de professor de Educação Física e Técnico de Desportos.

De acordo com Azevedo (2005), não havia uma preocupação com a literatura acerca do currículo, pois o que interessava era a obrigatoriedade da educação física no ensino e a consequente expansão do mercado de trabalho. Porém, com o fim da ditadura,

51 intelectuais da área da educação iniciaram um processo de reivindicação de um currículo crítico, que estabelecesse relação com o contexto sócio histórico em que a sociedade estava inserida.

A implementação da Resolução CNE/CFE nº 3, de 16 de junho de 1987, permitiu às Instituições de Ensino Superior (IES) oferecer a formação de professores para a área escolar por meio da licenciatura plena, bem como criar o curso de bacharelado visando à atuação na área não escolar (PRUDENTE, 2007). A Resolução nº 3/1987 tratava do “perfil profissiográfico” do licenciado, do bacharel e do técnico desportivo. A proposta era de um currículo mínimo que pretendia caracterizar o perfil profissional, delimitar a área de abrangência do currículo e a duração mínima do curso que passou de três para quatro anos, além de organizar e distribuir as disciplinas em formação geral (Humanista e Técnica) e a parte de Aprofundamento de Conhecimentos Específicos (BORGES, 1995).

Apesar da formação diferenciada para o bacharel e para o licenciado ter sido tratada na Resolução CFE 03/87, até o ano de 1987 existia apenas a licenciatura em educação física e, portanto, o egresso desse curso podia exceder a profissão em espaços de atuação escolar e extraescolar. Em contrapartida, na Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), estabeleceu-se que a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-ia em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, o que não permitiria ao bacharel ministrar aulas na educação básica.

Além das reformas curriculares, a regulamentação da profissão, que ocorreu por meio da Lei nº 9.696 de 1º de setembro de 1998, também trouxe repercussões para os cursos de educação física e acabou reforçando o conflito existente entre a licenciatura e o bacharelado, já que o sistema Confef/Cref passou a impedir o licenciado de atuar em áreas não escolares.

Mais tarde, no ano de 2001, a licenciatura passou a ser pautada pelo Parecer CNE/CP 09/200121 e nas Resoluções CNE/CP 01/200222 e 02/200223 que tratam da formação de professores para atuar na educação básica. A intenção da legislação era reforçar a identidade própria da licenciatura frente ao curso de bacharelado. A licenciatura

21 Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível

superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

22 Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível

superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

23 Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de

52 passou a ser integralizada em, no mínimo, três anos letivos, com carga horária de no mínimo 2.800 horas.

Frente a esses desafios destaca-se a criação da Resolução CNE/CES 07/2004 que passa a definir uma formação específica para graduados em educação física.

Art. 4º O curso de graduação em Educação Física deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética.

§ 1º O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano, visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável.

§ 2º O Professor da Educação Básica, Licenciatura plena em Educação Física, deverá estar qualificado para a docência deste componente curricular na educação básica, tendo como referência a legislação própria do Conselho Nacional de Educação, bem como as orientações específicas para esta formação tratadas nesta Resolução (BRASIL, 2004, p. 2).

Essa Resolução promoveu uma grande discussão na área em decorrência da utilização do termo “cursos de graduação em Educação Física”, pois para alguns grupos de pessoas, os cursos de graduação foram interpretados enquanto cursos de bacharelado, entendendo que as licenciaturas já estavam norteadas pela Resolução CNE/CP Nº. 01/2002, e 02/2002. No entanto, para outros grupos, devido ao fato de a licenciatura também ser considerada um curso de graduação, a Resolução, na visão destes últimos, não dizia respeito apenas ao curso de bacharelado. Como consequência desse entendimento, esse grupo não compreendeu que deveria existir uma formação distinta para os dois cursos.

Apesar de discordâncias, com base nessas diretrizes, os cursos de licenciatura no Brasil, tiveram até o dia 15 de outubro de 2005 para adequar seus currículos e construir seus projetos pedagógicos, além de incluir a discussão das competências e áreas de desenvolvimento profissional, bem como sugestões para avaliação dessas mudanças, como dispõe essa legislação (PAIVA, FIGUEIREDO e ANDRADE FILHO, 2006).

Mais tarde, a Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, legislação em vigor na atualidade, na tentativa de valorizar a formação de professores para a educação básica, aumentou a carga horária dos cursos de 2.800 para no mínimo 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos. As DCNs reforçam, hoje, o entendimento de que a licenciatura deve buscar formar professores para atuar na educação básica.

53 Manifestações de resistência de determinados grupos às atuais DCNs são realizadas a partir de uma compreensão de que o curso de educação física deveria ser único, uma Licenciatura ampliada. Para esses grupos, a legislação tem retirado a autonomia das universidades na elaboração dos currículos.

Segundo Taffarel (2012), a fragmentação do curso significa uma perda de aquisição de direitos adquiridos como a autonomia didático-científica e administrativa das universidades, o que tem sido reforçado pelos sistemas Cref/Confef ao restringir os campos de atuação do profissional.

Na contramão da legislação vigente, uma proposta de Minuta de Projeto de Resolução foi publicada pelo CNE do Ministério da Educação (MEC) em 2015, propondo novas DCNs para os cursos de graduação em educação física. Esse documento prevê a criação de uma licenciatura ampliada e a extinção dos cursos de bacharelado como evidenciam os artigos 7º e 8º.

Art. 7º. Os cursos de Bacharelado em Educação Física atualmente existentes entrarão em regime de extinção, a partir do ano letivo seguinte à publicação desta Resolução.

Art. 8º. As instituições de educação superior que mantêm cursos de Bacharelado em Educação Física poderão transformá-los em cursos de Licenciatura, elaborando novo projeto pedagógico, obedecendo ao contido nesta Resolução (BRASIL, 2015).

Por outro lado, também é possível perceber discursos que compreendem que o que se tem proposto como formação alternativa presente nas DCNs, em nada colabora com o que poderia se configurar com uma formação ampliada. Pereira (2014) trabalha com a hipótese de que as propostas de licenciaturas ampliadas ou unificadas têm se preocupado mais em oferecer uma formação voltada para atender demandas de mercado, que propriamente pensar uma formação que envolva a compreensão de totalidade dos conhecimentos da área.

Krug et al. (2013) também trazem uma preocupação acerca da formação ampliada: [...] cabe questionar se a formação profissional em Educação Física tem como objetivo fundamentar o exercício profissional em bases sólidas, de articulação teórico-prática, ou ampliar os contextos de inserção no mercado de trabalho. Como os cursos de formação generalista irão atender ao mínimo de saberes docentes, se os próprios cursos de licenciatura apresentam lacunas e incoerências formativas, pois muitas disciplinas do currículo carecem de encaminhamentos fundamentados e direcionados ao contexto escolar, por exemplo? Um curso generalista tende a acentuar o problema, pela forma curricular que geralmente apresenta com disciplinas voltadas à docência na escola e outras ligadas à atuação em clubes, academias, por exemplo (KRUG, 2013, p. 402).

54 Diante disso, consideramos que ainda é cedo afirmar se estamos avançando ou não na busca por uma melhor qualificação da formação de professores após a implementação das recentes diretrizes curriculares, até mesmo porque, sabemos que elas não são as únicas responsáveis pela organização dos currículos, que englobam uma série de outros fatores, entre eles, a forma como a Educação Física vem se constituindo enquanto campo político-epistemológico. Faz-se necessária a realização de estudos que procurem investigar as repercussões dessas DCNs nos currículos que se realizam no cotidiano da formação.