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Evolução do serotipo 8 de língua azul em Espanha

No documento Reflexões sobre o percurso profissional (páginas 84-90)

DR RAINER VAN AERSSEN

SEROTIPO 8 DO VÍRUS DA LÍNGUA AZUL

10. Evolução geográfica da Língua Azul na Europa.

10.2. Evolução do serotipo 8 de língua azul em Espanha

Em Outubro do ano 2000 foi detectado o serotipo 2 nas ilhas Baleares após uma ausência de quase 40 anos da BT em Espanha. No ano seguinte foi identificado o serotipo 4 na mesma Comunidade Autónoma e em 2004 a BT fez a sua primeira aparição no território peninsular espanhol com o mesmo serotipo, onde permaneceu no ano de 2005. Durante o ano de 2006 e até Julho de 2007 o sistema de vigilância não detectou a circulação do BTV no território espanhol, mas nesse mês identificou o serotipo 133.

No dia 10 de Janeiro de 2008 detectou-se o serotipo 8 de BTV em 7 bovinos com doença clínica numa exploração da Comunidade Autónoma da Cantábria. A origem deste foco foi atribuída à importação de animais infectados provenientes da Europa Central durante o Verão/ Outono de 2007. De imediato foram aplicadas medidas de controlo dos Culicoides e delimitado um perímetro de restrição de movimentos de 100 km ao redor do foco, e um perímetro de vigilância nos 50 km para além da zona de restrição. Uma vez que a exploração afectada se situava perto do Principado das Astúrias, estas zonas de restrição e de vigilância abrangeram porções de ambas as Comunidades Autónomas3,38.

O Principado das Astúrias já possuía outras zonas submetidas a restrição mas pelo serotipo 1 e no início de Junho de 2008 começou a campanha de vacinação contra este serotipo apenas nessas zonas. Aproximadamente um mês depois adicionou-se a esta campanha a vacinação para o serotipo 8 e no final de Agosto optou por considerar-se todo o território asturiano como zona de restrição para ambos os serotipos, o que atribuiu situações de igualdade entre os agricultores do mesmo território, facilitou o trânsito de animais dentro do mesmo, assim como a agilizou o programa de prevenção e controlo. Outra medida adoptada foi o controlo de reservatórios selvagens.

A Espanha não voltou a encontrar evidências da circulação da estirpe de campo do BTV-8 até 10 de Outubro de 2008, data em que surge uma notificação referente a uma exploração de ovinos na Andaluzia que registou 16 mortos e 4 doentes por este serotipo. A origem deste foco ainda está por determinar38.

85 DISCUSSÃO

A distribuição do BTV na Europa desde 1998 e particularmente a partir de 2006 (anexo V) ilustra o risco mundial para as doenças infecciosas emergentes resultantes das alterações climáticas e da globalização do mercado. Revela também a incapacidade de travar a doença, fruto do desconhecimento de muitos dos seus aspectos, nomeadamente das vias de transmissão e da possível existência de hospedeiros alternativos.

A rápida dispersão do BTV num território deve-se à transmissão pelo vector Culicoides e pode ser agravada pelo vento ou pelo transporte de vectores em malas, contentores, aviões, etc. Curiosamente, a população alemã levantou a hipótese do serotipo 8 ter chegado à Alemanha na bagagem de visitantes sul africanos que se deslocaram à cidade de Colónia para participar nos jogos do Mundial de Futebol de 2006, decorridos entre 19 de Junho e 19 de Julho desse ano. Verdade ou não, esta hipótese não deve ser posta de lado mas deve servir de alerta para que a legislação sobre o controle de vectores seja estendida a aviões, porões, contentores, etc, pelo risco de transportarem vectores infectados para zonas livres de BTV ou novos serotipos para as zonas infectadas.

A transmissão pelo sémen, embriões/ oócitos foi comprovada e tendo em conta a globalização do mercado pode ter contribuído para a dispersão do BTV a longas distâncias. Actualmente estes produtos animais estão extensamente legislados (Reg. (CE) Nº 1266/ 2007) e o seu controlo parece ser mais plausível.

A transmissão por via transplacentária tem sido evidenciada por vários estudos desde 1979 com Gibbs et al.14. Desde então vários livros de referência de medicina veterinária têm considerado esta via de transmissão e as respectivas consequências. Apesar disso o regulamento comunitário que prevê esta situação (Nº 384/ 2008) só foi publicado a 29 de Abril de 2008. Se tivermos em conta que a transmissão transplacentária pode representar uma das principais formas de overwintering para o BTV e que o surto inicial de BTV-8 na Europa se deu numa zona afamada pela exportação de fêmeas ruminantes prenhas, facilmente se pode perceber que o atraso desta legislação implicou prejuízos incalculáveis aos produtores pecuários e permitiu a entrada da BT em diversos territórios livres, de que foram exemplos a Irlanda do Norte e a Espanha, referidos neste trabalho nos pontos 2.3 e 10.2, respectivamente. A transmissão mecânica do BTV por ectoparasitas hematófagos é de importância menor e pode ser prevenida praticamente pelos mesmos repelentes e insecticidas usados no controlo dos culicóides. A transmissão através do uso de agulhas ou material contaminado com sangue tem maior relevância epidemiológica quando usados em explorações diferentes, como p. ex. nas campanhas sanitárias.

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A possibilidade de existirem outras formas de transmissão (ex: oral) ou a participação de hospedeiros não ruminantes merece ser estudada com prontidão, tal como a importância das espécies selvagens na epidemiologia da doença.

Na Europa, os agricultores e veterinários não estão familiarizados com esta doença, e as autoridades têm falhado pela falta de informação disponibilizada, pondo em causa a eficácia dos sistemas de alerta para a detecção precoce do BTV. Ao contrário do que descreve a EFSA no relatório sobre o surto de 2006 na Bélgica38, durante o meu estágio na Baixa-Saxónia (Alemanha) as lesões no plano nasolabial não pareceram ser o sinal mais comum de BT nos bovinos. Com maior frequência foram encontradas manadas não vacinadas e PCR positivas cujas queixas foram o aumento da mortalidade embrionária e da contagem das células somáticas, descida súbita na média da produção de leite na ordem dos 3 L/ vaca/ dia, claudicação, edema distal dos membros e ocasionalmente pneumonia, aborto e febre alta (cerca de 41 ºC). Dada a variedade e inespecificidade dos quadros clínicos de BT, constatei que alguns veterinários preferem optar pelo seguro e considerar qualquer animal doente como um potencial animal com BT, instituindo como rotina a colheita de amostras de sangue e envio das mesmas para diagnóstico laboratorial de BT.

O uso das vacinas atenuadas para a BT, e neste caso especificamente para o serotipo 8, tem sido polémico. Estas vacinas foram criadas com o objectivo de limitar as perdas directas resultantes da infecção, minimizar a circulação do BTV e aumentar a segurança do tráfego de animais. Contudo, tanto na Espanha como na Alemanha o descontentamento é notório dado que a vacinação tem resultado na manifestação dos sinais clínicos da doença, com consequente impacto negativo na produção. Outro problema associado à vacinação da BT é a inexistência de imunidade cruzada entre os vários serotipos, o que obriga a campanhas vacinais sucessivas à medida que vão sendo detectados serotipos diferentes num território.

Com tudo isto e apesar de toda a bibliografia publicada, a epidemiologia do BTV-8 tem ainda muitas vertentes por investigar. Por este motivo e para que se possa constituir um plano de controlo e prevenção capaz de travar o progresso deste agente infeccioso, é imprescindível a transparência e a partilha de experiências entre os diversos territórios, assim como a formação dos profissionais de campo.

87 ANEXOS

ANEXO I: CASUÍSTICA EM MEDICINA INDIVIDUAL DE ANIMAIS DE PRODUÇÃO

Patologia/ Actividade em bovinos Nº de casos

Metrite com ou sem retenção placentária 57

Patologia podal com ou sem arranjo correctivo 73

Diarreia 45

Pneumonia 32

Deslocamento de abomaso à esquerda:

• correcção por piloro-omentopexia

correção por toogle-pins

19 11

Mamite colibacilar 26

Síndrome de abdómen agudo 20

Indigestão ruminal 14

Fractura/ luxação de membro 12

Hipocalcémia 11

Artrite 10

Cetose clínica/ síndrome de cetose-lipidose 10

Telite 9

Abcesso subcutâneo 9

Torção de abomaso à direita 8

Lesões oculares por Moraxella bovis 7

Torção uterina 7

Parto distócico 7

Parésia/ plegia por problemas neurológicos 6

Lote com acidose ruminal crónica 6

Amputação de teto 5 Prolapso uterino 5 Patologia cardíaca 4 Tiloma 4 Amputação de dígito 3 Laceração uterina 3

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ANEXO I (CONTINUAÇÃO): CASUÍSTICA EM MEDICINA INDIVIDUAL DE ANIMAIS DE PRODUÇÃO

Patologia/ Actividade em bovinos Nº de casos

Quadro clínico de língua azul (PCR e c-ELISA positivos) 2

Reacção anafilática 2 Amputação da cauda 2 Timpanismo 2 Babesiose 2 Torção de ceco 2 Cesariana 2 Castração de vitelo 1

Colocação de anel nasal num touro de cobrição 1

Epistaxia por síndrome da veia cava caudal 1

Cistite por urolitíase 1

Técnica de claslick 1

Prolapso vaginal 1

Total 443

Patologia/ Actividade em suínos

Erisipela 1

Pneumonia 1

Total 2

Patologia/ Actividade em caprinos

Indigestão ruminal 3

Patologia/ Actividade em equinos

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ANEXO II – DISTRIBUIÇÃO DOS SINAIS CLÍNICOS EM MANADAS DE BOVINOS INFECTADAS POR BTV-8 NA

BÉLGICA, FRANÇA E HOLANDA DURANTE O ANO DE 200638

Sinais clínicos pelo menos num animal da manada infectada com BTV-8 (confirmação laboratorial até 31/12/2006)

% de manadas (N = 230)

Crostas/ lesões do plano nasolabial 49.6

Sialorreia 37.8 Febre 31.0 Conjuntivite 31.0 Disfagia 25.2 Rinorreia 25.0 Depressão, fadiga 24.2

Inflamação do bordo coronário 22.2

Lesões hiperémicas/ cianóticas dos tetos 21.4

Claudicação 21.4

Necrose muscular, rigidez dos membros 20.9

Corrimento nasal purulento 18.0

Ulcerações da mucosa oral 13.9

Edema facial 13.5

Congestão, eritema ou rubor da mucosa oral 13.3

Fraqueza, parésia 12.6

Ausência de sinais clínicos 11.7

Decúbito, prostração 10.1

Eritema, inflamação, rubor, hipersensibilidade da pele 10.0

Anorexia, perda de peso, emaciação 9.6

Dispneia 6.1

Hiperémia/ cianose da língua – protrusão da língua 5.7

Diarreia 5.7

Regurgitação, vómitos 2.6

Aborto 1.9

Torcicolo 1.3

Nados-mortos 1.3

Erosão/ ulceração da mucosa lingual 0.6

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ANEXO III – PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DE BT1,41,42,43,44,45,46,48.

Sinais clínicos frequentes da BT FCM BVD- DM

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