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2. DO IMAGINÁRIO POPULARPARA A ESCRITA: A ETERNA

2.4. VARNEY – UM VAMPIRO EM SÉRIE

O século XIX, depois de O vampiro de Polidori, se tornou o sécu- lo dos vampiros, pois a partir de então eles proliferaram e entraram para o mundo ficcional como os personagens que mais seriam recriados, redesenhados e reescritos nos séculos vindouros. É importante mencio- nar que o teatro também fez parte da popularização da figura do vampi- ro.

Na primeira metade do século XIX ainda estávamos no início das revoluções tecnológicas, portanto, o caminho do vampiro, influenciado pela literatura foi o teatro: ―A adaptação teatral do conto [The Vamp- yre], por Charles Nodier, desencadeou uma verdadeira vampiromania no teatro, que se espalhou pela Europa‖ (ARGEL, MOREIRA NETO, 2008, p. 78). O grotesco ligado ao terror físico e psicológico que o vampiro trazia consigo parecia fascinar a sociedade europeia da época, na França dizia-se que todo teatro que se prezasse teria que ter seu pró- prio vampiro. Destarte, o teatro acolheu o vampiro, tornando-o assim cada vez mais poderoso e inesquecível.

Essa onda vampiresca empolgou vários escritores famosos da é- poca e também aspirantes à fama. Na Inglaterra, o vampiro continuou a fazer sucesso tanto no teatro como na literatura.Surgiram então os folhe- tins vampirescos, que ficaram conhecidos como penny bloods ou penny dreadfuls:

A expressão máxima da produção cultural de massa no século XIX apareceu na Inglaterra, sob a forma dos penny bloods, ou penny dreadfuls, fo- lhetins seriados publicados semanalmente e ven- didos a um preço insignificante (um penny, algo como um centavo). Traziam intermináveis histó- rias mirabolantes, carregadas de ação e violência. Surgidos na década de 183056, a princípio tinham como público alvo a classe trabalhadora, em fran- ca expansão naquela época pós-Revolução Indus- trial. Com o passar do tempo, voltaram-se mais e mais para um público adolescente masculino e, na década de 1860, eram quase todos dirigidos a ra- pazes (ARGEL, MOREIRA NETO, 2008, p.36). O personagem foi adotado pelo público inglês, que tentou mantê- lo vivo, baixando os custos da produção dos folhetins para que mais pessoas tivessem acesso a esse tipo de literatura popular. Isso demonstra que o público em geral sentia uma grande simpatia pelos vampiros e talvez inconscientemente por aquilo que ele representa, isto é, o poder de ter vida eterna.

Um fato que nos chama a atenção é que nessa época os rapazes pareciam estar mais ―atraídos‖ pelo vampiro, nos dias de hoje constata- mos que o vampiro é um grande sedutor não só de ambos os sexos, mas também das pessoas que expressam uma sexualidade alternativa aos padrões estabelecidos pela sociedade conservadora, pois o vampiro pode trafegar por todas as áreas da psique humana, sua sexualidade pode habitar todas as áreas do desejo e do prazer e, como sabemos, a sexuali- dade humana e todas as suas nuances sempre foram um grande tabu.

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Talvez por um erro de impressão, a data tenha saído impressa incorretamente, na verdade as aventuras do vampiro Varney começaram na década de 1840.

Figura X - Varney (1845)

Fonte: https://www.tumblr.com/search/Varney-the-vampire

Os penny bloods foram muito importantes para consolidação do vampiro como personagem atemporal. O grande destaque desta era foi o personagem Varney, um vampiro que já mostrava um lado bastante humano, pois já se questionava sobre sua condição:

Curiosamente, é o primeiro vampiro a ser descrito como ―mal-ajambrado‖. Parece abominar a condi- ção vampírica, debatendo-se entre dúvidas e sen- timentos de culpa, mas, ainda assim, atravessa os 220 capítulos, divididos em 109 edições, seduzin- do e vampirizando jovenzinhas enquanto viaja pe- la Europa. Por fim, incapaz de suportar a não-vida eterna, de súbito decide matar-se e se atira no Ve- súvio, provavelmente quando o editor decidiu que o folhetim já tinha dado o que tinha que dar (AR- GEL, MOREIRA NETO, 2008, p. 37).

Varney é um vampiro, que apesar de sua má índole, sofre tanto quanto os humanos. Posteriormente este lado melancólico e desajustado do vampiro será bastante explorado por escritores do final do século XX

e início do XXI, como exemplos podemos citar Anne Rice, autora da Crônicas vampirescas e Stephenie Meyer escritora da Saga crepúsculo.

O Varney Riceano se chamará Louis, um vampiro aterrorizado pela sua condição e pela desgraça de ter uma vida eterna. Em contrapar- tida Meyer cria Edward, um vampiro que parece aceitar um pouco me- lhor sua condição, mas sofre porque se apaixona por uma humana e por causa dela sofre privações e dilemas genuinamente humanos.

Embora Varney tenha sido um grande sucesso, não sabemos exa- tamente quem foram os autores das muitas de suas histórias, as quais foram produzidas entre as décadas de 40 à 60 do século XIX, muitas fontes afirmam que foi obra de James Malcom Rymer, outras, porém, acrescentam também Thomas Pecket Prest. No entanto, Twitchell afirma que provavelmente a obra envolveu vários autores, pois a história do vampiro é em algumas partes bem escrita, já em outras o estilo é dife- rente e bem mais inferior.

Os textosapresentam também muitas incoerências, por exemplo: uma parte narra que Varney se tornou vampiro porque matou sua espo- sa, em outra, porque matou o irmão. O leitor é informado que ele se tornou vampiro durante o reinado de Henrique VIII, mais tarde, o perío- do muda, e se torna um século antes.Também mencionam que ele não pode comer carne de animal, mas o vampiro aparece se deliciando com um bife. Essas são apenas algumas das contradições, muitas outras po- dem ser encontradas ao longo das 868 páginas da história, que mais tarde se tornou livro (TWITCHELL, 1981, p. 123). Tais lapsos são ves- tígios que mostram que a obra pode ter tido vários autores.

Apesar dos seus inúmeros problemas,Varney foi o produto de uma época e empolgou muitos leitores,além disso influenciou outros escritores. Várias das convenções vampíricas foram criadas e cristaliza- das a partir desses folhetins semanais:

Assim como Lord Ruthven, vampiro do conto de Polidori, Varney tinha muita força, mas podia an- dar livremente na luz do sol e precisava de sangue apenas esporadicamente (e não todas as noites). Podia se ferir ou mesmo ser morto, mas seria rea- vivado simplesmente banhando-se ao luar. Retra- tado inicialmente como algo maligno, Varney posteriormente assumiu uma natureza complexa e mostrou ser um indivíduo com sentimentos e hon- ra (MELTON, 2008, p. 505).

Além das características citadas por Melton, Varney foi o primei- ro vampiro com presas e a deixar os dois furinhos no pescoço da vítima,

conjuntamente com o fato de ter o poder de hipnotizar suas vítimas. Bram Stoker e Sheridan Le Fanu certamente tinham conhecimento dos penny dreadful, muitas dessas particularidades podem ser encontradas em seus vampiros, as quais serão discutidas no capítulo 4 desta tese.