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1 A CONSOLIDAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA E O DIREITO

1.3 A União Europeia na Atualidade e o Direito Administrativo Europeu 28

1.3.3 O Direito Administrativo Europeu 34

1.3.3.1 Europeização do Direito Administrativo dos Estados-membros e Direito

A construção do Direito Administrativo da União Europeia não passou imune a críticas de estudiosos de diversos Estados-membros, sobretudo diante das decisões do Tribunal de Justiça europeu, que salientaram a impossibilidade de os Estados-membros disporem de forma contrária às normas comunitárias de aplicação geral.

Uma das principais críticas apontadas refere-se à distinção conceitual do que se denominou “europeização dos Direitos Administrativos dos Estados-membros” e a consolidação, em si, do Direito Administrativo Europeu.

A articulação necessária entre a ordem jurídica da União Europeia e as nacionais, especialmente no que diz respeito à garantia de aplicação do Direito Comunitário, culminou com a vinculação das administrações nacionais à europeia.

Como resultado desse processo vinculativo, houve uma verdadeira europeização dos Direitos Administrativos nacionais, caracterizada pela transformação forçada de alguns aspectos essenciais dos ordenamentos administrativos dos Estados-membros81.

Em síntese, a europeização do Direito Administrativo refere-se à “influência da integração europeia sobre a organização, as funções e os procedimentos dos Estados- membros”, representando a convergência do Direito Administrativo do Estado-membro ao Direito Europeu, em diversos aspectos, inclusive em áreas que, via de regra, não se submetem ao Direito comunitário82.

Para Duarte (2008),

a chamada europeização do Direito Administrativo traduz um movimento de transformação dos ordenamentos jurídicos nacionais, cuja aceleração resulta de origem comunitária: por um lado, o processo de harmonização das legislações nacionais no campo da actividade administrativa e, por outro lado, a jurisprudência comunitária, com particular incidência nos domínios dos direitos dos administrados e dos deveres procedimentais pressupostos pela conduta transparente e imparcial de uma boa administração83.

A referida autora portuguesa registra, ainda, que:

                                                                                                                         

81

SILVA, Suzana Tavares da. Direito Administrativo Europeu. Coimbra: Universidade de Coimba, 2010.

82

VESPERINI, Giulio. Le discipline comunitarie dei diritto amministrativi nazionali: un’introduzione. Disponível em: http://www.irpa.eu/wp-content/uploads/2011/06/vesperini-le-discipline-comunitarie.pdf. Acesso em: 05 de fevereiro de 2015.

83

o fenômeno da europeização – por influência directa do processo de harmonização legislativa no seio das Comunidades Europeias, imposto pelo dever de aplicação uniforme do Direito Comunitário pelos Estados-membros, segundo o entendimento do Juiz comunitário, ou, ainda, resultante da doutrina interpretativa do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – potencia as condições favoráveis à formação de um verdadeiro direito administrativo europeu, de âmbito cada vez mais alargado. Trata-se, assim, de um direito administrativo que é europeu, porque se refere ao segmento normativo aplicável à actuação das administrações nacionais dos Estados europeus, sujeito a uma dupla influência europeia, exercida a partir, por um lado, do Direito Comunitário e, por outro lado, do Direito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem84.

A incidência da europeização do Direito Administrativo produziu efeitos diversos em cada Estado-membro, a depender da tradição jurídico-administrativa adotada. Para Cassese (2002), em alguns casos, registrou-se um verdadeiro “senhorio comunitário” sobre o Direito Administrativo nacional85.

Contudo, ao mesmo tempo em que houve a europeização dos regimes jurídicos administrativos dos Estados-membros, também ocorreu o movimento de consolidação do Direito Administrativo Europeu, entendido, nas palavras de Gonçalves (2015) como “corpo de normas de direito administrativo da União Europeia que regula a actuação das instituições e órgãos da União com funções administrativas”86.

Ou seja, aquilo que se iniciou por intermédio da europeização dos Direitos Administrativos nacionais, rapidamente, cedeu espaço para uma verdadeira administrativização do Direito Comunitário e, consequentemente, para a construção do Direito Administrativo Europeu.

Isto porque, no âmbito do Direito Comunitário, ganha força o desdobramento sobre o recorte administrativo, necessário para operacionalizar o caráter administrativo necessário para materializar a atividade das instituições europeias, valendo-se de incorporações advindas dos Estados-membros.

Neste sentido, Duarte (2008) conclui que a singularidade do modelo jurídico conferido aos Tratados aliada ao papel interpretativo do Tribunal de Justiça originam um processo gradual de convergência internormativa desenvolvida em três sentidos:

1) no sentido descendente, com o Direito Comunitário a influenciar, senão mesmo a impor certas regras e princípios aos direitos administrativos dos Estados-membros; 2) no sentido ascendente, padrões normativos comuns aos direitos dos Estados- membros ou mesmo uma solução prevista no direito de um ou alguns dos Estados-

                                                                                                                         

84

DUARTE, Maria Luísa. Direito Administrativo da União Europeia. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 17.

85

CASSESE, Sabino. La signoria comunitaria sul diritto amministrativo. In: Rivista italiana di diritto pubblico comunitario, 2002, p. 292.

86

GONÇALVES, Pedro. Influência do Direito da União Europeia na Organização Administrativa dos Estados- membros. Disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt. Acesso em: 20 de fevereiro de 2015.

membros são recebidos e incorporados na ordem jurídica comunitária; 3) no sentido horizontal, a coexistência dos vários sistemas administrativos nacionais, funcionalmente ajustados ao processo aplicativo do Direito Comunitário e aos critérios hodiernos de eficácia e eficiência, potencia uma relação espontânea de convergência, através, por exemplo, da consagração no direito interno de soluções – normativas ou organizatórias – transplantadas do direito administrativo de outros Estados-membros”87.

Essa hibridez própria reflete diretamente nas características do Direito Administrativo Europeu, marcadamente binário, na medida em que coexiste, no exercício da função administrativa, com os Direitos Administrativos nacionais.