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2. DO IMAGINÁRIO POPULARPARA A ESCRITA: A ETERNA

2.2. QUATRO POEMAS VAMPÍRICOS FUNDAMENTAIS PARA O

Elas atravessaram o átrio, sem eco ou ruídos Ambas com leveza que se pode imaginar! As to- chas estavam fracas, perto de apagar

Jazendo em meio a suas cinzas brancas; Mas quando a dama passava por elas, saltou Uma língua de fogo, a chama crepitava;

(Christabel – Samuel Taylor Coleridge)

Como colocado anteriormente, o intuito desta tese é analisar o vampiro apenas na prosa, entretanto, como o personagem literário tem suas raízes na poesia, a qual influenciou fortemente os escritores de textos narrativos, que sedimentaram o mito do vampiro na sociedade ocidental, achamos pertinente nos reportar brevemente aos quatro poe- mas que foram fundamentais para a difusão do vampiro como persona- gem literário, são eles: O Vampiro (1748), Lenore (1773), A noiva de Corinto (1797) e Christabel (iniciado em 1797).

Os sugadores de sangue ingressaram na literatura da era moderna no século XVIII na Alemanha,nesta época, como já mencionado na

introdução, muitos trabalhos teóricos sobre o assunto já haviam sido escritos e vários estudiosos dentro das universidades europeias se inte- ressavam pelo tema, pois causava muita polêmica por lidar com ques- tões fundamentais para os seres humanos, dentre eles: a vida, a morte e sua conexão com a religiosidade. Portanto, nada mais natural que um personagem tão rico em simbolismos migrasse para o mundo ficcional e fosse enriquecido através da criatividade de escritores.

O primeiro poema que faz referência a um monstro dessa nature- za foi escrito em 1748 pelo alemão Heinrich August Ossenfelder e inti- tula-se Der Vampir (O vampiro). Devido a sua importância como marco da literatura vampírica o reproduzimos abaixo:

O Vampiro

Minha amada jovem crê Com constância firme e forte Nos conselhos dados Pela sempre piedosa mãe Que como os povos do Tisza Fielmente acredita

Em vampiros mortais. Mas espere só, Cristina, Tu não queres me amar; Pois hei de me vingar, E hoje brindo um tocai À saúde de um vampiro E enquanto suave adormeces De tuas faces formosas Sugo o púrpuro frescor. Então tu vibrarás Assim que eu te beijar, e qual vampiro beijarei: Tão logo sucumbas E lânguida em meus braços Como morta cedas Nesse instante indagarei, não superam minhas lições as de tua bondosa mãe? (Tradução: Marta Chiarelli).

O poema é sobre um apaixonado que mostra desejos de vingança contra uma mulher, que seguindo os conselhos da mãe, que vem de uma região em que se crê na existência de vampiros (Tisza) e por alguma

razão não explicada no poema, acreditandoque o cortejador de sua filha seja um deles, pede para que ela rejeite o pretendente.

O nome da moça é Cristina, o que reforça a ideia de que venha de uma família religiosa e também mostra a conexão com o Cristo bíblico, talvez por essa razão a donzela tenha sido escolhida pelo vampiro, pois assim como o Diabo bíblico, que tentou Jesus: ―Então, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo‖ (Mt 4: 1), o vam- piro, muitas vezes, é mostrado como um grande tentador.

O monstro se revela bastante ameaçador e com vinho, tocai41, que como sabemos também é uma representação do sangue dentro da religi- ão católica, parece revelar sua verdadeira faceta, diz que quando ela adormecer sugará seu púrpuro frescor e que ao ser beijada ela sucumbirá e ele regozijará por ter vencido a mãe da moça. O poema realça a amea- ça que o vampiro representava naquela época, principalmente contra os valores religiosos, o terror é puramente psicológico, pois o ataque não acontece concretamente.

Em 1773, um outro poema alemão também bastante influente pa- ra o gênero é lançado, Lenore de Gottfried August Bürger, no livro The living dead – A study of the vampire in romantic literature (1981) Ja- mes. B Twitchell42 argumenta que:

De todos os esforços alemães, ―Lenore‖ foi cer- tamente o mais influente para os poetas ingleses. Três anos após sua publicação alemã no Göttinger Musen-almanach, ―Lenore‖ tinha sido traduzido quase em fragmentos. Todos os românticos ingle- ses tinham familiaridade com o poema, graças primeiramente a tradução de William Taylor, e segundamente pela adaptação de Sir Walter Scott. Na verdade, na última década do século dezoito, traduções e paródias eram liberadamente feitas em periódicos alemães e ingleses. Parte da populari- dade de ―Lenore‖ era sua marcante simplicidade,

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Vinho húngaro.

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James B. Twitchell is professor of English and advertising at the University of Florida. He is the author of several books on English literature, culture, mar- keting, and advertising, most recently "Living It Up: America's Love Affair with Luxury." James B. Twitchell currently resides in Gainesville, in the state of Florida. James B. Twitchell was born in 1943 and has an academic affiliation as follows - University of Florida, Gainesville University of Florida. Source: http://www.deepershopping.com/james-b-twitchell/homepage.html - Accesso: 16.03.15.

o que fazia deste poema, não ser apenas maravi- lhosamente assustador, mas eminentemente tradu- zível (TWITCHELL, 1981, p. 33, nossa tradu- ção)43.

O poema aborda a história de um morto que retorna para buscar a sua amada e levá-la consigo. Embora o texto não mencione a palavra vampiro, mas devido às características do morto que retorna, é lido co- mo tal. Pelo fato do mesmo ser bastante longo citamos apenas um tre- cho:

Que silve na floresta o vento! Que silve, criança, o relento! O cavalo impacienta, a espora afoita. Não é dado que eu cá pernoite Venha, te avie, te alce e te lance À garupa do meu cavalo Cruzarei inda hoje cem milhas Contigo ao leito de núpcias (Tradução: Marta Chiarelli)

Nesse poema, os elementos góticos ligados à figura do vampiro, são mais importantes que a própria criatura. Alguns deles que podem ser destacados da estrofe acima são: a noite escura, o vento sibilante, o leito nupcial macabro (sepultura) e o morto que volta para buscar uma pessoa amada.Bram Stoker, inclusive menciona uma das frases mais impactan- tes do texto em Drácula (1897): ―Ligeiros viajam os mortos‖.

A influência de Bürger pode ser percebida em um outro poema memorável publicado em 1797, coincidentemente 100 anos antes de Drácula (1897).A noiva de Corinto de Johann Wolfgang von Goethe, que se baseou na lenda grega de Filinnion, que morre virgem e por essa razão retorna para desfrutar dos prazeres sexuais que a morte a impediu de tê-los durante a vida.

Na obra de Goethe, um jovem vindo de Atenas vai para Corinto para conhecer sua noiva, fica então hospedado na casa da família da

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Of all the German efforts, ―Lenore‖ was certainly the most influential for the English poets. Three years after its German publication in the Göttinger Musen- almanach, ―Lenore‖ had been translated into tatters. All the English Romantics were familiar with it, thanks first to William Taylor´s translation, and then to Sir Walter Scott´s adaption. In fact, in the closing decade of the eighteenth century, translations and parodies were liberally sprinkled through both German and English periodicals. Part of the popularity of ―Lenore‖ was its stark simplicity, which made it not only wonderfully scary but eminently translatable.

futura esposa, mas não sabe que a mesma jámorreu. Depois do jantar vai para o quarto, quando é surpreendido pela visita da vampira, que parece estar em dúvida sobre seduzir ou não o jovem, mas ele insiste. Sendo também este poema bastante longo, reproduzimos abaixo apenas três estrofes do mesmo, as quais consideramos fundamentais para o enten- dimento da figura do vampiro moderno:

Aproxima-se ela, ajoelha: ―Desatino é ver teu sofrer! Satisfaça-te e toque-me e olhe Esses membros que estou a esconder. Clara como a neve,

Mas fria como deve

A amada que vens de eleger‖. Ardente a cerra, abraço viril, Intenso a estreita, a inunda: ―Eu desejo aquecê-la do frio, Mesmo que tu venhas da tumba! Um beijo fervente!

Anseio eloquente!

Não te queima uma paixão profunda? ‖ E selando em êxtase o amor,

Lágrimas ao desejo se mesclam; Suga-lhe ela à boca o calor, Presos um ao outro se infundem. Seu ardor feroz

Anima-a voraz;

Não lhe pulsa o coração, porém! (Tradução: Marta Chiarelli)

O poema de Goethe é considerado de fundamental importância para a literatura vampírica, pois mostra pela primeira vez explicitamente o erotismo e a sexualidade atrelados à figura dos chupadores sangue na poesia, como descritosnas estrofes acima, também exalta o desejo da vítima em querer ser possuído. Sendo assim, o poeta cria novos parâme- tros, a vampira (morta) bela e o masoquista deleitoso.

O poeta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), um dos fundadores do romantismo na Inglaterra, provavelmente influenciado por Goethe, inicia em 1797 o poema Christabel, que mesmo inacabado, marca a entrada do vampirismo, através da poesia, na literatura inglesa. O nome que dá título ao poema nos remete à figura de Cristo e de Deus, que poderia nesta criação de Coleridge estar representando a beleza de

um Cristo feminino que está sendo tentada por um demônio também do mesmo gênero, isto é, o autor desconstrói a ideia de a luta entre o bem e o mal estar sendo travada apenas entre varões.

O el do sufixo do nome de Christabeltambém tem um valor sim- bólico, pois esse é também um dos nomes de Deus e está presente no nome do país em que Jesus nasceu: Israel. Os anjos de Deus também têm na composição dos seus nomes o mesmo sufixo, a título de exempli- ficação citamos: Miguel, Rafael e Gabriel. Há infinitas discussões entre os estudiosos da Bíblia com a relação a El, para muitos este era um deus cananeu, que durante o processo da instituição do monoteísmo teve suas atribuições transferidas para Yahweh, como defendido por Mark S. Smi- th44 no livro The Early History of God (2002): ―Em Israel as caracterís- ticas e epítetos de El tornaram-se parte do repertório das descrições de Yahweh‖45

(SMITH, 2002, p. 35, nossa tradução). No entanto, para os que creem, El e Iahweh são exatamente a mesma figura, pois para a fé tal faceta é irrelevante.

Embora a palavra vampiro não ter sido mencionada no poema de Coleridge sua presença é implícita, James B. Twitchell argumenta que:

Há simplesmente muita evidência que nos leva a pensar sobre vampiros para ser ignorado: meia- noite, a lua cheia, a aparência espectral de Geral- dine, a importância do toque de Christabel, o con- vite de Christabel para o castelo, o desmaio de Geraldine na entrada do castelo, sua recusa para rezar, o velho cão uivando ao reconhecer a pre- sença de algo diabólico, as tochas reascendendo as chamas vigorosamente quando Geraldine passa, a fraqueza de Geraldine quando ela vê o querubim entalhado (um ícone cristão) no teto do quarto de Christabel ─ tudo isso são indicações, parte míti- cas, parte criadas por Coleridge, não apenas do ca- ráter demoníaco de Geraldine, mas também da sua

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Mark S.Smith is the Skirball Professor of Bible and Ancient Near Eastern Studies at New York University. His other books include The Origins of Bibli- cal Monotheism: Israel´s Polytheistic Background and the Ugaritic Texts and Untold Stories: The Bible and Ugaritic Studies in the Twentieth Century. Dis- ponível em: quarta capa do livro The Early History of God (2002).

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In Israel the characteristics and epithets of El became part of the repertoire of descriptions of Yahweh.

natureza especificamente vampírica (Twitchell, 1981, p. 41, nossa tradução)46.

O poema inicia com a jovem Christabel passeando à noite em um bosque, onde se depara com uma linda, elegante e misteriosa mulher chamada Geraldine, que lhe pede ajuda, diz ter sido vítima de malfeito- res. Christabel a leva para o castelo de seu pai, a partir de então parece ficar enfeitiçada pela estranha e tem sensações inexplicáveis, inclusive de cansaço ao acordar, como se tivesse sua energia sugada.

Existe algo de horrendo no corpo de Geraldine que Coleridge não descreve. No entanto, além do vampirismo implícito, mencionado aci- ma, um dos aspectos que mais chama atenção no texto é o desejo carnal entre as duas mulheres, como mostram os trechos abaixo:

Disse Christabel, que seja assim então! E como lhe foi pedido, ela o fez. Seu belo corpo ela logo despiu, E então se deitou em sua perfeição. Mas por sua mente, de boa e má sorte Muitos pensamentos se agitaram, Que inútil seria seus olhos se fecharem; E assim a meio caminho de se deitar Ela se ergueu, apoiada em seu cotovelo, Para observar a donzela Geraldine. (Tradução: Marta Chiarelli)

Assim sendo, o vampiro ao adentrar o solo inglês já estreia sub- vertendo os padrões convencionais de comportamento da época, criando desta forma a temática do amor lésbico vampírico. Geraldine, como demônio feminino, nos remete a personagens mitológicos tais como Lâmia ou Strix, pois: ―Os poetas românticos alemães e ingleses estavam voltados para a Antiguidade, e, em geral, ambientavam suas obras em lugares distantes e épocas remotas, inspirando-se em escritos da Grécia

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There is simply too much vampire evidence to ignore: the midnight hour, the full moon, the spectral appearance of Geraldine, the importance of Christabel´s touch, Christabel´s invitation to the castle, Geraldine´s fainting at the threshold, her refusal to pray, the old mastiff growling acknowledgement of an evil pres- ence, the blazing-up of the embers as Geraldine passes, Geraldine´s weakness when she sees the carved cherub (a Christian icon of sorts) on the ceiling of Christabel´s bed chamber ─ all these are indications, part mythic, part Col- eridgean, not only of Geraldine´s demonic character but also of her specifically vampiric nature.

e de Roma antigas ou em baladas medievais‖ (ARGEL; MOURA NE- TO, 2008, p. 25), no caso de Christabel, a ação do poema não acontece em um passado muito distante, mas a inspiração para criação da vampira certamente vem da antiguidade.

Feitas as devidas considerações sobre os poemas considerados a- licerçadores da prosa vampírica, mencionaremos outros poetas ilustres que também contribuíram para solidificação do vampiro como persona- gem literário:Robert Southey com The old woman of Berkeley (1798) e Thalaba the destroyer (1801). Herman Merivale, The dead men of Pest (1807); John Stag, Minstrel of the north (1810); Lord Byron, The Giaour (1813), John Keats, La belle dame sans merci (1819) e Lamia (1820) e, na França, Charles Baudelaire, As metamorphoses do vampire (1857).