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2. DO IMAGINÁRIO POPULARPARA A ESCRITA: A ETERNA

2.7. A ETERNA HORA DO VAMPIRO

─ Em nome de Deus...─ começou Callahan.Ao ouvir o nome da Divindade, Barlow gritou como se tivesse levado uma chicotada, escancarando a boca para baixo, as presas pontudas faiscando. Os tendões de seu pescoço se projetaram em nítido relevo contra a pele. (Stephen King, A hora do vampiro, p.472)

O sucesso do vampiro na literatura, especialmente durante o sécu- lo XIX, se repetiu modestamente durante os primeiros três quartos do século XX, no entanto, a produção de textos sobre chupadores de sangue jamais cessou, por outro lado, nenhum vampiro emblemático como os dos séculos anteriores foi concebido. O romanceEu sou a lenda (1954) de Richard Matheson é o grande destaque dessa época. Entretanto, como o livro narra a história de um homem (Robert Neville) que vive em um mundo infestado por vampiros, Neville,sendo o único humano da trama, é que acaba sendo imortalizado na mente dos fãs de literatura vampírica. Um filme baseado na obra e com título homônimocom direção de Fran- cis Lawrence foi lançado em 2007, as estrelas da trama são Will Smith e Alice Braga. A versão cinematográfica do romance foi bastante impor- tante para tornar a obra de Matheson mais conhecida do grande público.

Na contramão da literatura, o sucesso do vampiro foi estupendo no cinema, durante a época que esta estava em baixa na escrita. O vam- piro tornou-se um dos personagens mais recorrentes nos filmes de terror, no livro Voivode – Estudos sobre vampiros(2002) encontramos a sinop- se de 100 filmes de vampiro no século XX, obviamente o número de produções foi bem superior, os autores tiveram que ser bastante seleti- vos, um dos pesquisadores da obra explica que: ―Para termos uma ideia, ao longo do primeiro século de existência do cinema, foram realizados, ao redor do mundo, cerca de 1300 filmes sobre vampiros, sendo que pelo menos metade deles apresentam a personagem vampiresca como tema central‖ (MORAES65

, 2002, p.3).

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Historiador, mestrando em História, Cultura e Gênero pelo Instituto de Filo- sofia e Ciências Humanas da Unicamp. Colaborador do fanzine sobre cinema Laranja Mecânica – Fonte: Voivode – Estudos sobre os vampiros (2002), p. 324.

Desta forma, o vampirotorna-se o anti-herói mais popular dentro da sociedade ocidental e o monstro mais famoso de todos os tempos, podendo apenas, ser comparado a Frankenstein, que também foi fonte de inspiração de algumas produções, mas num número ínfimo se compa- rado ao vampiro, principalmente ao conde Drácula de Stoker. Vale ob- servar, que, depois do sucesso dos romances de Stephenie Meyer, autora da Saga Crepúsculo (2005-2008), o número de produções audiovisuais aumentou consideravelmente, portanto, no século XXI a sede de sangue do vampiro continua inextinguível. O vampiro inicia sua jornada para se tonar um dos personagens mais populares da literatura no século XX na década de 70, com duas obrasque foram publicadas quase que simultaneamente: A hora do vampiro (1975) de Stephen King e Entre- vista com o vampiro (1976) de Anne Rice.

O romance de King, intituladoSalemʾs lot, em inglês, que é a a- breviação de Jerusalém, talvez uma alusão à cidade que supostamente foi palco da salvação do mundo, pois foi neste localJesus se sacrificou em prol da raça humana e lutou contra as forças malignas, principalmen- te expulsando demônios, assim como a Jerusalém do romance de King, também se torna o local onde a proliferação de vampiros foi interrompi- da por Ben Mears e seus companheiros. Outrossim, também pode ser uma menção à cidade de Salém nos Estados Unidos, onde ocorreram vários julgamentos de bruxaria no final do século XVII, portanto, para os que acreditavam, a mesma era infestada de seres com poderes sobre- naturais.

A obra não traz grandes mudanças,pois o vampiro, apesar de estar no século XX, ainda tem os mesmos temores dos vampiros da ficção dos séculos anteriores. Principalmente inspirado em Drácula (1897) e com alusões a outras obras vampíricas, o romance pouco acrescentou em termos de criação de um vampiro que se sobressaísse a seus predecesso- res e inovasse o gênero. No entanto, a narrativa é bem construída e con- segue prender a atenção do leitor, foi adaptado para televisão nos Esta- dos Unidos em 1979 e recebeu duas adaptações para o cinema, a primei- ra em 1987 dirigido por Larry Cohen e a segunda em 2004 dirigida por Mikael Salomon.

King acentua que foi bastante inspirado por obras clássicas de vampiros através do seu narrador: ―Todos sabiam que tais coisas não existiam. O poema ―Cristabel‖ de Coleridge e o romance de Bram Sto- ker eram apenas frutos de imaginações refinadas‖ (KING, 2010,p.236). Em outra passagem, um dos personagens faz o seguinte comentário: ―Segundo a literatura gótica, vampiros não podem ir entrado na casa de

alguém para sugar seu sangue. Precisam ser convidados‖ (KING, 2010, p. 279), este trecho é claramente inspirado em Drácula (1897).

O crucifixo continua sendo a grande arma contra vampiros, pois ao ver a cruz: ―A criatura que seria Mike Ryerson silvou como se tivesse recebido água fervente no rosto. Levantou os braços num gesto de defe- sa‖ (KING, 2010, p. 285). Além disso outros elementos das convenções vampíricas também são utilizados, como: alho, água benta, caixões, estacas de madeira, hipnose e a sensualidade intensificada após a trans- formação. Ademais, há menções a personagens de filmes de vampiros e também aos sanguessugas da antiguidade, como Kali, a deusa indiana.

Em outro trecho, percebemos claramente a intertextualidade com A família do Vurdalak (1847) de Tolstoi:

Mark Pertrie virou-se na cama, olhou pela janela e viu Danny Glick, olhando-o fixamente do outro lado do vidro, pálido como a morte, os olhos ver- melhos e brutais. Uma substância escura mancha- va seus lábios e queixo, quando viu que Mark o- lhava, ele sorriu e mostrou dentes horrivelmente longos e afiados (KING, 2010, p. 327).

O conto de Tolstoi apresenta duas cenas muito parecidas com es- ta: ―Quanto o sono começou a turvar meus pensamentos, senti como por instinto, a aproximação dele [o vampiro]. Abri os olhos e vi seu rosto lívido contra o vidro‖ (TOLSTOI, 2008, p. 114) e ―Meu olhar recaiu na janela e vi o infame Gorcha [vampiro], apoiado sobre uma estaca ensan- guentada e fitando-me com olhos de hiena‖ (TOLSTOI, 2008, p. 127).

Portanto, King mostra ter um grande conhecimento das obras lite- rárias sobre vampiros e também das lendas do leste europeu, até mesmo as menciona no decorrer do enredo, seus vampiros, assim como osdas lendas europeias, apresentam características de mortos já em decompo- sição: ―O cheiro que exalava daquela boca era indescritivelmente fétido: de restos apodrecendo num sepulcro. Mãos frias e escorregadias pousa- ram no ombro de Mark. A cabeça se inclinou, como a de um cão, e o lábio superior descobriu os brilhantes caninos‖ (KING, 2010, p. 329). A linguagem utilizada por King é bastante descritiva e cinematográfica, às vezes quase como se fosse um script, talvez por esta razão, tenha sido adaptada tantas vezes para meios audiovisuais.