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Etiologia e fisiopatologia da diabetes, complicações e factores de risco

1 INTRODUÇÃO

1.1 Diabetes mellitus

1.1.2 Etiologia e fisiopatologia da diabetes, complicações e factores de risco

etiopatogénicas: a diabetes tipo 1 e, a diabetes tipo 2.

A Diabetes tipo 1 (DM 1), caracteriza-se fundamentalmente por uma destruição imunomediada das células β dos ilhéus de Langerhans pancreáticos, que conduz frequentemente à deficiência absoluta de produção de insulina, fazendo com que os doentes necessitem de um aporte exógeno de insulina para sobreviverem e prevenirem as situações de cetoacidose. Pode manifestar-se em qualquer idade, sendo o tipo mais frequente nas crianças e adultos jovens.

A Diabetes Tipo 2 (DM 2) constitui a forma mais comum de diabetes, representando 90 a 95% dos casos totais de diabetes (Zimmet, 2001; ADA, 2011). Resulta de alterações na acção e/ou na secreção de insulina e, envolve dois processos patogénicos primários: (1) declínio progressivo da função produtora de insulina pelas células β dos Ilhéus de Langerhans pancreáticos e inadequada supressão da secreção de glucagon (hormona responsável pelo aumento da glicemia) e (2) resistência à insulina, por diminuição da resposta tecidular à mesma (Pinto, 2007; Tahrani, 2009). A insulina tem várias acções, entre as quais se destacam: (i) facilitar a utilização de glicose pelo tecido muscular, adiposo e outros, (ii) activar a glicogénese, estimulando o fígado a armazenar glicose sob a forma de glicogéneo; (iii) inibir a libertação de gordura no tecido adiposo (Pinto, 2007). (Figura 2)

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O passo determinante para que a diabetes se manifeste clinicamente parece ser a incapacidade das células β produzirem insulina suficiente para fazer face à insulino- resistência (Tahrani, 2009; ADA, 2011). Apesar dos diabéticos tipo 2 terem níveis normais ou elevados de insulinémia, atendendo aos valores de hiperglicémia que muitas vezes apresentam, seria expectável que, se a produção de insulina não estivesse comprometida, apresentassem valores ainda mais elevados (ADA, 2011). DeFronzo, numa conferência, em 1987, apresentou um modelo fisiopatológico explicativo da natureza progressiva da diabetes mellitus tipo 2, em que identificava como a tríade envolvida neste processo: (1) falência progressiva das células β- pancreáticas, que deixam de ser capazes de produzir a quantidade necessária de insulina; (2) aumento da gluconeogénese hepática e, (3) aumento da insulino- resistência, ao nível do músculo-esquelético, como esquematizado na Figura 3 (citado em Aguilar, 2011). Daqui, resulta que a história natural da diabetes tipo 2 esteja associada a uma perda progressiva de células β-pancreáticas e uma deterioração acelerada da produção de insulina (DeFronzo, 2009; Aguilar, 2011).

Figura 3: Patogénese da diabetes tipo 2: o triunvirato (DeFronzo, 2009)

Mais recentemente, foi identificado o papel que as incretinas (GLP-1: glicose like peptide-1; GIP: glicose-dependent insulinotropic polypeptide) têm na regulação dos níveis de glicose. Num indivíduo saudável, estas hormonas intestinais são responsáveis por 50 a 70% da secreção de insulina pós-prandial – através do denominado efeito incretina – para além das suas acções anti-glucagon e de preservação da célula pancreática. Na diabetes tipo 2, as incretinas estão diminuídas (Tahrani, 2009).

As incretinas são segregadas no tracto gastro-intestinal, durante a ingestão de alimentos e vão ligar-se a receptores das células β, levando à secreção de insulina. O GLP-1 e o GIP ligam-se a receptores específicos localizados no pâncreas, estômago,

músculo-esquelético, coração, pulmões e cérebro. Mais especificamente, o GIP é segregado pelas células K do duodeno e do jejuno, como resposta à ingestão de hidratos de carbono e/ou lípidos, conduzindo a uma secreção de insulina dependente de glicose. O GLP-1 é secretado pelas células L do íleo distal e do cólon e tem várias acções: (i) estimulação da secreção de insulina, dependente da glicose, (ii) supressão da secreção de glucagon, dependente da glicose, (iii) retardamento do esvaziamento gástrico e, (iv) possível melhoria da sensibilidade à insulina (Tahrani, 2009).

A patogénese da diabetes é, um processo cada vez mais complexo. DeFronzo (2009) propôs a transição de um modelo de “triunvirato” para, aquilo a que o autor designou por “octeto ominoso” (Figura 4)

Figura 4: Patogenese da diabetes tipo 2: o ‘octeto ominoso’ (DeFronzo, 2009)

Desta forma, em adição ao triunvirato clássico: do músculo, fígado e células β- pancreáticas, juntam-se agora os adipócitos (aumento lipólise), o tracto gastrointestinal (deficiência/resistência das incretinas), células α (aumento da secreção de glucagon), rim (aumento da reabsorção de glicose) e o cérebro (resistência à insulina). À luz do conhecimento actual, todos estes actores desempenham um papel importante do desenvolvimento da intolerância à glicose na diabetes tipo 2 (DeFronzo, 2009).

Este novo olhar sobre a patogénese desta doença, vem suportar uma alteração à abordagem farmacoterapêutica da mesma, nomeadamente: (1) explica a necessidade frequente de recorrer a várias classes de ADOs em associação para controlar a glicemia, conseguindo assim, actuar sobre diferentes vias fisiopatológicas; (2) para

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além do enfoque na redução da HbA1C, o tratamento deve ter por objectivo, reverter algumas alterações patogénicas e (3) o tratamento deve ser instituído precocemente para evitar o compromisso funcional das células β-pancreáticas (Defronzo, 2009). Os diabéticos tipo 2 não dependem de insulina exógena para viverem, mas pode ser necessário recorrer à sua administração quando, face ao estádio da doença, não se consegue um controlo metabólico adequado com as medidas não farmacológicas, nem com terapêutica antidiabética oral.

Esta forma de diabetes é mais frequente manifestar-se depois dos 40 anos – começando actualmente a manifestar-se em idades cada vez mais jovens – e nas pessoas obesas, o que justifica o neologismo proposto por Shafrir, a diabesidade (Zimmet, 2001).

O diagnóstico precoce de diabetes é fundamental, já que pode permitir a instituição de tratamento precocemente com obtenção de ganhos em saúde (Mainous, 2007). A diabetes é o exemplo de uma doença cuja mortalidade e morbilidade podem ser mitigadas através da detecção e intervenção precoces.

Interessa lembrar que, muito tempo antes do diagnóstico, podem verificar-se valores de glicemia suficientemente elevados para provocar alterações patológicas e funcionais em diferentes órgãos e tecidos. Contudo, a ausência de sintomas, pode contribuir para que se mantenha não diagnosticada durante anos (Leiter et al, 2001). Nesta fase assintomática, verificam-se já alterações no metabolismo dos hidratos de carbono, detectáveis através da avaliação da glicemia em jejum, ou de uma prova de sobrecarga oral à glicose (ADA, 2011).

Assim, na altura do diagnóstico, não é raro haver consideráveis alterações estruturais e funcionais induzidas pela hiperglicémia crónica, que se traduzem nas denominadas complicações crónicas ou tardias, da doença, para além do aumento de risco cardiovascular, particularmente importante, já que a doença cardiovascular é responsável por cerca de 75% das mortes em diabéticos, como veremos mais à frente (Holman, 1997; Roglic et al, 2005). Os resultados do United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) mostram que 50% dos doentes apresentavam complicações da doença aquando do diagnóstico (Colagiuri et al, 2002). DeFronzo (2009) refere que os indivíduos no tercil mais elevado de tolerância diminuída à glicose, apresentam já um grau de insulino-resistência marcado e cerca de 80% de compromisso funcional das células β-pancreáticas.

Alguns autores têm vindo a desenvolver o conceito de memória metabólica, o qual reforça a necessidade de intervenção precoce e intensiva no controlo da diabetes (Nathan et al, 2005; Holman et al, 2008) A teoria subjacente ao constructo da memória metabólica envolve uma série de vias bioquímicas e fisiopatológicas complexas, que sai fora do âmbito deste trabalho explorar, contudo, interessa referir que parece haver um mecanismo através do qual a hiperglicémia consegue deixar uma marca, numa fase muito precoce da doença, condicionando o posterior aparecimento de complicações. Esta teoria acarreta, obviamente, implicações importantes, no sentido de promover uma identificação do diabético numa fase inicial e actuar de forma precoce e intensiva no controlo glicémico (Ceriello, 2009; Ceriello et al, 2009; Jax, 2010)

Apesar de tudo, um recente estudo de âmbito nacional, efectuado em indivíduos dos 20-79 anos, mostrou que em Portugal, a proporção de diabetes não diagnosticada é de aproximadamente 45%. A região do Alentejo foi a que apresentou uma menor proporção de diabéticos não diagnosticados (38.5% do total de diabéticos), enquanto que no Algarve havia 49.1% dos diabéticos nesta condição (Gardete-Correia et al, 2010), evidenciando bem a necessidade de actuação.

Com a evolução da doença, é frequente desenvolverem-se lesões em vários órgãos e sistemas, nomeadamente no coração, vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos. A gravidade destas lesões aumenta com a falta de controlo glicémico. Daqui resulta que os diabéticos tenham um significativo acréscimo de risco de doença cardiovascular, comparativamente aos não diabéticos. De facto, os diabéticos do sexo masculino têm 2 a 3 vezes mais risco de ter uma doença cardiovascular, comparativamente aos não- diabéticos e, este risco é 3 a 5 vezes superior nas mulheres diabéticas, quando comparado com o das não diabéticas (Giugliano et al, 2009). Estima-se que 50% por diabéticos venham a morrer por doença cardiovascular (WHO, 2011),

Das principais complicações tardias da diabetes destacam-se: (1) a retinopatia, com potencial perda de visão, (2) a nefropatia, que pode conduzir a insuficiência renal, (3) a neuropatia periférica, a qual, combinada com algum compromisso circulatório, aumenta a probabilidade de ocorrência de úlceras nos pés e amputações – representando um risco de amputações não traumáticas dos membros inferiores de 10-12% – e artropatia de Charcot, e (4) neuropatia autonómica, responsável por sintomas gastrointestinais, genitourinários e cardiovasculares, bem como disfunção sexual (IDF, 2001; ADA, 2011). A diabetes é a principal causa de perda parcial de visão e de cegueira nos adultos. Após 15 anos de evolução de doença, cerca de 2%

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dos diabéticos irão ficar cegos, ou desenvolver algum grau de compromisso visual grave (WHO, 2011). É ainda uma das principais causas de falência renal – cerca de 10 a 20% dos diabéticos morrerão de doença renal – e de neuropatia, que afecta mais de 50% das pessoas com diabetes. Como consequência desta neuropatia, podem surgir vários problemas, sendo os sintomas mais frequentes os formigueiros, dormência, dor, diminuição de sensibilidade e perda de força nas mãos e/ou nos pés (Giugliano et al, 2009; WHO, 2011).

Para além das complicações crónicas, importa ainda considerar a diabetes como causa directa de morte, nomeadamente em consequência da ocorrência de cetoacidose, ou de um estado hiperosmolar não-cetónico, indutor de letargia e coma. São vários os factores de risco identificados para a diabetes tipo 2. Sabe-se que a prevalência da doença aumenta com a idade, com a obesidade e com a falta de exercício físico (The Expert Commitee on the Diagnosis and Classification of Diabetes, 2003).

A Tabela 2 resume alguns dos determinantes etiológicos e factores de risco mais relevantes de diabetes tipo 2, à luz dos conhecimentos actuais:

Tabela 2 – Determinantes etiológicos e factores de risco para a diabetes tipo 2

Factores genéticos

Marcadores genéticos, história familiar, genes “thrifty”

Características sócio-demográficas

Idade avançada, grupo étnico (menor prevalência nos caucasianos) Obesidade (principalmente a abdominal e com maior duração)

Factores comportamentais e relacionados com estilo de vida

Sedentarismo

Dieta com aporte excessivo de hidratos de carbono Stress

Ocidentalização

Determinantes metabólicos e categorias de risco intermédias para desenvolvimento de diabetes tipo2

Tolerância diminuída à glicose, anomalia da glicemia em jejum Insulino-resistência

Diabetes Gestacional

(Adaptado de: Zimmet et al, 2001)

Alberti e col (2007), identificam como pessoas com risco acrescido de desenvolvimento de diabetes, as que possuem as seguintes características: excesso de peso (IMC ≥ 25kg/m2), ou obesidade (IMC ≥ 30kg/m2), obesidade central ou visceral (H ≥ 94cm; M ≥ 80cm), idade ≥ 45 anos (europeus), vida sedentária, história

familiar de diabetes em 1º grau, diabetes gestacional prévia, história de doença cardiovascular prévia (doença cardíaca isquémica, doença cerebrovascular e doença arterial periférica), hipertensão arterial, dislipidemia, intolerância à glicose em jejum e diminuição da tolerância à glicose prévias, para além do consumo de fármacos que predisponham à diabetes.

A tolerância diminuída à glicose (TDG) e a anomalia da glicemia em jejum (AGJ), situações por vezes denominadas de pré-diabetes, estão associadas a um risco acrescido de desenvolvimento de diabetes tipo 2 (Zimmet, 2003; Iqbal, 2007; Campbell, 2009). Estima-se que cerca de 30 a 40% das pessoas com AGJ venham a desenvolver diabetes, em 5 anos (Campbell, 2009).

Atendendo ao carácter progressivo da diabetes, mas também à possibilidade de evolução bidireccional ilustrada na Figura 2, atrás apresentada, parece ser imperativo a tónica sobre a identificação e gestão das situações de pré-diabetes, como estratégia de prevenção da diabetes tipo 2.

Por fim, a Diabetes Mellitus Gestacional tem uma prevalência estimada de cerca de 3% no total de grávidas. Habitualmente desaparece após o parto, no entanto estas mulheres apresentam um risco aumentado de vir a desenvolver uma tolerância diminuída à glicose, ou mesmo diabetes, no futuro.

E, os Outros Tipos Específicos de Diabetes são, geralmente, causas menos comuns de diabetes e englobam, entre outros, doenças do pâncreas exócrino, endocrinopatias e diabetes induzida por fármacos ou químicos.