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Reflexões sobre o percurso profissional

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Academic year: 2021

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INTRODUÇÃO

A 23 de Dezembro de 2008 concluí a Licenciatura em Medicina Veterinária no ICBAS com a apresentação e defesa do meu relatório de estágio. Assim fiz parte do último grupo de alunos que terminou este curso antes da aplicação do acordo de Bolonha que instituiu algumas mudanças curriculares, as quais resultaram no encurtamento do curso e na alteração da designação do grau que conferia, passando de licenciatura para mestrado integrado. Esta última alteração fez com que o mercado laboral nacional e internacional passasse a discriminar negativamente os licenciados face aos “mestres”, pressupondo erradamente que estes últimos têm mais formação académica que os anteriores. Esta situação de injustiça foi o mote para voltar a inscrever-me no curso de medicina veterinária, mas desta vez no mestrado integrado, que termino com a apresentação deste relatório sobre o meu percurso profissional, ao qual anexo o relatório de estágio com que obtive o grau de Licenciada em Medicina Veterinária.

Quanto ao meu percurso profissional este tem sido bastante linear pois desde que me graduei que exerço a minha actividade na mesma empresa, como médica veterinária clínica de animais de companhia e espécies pecuárias, além de responsável pelo controlo reprodutivo de bovinos. Uma vez que neste relatório está em causa o meu percurso profissional e não a avaliação do desempenho da empresa para a qual trabalho, optei por não mencionar o nome desta em parte alguma do relatório, facto para o qual peço a compreensão do júri.

Neste relatório, além da descrição da minha actividade profissional também menciono as acções de formação veterinária extra-académicas em que participei desde os tempos de estudante até aos dias de hoje, as quais contribuíram para adquirir um conhecimento mais especializado e actualizado, e que têm demonstrado manifesta importância no decorrer do exercício da minha profissão.

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APÓS A CONCLUSÃO DA LICENCIATURA EM MEDICINA VETERINÁRIA

No final de 2008 concluí a Licenciatura em Medicina Veterinária no ICBAS com a apresentação e defesa do meu relatório de estágio em clínica de animais de companhia e espécies pecuárias que anexo no final (anexo II).

Cerca de uma semana depois, e já inscrita na Ordem dos Médicos Veterinários, comecei a procurar emprego numa ou em ambas as áreas em que tinha estagiado. Curiosamente nas entrevistas para as clínicas de animais de companhia fui sempre penalizada por não ter estagiado exclusivamente nesta área, embora eu tivesse dedicado um semestre a cada uma das áreas, bastante mais do que os actuais quatro meses do mestrado integrado. Pelo contrário, nas clínicas de espécies pecuárias e organizações de produtores pecuários esse mesmo facto não pareceu ter qualquer relevância.

Volvido um mês e decorridas várias entrevistas de emprego pude optar pelo que na época me parecia vir mais de encontro às minhas aspirações profissionais e pessoais, e no início de Fevereiro de 2009 comecei a trabalhar para uma empresa sediada em Barcelos e que prestava serviços veterinários a espécies pecuárias no Entre-Douro-E-Minho, onde permaneço até hoje.

Esta empresa encontrava-se com sobrecarga de trabalho e não conseguia corresponder à contínua exigência por parte dos produtores pecuários de um serviço de controlo reprodutivo de bovinos, pelo que optou por contratar mais um médico veterinário que ficaria encarregue por esta área e ainda ajudaria na clínica de espécies pecuárias. Além disso, procurava alguém polivalente pois estava a terminar a construção de uma clínica veterinária de animais de companhia que ocuparia este novo elemento a meio tempo, pois não se previa que a adesão ao novo serviço de controlo reprodutivo ocupasse uma jornada laboral completa.

Desta vez o meu estágio em clínica de animais de companhia e espécies pecuárias era uma mais-valia. Mais ainda, a experiência de estágio tinha-me sido suficiente para me tornar autónoma no controlo reprodutivo de bovinos, efectuando diagnósticos precoces com recurso à ecografia por via rectal. Fiquei de imediato escolhida para o cargo e pude constatar que a minha opção inicial de alargar o período de estágio dos então habituais nove meses para um ano, dividindo o estágio em duas áreas e apostando em serviços diferenciados e de certo modo inovadores, tinha tido sucesso.

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CONTROLO REPRODUTIVO DE BOVINOS

Quando comecei a minha actividade profissional deram-me a liberdade de escolher o ecógrafo com o qual viria a trabalhar. Parecia-me uma responsabilidade grande, mais ainda porque o modelo que tinha utilizado durante o estágio no Centro Técnico Veterinario La Espina (Espanha) ainda não era comercializado em Portugal, o que trazia transtornos não só na compra como na assistência. Além disso, as alternativas no mercado não eram muitas. Como a procura era praticamente nula as empresas de material imagiológico não pareciam interessadas neste equipamento. Assim, após experimentar no campo, escolhi o que me pareceu ser o melhor ecógrafo de entre a oferta disponível no mercado nacional, experiência essa que não só serviu para eu testar o ecógrafo mas também para a minha entidade patronal me testar a mim… Passei no exame!

Agora tinha um ecógrafo, um carro e um telemóvel disponíveis para o novo serviço, mas faltavam-me os clientes. Embora os meus colegas tivessem conhecimento de vários interessados, na prática nenhum deles tinha confirmado a intenção.

Comecei então a acompanhar os meus colegas na clínica ambulatória às explorações pecuárias não só para ver como trabalhavam mas também para conhecer a região e os agricultores. Foi assim que no final da primeira semana surgiu o primeiro cliente e depois outro e mais outro e por aí em diante, até que em Junho de 2008 já tínhamos confiança suficiente para alargarmos o serviço ao distrito de Aveiro.

Quando eu comecei a trabalhar foi-me sugerido que eu criasse para cada cliente e para cada visita de reprodução uma folha de campo em duplicado onde constaria a lista de animais por mim seleccionados para diagnóstico reprodutivo e respectivos dados, como a data do último parto, da última inseminação, o número de inseminações e a história pregressa relevante. A esta folha o agricultor acrescentaria o diagnóstico e o tratamento por mim instituídos. O duplicado deveria acompanhar-me e seria usado por mim para preparar a visita seguinte, analisar a performance reprodutiva de cada animal e do grupo, a eficácia dos tratamentos e a necessidade de realizar acções extraordinárias como exames serológicos, vacinações, alterações do maneio, etc.

Um par de meses depois tomei a iniciativa de transpor essa folha de campo criada num suporte Word® (Microsoft) para Excel® (Microsoft), para me permitir seguir o percurso reprodutivo de um animal na exploração durante um tempo infinito, num formato fácil de visualizar e de alterar, efectuar cálculos como os índices de eficiência reprodutiva, estimar as datas de secagem e de parto, determinar a taxa de refugo, etc. Esta base de dados também poderia ser útil para outras áreas, bastaria adicionar episódios de mamite ou de doença podal, por exemplo, para podermos avaliar o estado actual da exploração, a história passada e

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efectuar decisões mais acertadas, como ponderar alterar um plano de tratamento, o refugo de determinado animal, etc. A introdução de todo este manancial de dados, o processamento e a e análise implicaria despender tempo, tempo esse que já esgotava pois o número de clientes que usufruía do serviço de controlo reprodutivo tinha aumentado, além da clínica me ocupar bastante tempo. Por isso limitei-me a processar apenas os dados directamente relacionados com a performance reprodutiva, e recentemente deixei de organizar as explorações que já possuem algum software de gestão com esta vertente e a considerar como suficientes os registos efectuados pelos proprietários das explorações de pequenas dimensões. Excepcionalmente, continuo com esta ferramenta de trabalho nas explorações problemáticas, com piores resultados, ou onde encontro pouca capacidade organizativa e pouco rigor no responsável.

Outra iniciativa foi a criação de um pequeno manual onde descrevi de forma prática e concisa a maior parte dos protocolos de indução de cio ou tratamento que utilizo no controlo reprodutivo. Com a disponibilização desse manual aos clientes consegui agilizar o trabalho sem comprometer o meu desempenho, prestando um serviço de vanguarda, pois desde o início da minha actividade já alterei esse manual várias vezes de acordo com os conhecimentos adquiridos em congressos, literatura científica e experiência profissional.

O serviço de controlo reprodutivo de bovinos que comecei sem nenhum cliente conta actualmente (Agosto de 2012) com 50 explorações com visita de frequência mensal e cerca de 15 com visita esporádica, resultando num total de 1244 novilhas/ vacas examinadas em Agosto de 2012. O sucesso deste serviço deve-se em parte à qualidade e empenho que ponho no meu trabalho, à antiguidade e boa implementação na região da empresa para a qual trabalho e à crescente procura dos agricultores por este tipo de serviço. De facto, a descida contínua do preço do leite ao produtor e os sucessivos aumentos das matérias-primas, sobretudo dos cereais, obriga a que este sector tenha de fazer cada vez mais esforços por reduzir os custos de produção e se empenhe numa melhor gestão das empresas agrícolas. Assim tenho verificado que enquanto alguns actos clínicos praticamente se deixaram de exercer por serem economicamente inviáveis, pelo contrário o controlo reprodutivo têm-se tornado uma prática comum não só nas explorações de maior dimensão, onde seria expectável, mas também nas pequenas explorações leiteiras e até mesmo de aptidão cárnica, porque regra geral o investimento tem um retorno muito superior.

Outra chave do sucesso foi o momento em que demos início a este serviço. De facto, quando comecei a trabalhar eram poucos os profissionais veterinários do Entre-Douro-E-Minho que usavam a ecografia rectal por rotina no controlo reprodutivo de bovinos. Este facto não resultava apenas da falta de formação ou da incapacidade económica da maior parte dos colegas para investir, mas do preconceito que tinham criado entorno desta prática.

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Estranhamente não se convenciam de que poderiam retirar maior quantidade de informação útil se à habitual palpação pudessem adicionar a ecografia. Felizmente os agricultores não tiveram uma visão tão curta e mais rapidamente se aperceberam das vantagens que este serviço lhes poderia conferir, tais como o diagnóstico precoce de gestação simples ou gemelar, de morte embrionária, de patologias associadas ao trato reprodutivo, a sexagem embrionária, a determinação mais precisa do tempo de gestação ou da fase do ciclo éstrico, e a menor manipulação do útero gravídico. Com a divulgação desta “novidade” muitos agricultores passaram a exigi-la aos seus veterinários assistentes e hoje em dia constato que muitos dos colegas veterinários que me criticaram de fazer show off não só se renderam às vantagens que a ecografia lhes pode aportar, como também a recomendam.

Outro acontecimento que me faz feliz é a referência de casos por colegas de clínicas concorrentes, uns porque não prestam qualquer serviço de controlo reprodutivo, outros porque não querem investir num ecógrafo e recorrem a mim em situações pontuais. Creio que estas experiências enriquecem a ambos, assim como à empresa para a qual trabalho, desde que se adoptem comportamentos éticos.

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CLÍNICA DE ESPÉCIES PECUÁRIAS

Quando comecei a fazer clínica de espécies pecuárias não tive a oportunidade de começar a fazê-lo acompanhada, pelo que senti alguma dificuldade no início. Curiosamente esta dificuldade não se prendia tanto com o acto clínico em si mas com a minha relação com os clientes.

No Entre-Douro-E-Minho a concentração de produtores pecuários é grande, assim como a de médicos veterinários, por isso sente-se bastante pressão quando se envereda por este ramo de actividade. Esta pressão aumenta ainda mais quando além de não se “ser da terra” ainda se é uma jovem mulher citadina. O preconceito é de tal forma grande que nalgumas casas cheguei a sentir-me mal recebida e descredibilizada apenas pela minha condição. Felizmente pude contar com a confiança da minha entidade patronal que me foi ensinando a lidar com a situação e a não ceder ao jogo psicológico.

Outra dificuldade que tive quando comecei a trabalhar foi o facto de não conhecer a região e por isso perdi-me com frequência. Para complicar, grande parte dos agricultores não sabia a morada de cor e ainda que a soubessem o GPS não reconhecia muitas das ruas das zonas rurais desta região.

Na prescrição também encontrei obstáculos. Sabia que princípios activos usar mas na hora de prescrever isso não bastava. Tinha de conhecer os nomes comerciais dos medicamentos, as diferentes apresentações, os intervalos de segurança no leite e na carne, ter uma ideia do preço, além da dose, da via de administração e da duração adequada do tratamento. Durante o curso e posteriormente no estágio eu tinha contactado com alguns medicamentos mas isso não tinha bastado. Consultar o Simposium Veterinário em frente ao agricultor era aterrador pois aumentava o meu descrédito. Felizmente com a prática fui decorando os medicamentos que utilizo com mais frequência, assim como fui ganhando a confiança dos agricultores, de modo a que se for preciso já não tenho pudor em consultar este manual na frente deles.

Mas o maior problema residiu na burocracia e nos trâmites legais para os quais eu não tinha recebido preparação suficiente na faculdade nem durante o estágio, como por exemplo o funcionamento da requisição/ receita médico-veterinária normalizada, o livro de registo de medicamentos, o abate especial de emergência, etc. Infelizmente constatei que esta dificuldade não era só minha mas da classe veterinária em geral, devido à falta de esclarecimento pelas entidades competentes. Actualmente este facto tem resultado no levantamento injusto de autos aos produtores pecuários e a gravidade da situação aumenta quando pedimos esclarecimentos às entidades reguladoras e constatamos com informações contraditórias.

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Na empresa onde trabalho o peso da clínica individual de espécies pecuárias ainda é considerável, apesar de ter vindo a diminuir nos últimos anos. Este facto deve-se não só à crise que o sector atravessa e que torna inviável muitos dos procedimentos e tratamentos veterinários, mas também ao maior nível de formação e profissionalismo dos jovens agricultores.

Desde que integrei esta empresa que realizo clínica (não cirurgia) de espécies pecuárias nos períodos de tempo em que não tenho agendadas visitas reprodutivas, ou no decorrer destas, quando os agricultores aproveitam a minha presença para me mostrarem um ou outro animal que necessita de cuidados veterinários. Se em qualquer das situações me deparo com um caso que necessita de resolução cirúrgica, transfiro-o para os meus colegas. Por outro lado, se eles receberem casos para a zona onde eu tenho agendadas visitas reprodutivas, são eles que me transferem os casos para eu resolver nos intervalos entre as visitas ou no final das mesmas, dependendo da urgência e da minha disponibilidade de tempo. Para exemplificar o tipo e a quantidade de casos clínicos a que presto assistência no meu quotidiano, compilei na tabela 1 a minha casuística em clínica de espécies pecuárias durante o mês de Agosto de 2012.

Saindo da medicina individual e passando à de grupo, o meu trabalho no controlo reprodutivo de bovinos coloca-me em posição estratégica para detectar situações que põem em risco sanitário a exploração pecuária, como por exemplo a entrada de novos animais na exploração, o uso de touros de cobrição, etc. A análise dos registos reprodutivos também faz com que eu me aperceba com maior facilidade de qualquer aumento anormal na incidência de mortes embrionárias e abortos, assim como o aumento injustificado na incidência de metrites, na taxa de retorno e de refugo. Além disso, como durante a visita de controlo reprodutivo percorro praticamente toda a exploração, contacto com elevado número de animais e disponho de tempo para falar com o agricultor, também detecto com maior rapidez a existência de patologias de grupo de origem infecciosa ou de maneio.

No que diz respeito ao controlo sanitário das explorações pecuárias trabalho em equipa com os meus colegas e em pé de igualdade com eles. Este trabalho consiste no aconselhamento das boas práticas sanitárias e, perante uma suspeita, na colheita de amostras biológicas que enviamos para análise laboratorial. Quando esta análise revela resultados positivos tomamos as medidas necessárias para o controlo ou erradicação da(s) doença(s), nomeadamente a vacinação do efectivo se for caso disso. Obviamente que neste trabalho não substituímos o papel realizado pelos ADS/ OPPs, pois vamos além das doenças por estes controladas, como por exemplo: BVD/ DM, IBR, BRSV, PI-3, neosporose, clamidiose, febre Q, leptospirose e paratuberculose.

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Nas patologias de grupo com origem nas práticas de maneio (ex: instalações, alimentação, ordenha) tento diagnosticar o erro para fazer o aconselhamento acertado, e nas minhas visitas de controlo reprodutivo aproveito para dar alguma formação ao produtor pecuário, esclarecer dúvidas e discutir alguns casos concretos. Infelizmente neste campo nem sempre obtenho colaboração por parte do agricultor, quer por orgulho deste em reconhecer os erros, quer por incapacidade do mesmo para perceber que esta actividade não sai de forma alguma do leque de competências do médico veterinário. Felizmente durante a minha licenciatura e depois durante o estágio, aprendi as bases elementares sobre o maneio de bovinos leiteiros, conhecimento que fui complementando com o adquirido em palestras pontuais e congressos da especialidade.

Tabela 1 – A minha casuística em clínica individual de espécies pecuárias em Agosto de 2012. Patologias em bovinos Nº de casos

Pneumonia 7

Retenção placentária/ metrite 6

Patologia podal 5

Traumatismo 5

Mamite 4

Deslocamento de abomaso à esquerda 3

Diarreia 2

Hipocalcémia 2

Poliartrite 2

Síndrome Cetose-Fígado Gordo 2

Indigestão vagal 1 Mumificação fetal 1 Parto distócico 1 Paratuberculose 1 Reacção anafiláctica 1 Total 43

Patologias em pequenos ruminantes Nº de casos

Ectima contagioso 4

Enterotoxémia 3

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CLÍNICA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Esta clínica surgiu da necessidade de prestar assistência aos casos de animais de companhia com que os meus colegas eram confrontados diariamente no campo na sequência do trabalho desenvolvido na clínica de espécies pecuárias.

Foi nesta clínica que eu senti maior dificuldade quando ingressei o mercado laboral, o que na minha opinião se deveu ao desajuste entre a formação académica que recebi e a realidade que encontrei numa clínica veterinária vulgar, num contexto rural.

Como esta clínica se encontrava a dar os primeiros passos, eu não dispunha dos meios auxiliares de diagnóstico mais elementares, nem contava com o apoio de pessoal especializado. A somar a isto, tinha uma carteira de clientes que embora fosse pequena tinha pouca capacidade económica e/ ou tinha uma mentalidade fechada, preconceituosa, que exigia muito de mim sem contudo aceitar da minha parte qualquer intervenção que fosse além do uso de um termómetro, um estetoscópio e um par de injectáveis. Esta situação bloqueou inicialmente a minha capacidade clínica e originou uma cascata de frustrações e conflitos, até que a dado momento comecei a organizar o meu raciocínio clínico por etapas, partindo do diagnóstico diferencial mais provável para o mais improvável, não esgotando assim todos os recursos económicos à partida.

Com o passar do tempo também fui colmatando algumas falhas com soluções simples, como o uso nos animais de companhia do ecógrafo que utilizo diariamente no campo e o recurso a laboratórios externos para recolha, processamento e análise de amostras biológicas em tempo útil. Para os casos mais complexos em que nem eu nem os meus colegas éramos capazes de resolver, tínhamos a possibilidade de os enviar para outros colegas mais experientes e com mais recursos. Felizmente com o passar do tempo a clínica foi adquirindo mais material e todos nós fomos ganhando mais experiência, tornando estas referências de casos cada vez menos frequentes.

Ao longo destes três anos o tipo de clientes também tem mudado. Além dos comuns à clínica de espécies pecuárias também temos clientes das mais diversas actividades profissionais e classes sociais. Também creio que com o nosso trabalho temos operado algumas mudanças na mentalidade da população local e, contrariamente ao esperado com a crise económica do país, a clínica de animais de companhia é a que tem registado um maior aumento da actividade, representando actualmente cerca de metade do esforço laboral da empresa.

Quanto à casuística da clínica de animais de companhia, a grande fatia diz respeito a consultas de profilaxia, muitas vezes ao domicílio, as quais só conseguimos cumprir integrando-as no serviço de clínica ambulatória de espécies pecuárias. A segunda maior fatia é

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atribuída a problemas do foro dermatológico. Sazonalmente, no final do mês de Agosto e início de Setembro, esta segunda fatia é ultrapassada por uma terceira, a dos distúrbios digestivos. Este facto deve-se à grande incidência de parvovirose canina em Barcelos, fruto da popularização das campanhas oficiais de vacinação anti-rábica, associada à desinformação dos proprietários quanto a um programa vacinal adequado. A casuística das restantes especialidades é bastante similar entre si, no entanto quero salientar que a incidência de traumatismos e intoxicações a que assistimos é bastante superior à que normalmente se encontra numa clínica situada num meio urbano.

Quanto à cirurgia geral de tecidos moles, esta é da inteira responsabilidade da minha entidade patronal, pelo que a mim apenas me competem as pequenas cirurgias. As cirurgias que são mais complexas, que exigem mais experiência ou material específico (ex: cirurgias ortopédicas) são realizadas por um médico veterinário colaborador externo.

Na tabela 2 compilei a minha casuística na clínica de animais de companhia durante o mês de Agosto de 2012.

Casos de animais de companhia Nº de casos

Consultas de profilaxia 41

Distúrbios gastro-intestinais 12 Distúrbios dermatológicos 7

Reprodução/ Obstetrícia 6

Feridas/ Abcessos cutâneos 5

Distúrbios locomotores 4 Gengivites 4 Otites 3 Intoxicações 3 Distúrbios urinários 2 Distúrbios cardíacos 2 Distúrbios oftalmológicos 2 Pneumonias 2 Reacções anafilácticas 2 Total 95

Tabela 2 - A minha casuística em clínica de animais de companhia em Agosto de 2012.

Creio que esta tabela ilustra bem o tipo e a quantidade de casos que recebo no meu quotidiano. Apenas gostava de salientar que neste mês tive uma maior afluência de consultas

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de profilaxia uma vez que este é o período de eleição para férias, no qual os proprietários têm maior disponibilidade para trazerem os seus animais de companhia à consulta de rotina e vacinação anual. Além disso, durante o mês de Agosto, Barcelos aumenta significativamente a sua população devido ao regresso dos “filhos da terra” que partiram para outras cidades ou para o estrangeiro. Para acentuar ainda mais estes efeitos, este período antecede o início da época de caça, actividade com uma grande representatividade na região, pelo que nesta altura somos muito solicitados para a vacinação anti-rábica/ aplicação do microchip.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finda a descrição do meu percurso profissional gostaria de tecer apenas algumas considerações.

A empresa em que trabalho encontra-se felizmente em franco crescimento, sobretudo no serviço de controlo reprodutivo de bovinos e na clínica de animais de companhia. Apesar da minha entidade patronal estar à procura de uma solução para esta situação, eu gostaria de ter a possibilidade de me especializar numa das áreas. Não quero com isto dizer que me arrependo de ter trabalho até agora em clínica generalista multiespécies. Pelo contrário, considero que enquanto estudante fiz a escolha acertada em ter prolongado o período de estágio dividindo-o em duas áreas diferentes, procurando estagiar em locais de referência e apostando em serviços/ técnicas inovadoras. Esta estratégia facilitou-me a entrada no mercado de trabalho numa época de crise económica, com excedente notório de licenciados em medicina veterinária.

Mas contrariamente ao que pode transparecer pela leitura deste trabalho, o início da minha carreira não foi fácil. Os vários estágios no estrangeiro que por um lado me valeram este emprego, por outro dificultaram-me o trabalho pelos métodos convencionais aos quais eu não me queria resignar, desistindo de tudo o que me tinha fascinado lá fora, deixando-me a ponto de por vezes dar por mim a pensar em desistir. Por isso aconselho a que se estagie sempre em locais de referência, mas para quem pensa ficar a trabalhar em Portugal é importante realizar o estágio na nossa realidade.

Considero que actualmente os recém-licenciados encontram uma situação de mercado ainda mais desvantajosa do que aquela que eu encontrei quando me licenciei há quase quatro anos e a experiência com que eles partem para o mercado de trabalho é ainda menor do que a que eu tive. Felizmente a clínica de animais de companhia do ICBAS acolhe bastante mais casuística do que acolhia no meu tempo de estudante, o que poderá de certa forma equilibrar um pouco os pratos da balança no que diz respeito a este ramo de actividade. Quanto ao tratamento de feridas e à cirurgia geral de animais de companhia não sei se a preparação prática durante o curso terá melhorado mas confesso que no meu caso foi francamente insuficiente. Tomei conhecimento disso aquando do meu estágio na rotação de cirurgia de tecidos moles no Hospital Veterinário da Universidade do Tennessee, onde os alunos passavam obrigatoriamente um mês a prestar serviço num abrigo para animais abandonados, onde além de outros procedimentos realizavam um grande número de ovariohisterectomias e orquiectomias. Esta experiência conferia-lhes autonomia nestes procedimentos, destreza manual e familiaridade com a cirurgia em geral.

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Quanto à “clínica” de bovinos creio que a principal falha da minha formação académica foi a nutrição. A nutrição é a causa de grande parte dos problemas de medicina de produção que encontro, e ao longo dos tempos este ramo da actividade foi entregue aos Engenheiros Zootécnicos/ Agrónomos que não conhecem a fisiologia e a patologia como os médicos veterinários e por isso não conseguem ter a abrangência que só estes têm. Numa altura em que sobejam os médicos veterinários é preciso agarrar o que nos pertence, até porque a produção pecuária actual exige maior profissionalismo.

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ANEXO I: ACÇÕES DE FORMAÇÃO

3-8 Junho 2012 – XXVII World Buiatrics Congress

25 Fevereiro 2012 - I Conferência Anual do Conselho Português de Saúde do Úbere

11-12 Fevereiro 2012 - VIII Congresso Hospital Veterinário Montenegro: Endocrinologia

15-16 Outubro 2011 - XV Jornadas Internacionais de Medicina Veterinária da AEMV-UTAD: Reprodução de Bovinos e Ordenha Robotizada

25-27 Março 2011 - IX Congresso de Medicina Veterinária da AEICBAS: Cirurgia de Pequenos e Grandes Animais

12-13 Fevereiro 2011 - VII Congresso Hospital Veterinário Montenegro: Oncologia

21 Outubro 2010 – Vet Club Intervet-Schering: Patologia Respiratória em Bovinos

16-17 Outubro 2010: Encontro de Formação da OMV

9-11 Abril 2010 - VIII Congresso de Medicina Veterinária da AEICBAS: Diagnóstico por Imagem

23-24 Janeiro de 2010 – VI Congresso Hospital Veterinário Montenegro: Emergências Veterinárias

30 Outubro-1 Novembro 2009 – XIII Jornadas Internacionais de Medicina Veterinária da AEMV-UTAD: O Bem Estar e o Metabolismo de Ruminantes

24-26 Abril 2009 - XIII Jornadas da Associação Portuguesa de Buiatria

27-29 Março 2009 – VII Congresso de Medicina Veterinária da AEICBAS: Emergência e Cuidados Intensivos em Animais de Companhia

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11-13 Abril 2008 – VI Congresso de Medicina Veterinária da AEICBAS: Patologia Comportamental – Abordagem Clínica

26-28 Outubro 2007 - XXXI Jornadas Médico-Veterinárias da AEFMV-UTL: Cirurgia, Anestesiologia, Cuidados Pré- e Pós-Cirúrgicos e Fisioterapia.

12-14 Outubro 2007- XI Jornadas Internacionais de Medicina Veterinária da AEMV-UTAD: Patologias Infecciosas Emergentes em Medicina de Ruminantes e Maneio Reprodutivo

1-3 Junho 2007 – XI Jornadas da Associação Portuguesa de Buiatria

19-20 Maio 2007 - Workshop de podologia bovina da AEICBAS

15 Maio 2007 - V Tertúlias Médico-Veterinárias da AEICBAS: Enterites em Bovinos Jovens

28-29 Abril de 2007 - V Congresso de Medicina Veterinária AEICBAS: Endocrinologia

10 Março 2007 - III Jornadas de Bovinicultura do IAAS-UTAD

23-25 Fevereiro 2007 – IV Seminário/ Workshop da AEMV-UTAD: Aparo Correctivo/ Cirurgia de Cascos e Descorna de Bovinos

6-7 Janeiro 2007 – III Congresso Hospital Veterinário Montenegro: Cardio-Respiratório

3-4 Junho 2006 - X Jornadas da Associação Portuguesa de Buiatria

23 Maio 2006- I Tertúlias da AEICBAS sobre Animais de Produção: Bovinos leiteiros

28-30 Abril 2006 - IV Congresso de Medicina Veterinária AEICBAS: Geriatria em Animais de Companhia

7-8 Janeiro 2006 – II Congresso Hospital Veterinário Montenegro: Neurologia

16 Novembro 2005 - II Tertúlias Médico-Veterinárias da AEICBAS: Mamites Exóticas em Vacas Leiteiras

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7-8 Maio 2005 - IX Jornadas da Associação Portuguesa de Buiatria

13-15 Maio 2005 - III Congresso de Medicina Veterinária AEICBAS: Oncologia

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UNIVERSIDADE DO PORTO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DE ABEL SALAZAR

Relatório de Estágio da Licenciatura em Medicina Veterinária

CLÍNICA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

CLÍNICA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE PRODUÇÃO

AUTOR:

JOANA SOFIA CARDOSO MELIM RODRIGUES

ORIENTADORES:

DR. NUNO PROENÇA

PROF. DR. ALFRED M. LEGENDRE

DR. RAFAEL ORTEGA

DR. LUÍS PINHO

DR. RAINER VAN AERSSEN

TUTORES:

DRA. CLÁUDIA BAPTISTA

PROF. DR. NUNO CANADA

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“Sê útil… deixa rasto!”

ao meu querido amigo António (1984 - 2008)

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20 RESUMO

O meu estágio curricular teve a duração de 48 semanas e foi dividido nas áreas de clínica e cirurgia de animais de companhia e clínica e cirurgia de animais de produção, mais propriamente em bovinos leiteiros.

Durante as primeiras treze semanas estive na Clínica Veterinária da Areosa, onde assisti e auxiliei nas consultas, urgências, internamento, cirurgias ortopédicas e de tecidos moles, maioritariamente de cães e de gatos, e uma pequena percentagem de animais exóticos (aves e leporídeos).

Nas onze semanas seguintes estagiei no University of Tennessee Veterinary Teaching

Hospital, onde fui integrada com os alunos finalistas desta instituição no “sistema de rotações”

quinzenais. Nesse âmbito passei pelas especialidades de oncologia, cirurgia de tecidos moles, dermatologia, neurologia e medicina interna, onde realizei consultas, acompanhei o internamento, auxiliei e participei nas cirurgias dos casos que me foram atribuídos nesses serviços e ainda no serviço de urgência, sempre com a supervisão dos clínicos locais.

No final de Abril dei início à segunda parte do estágio com um período de catorze semanas no Centro Técnico Veterinario La Espina, das quais sete foram dedicadas a qualidade do leite e as restantes a reprodução, um pouco de medicina individual e sanidade animal.

Durante as quatro semanas de Agosto estagiei nos Serviços Veterinários Associados. Quase metade deste período de estágio consistiu no acompanhamento dos clínicos nas áreas de medicina individual e cirurgia. O restante tempo foi passado na área de reprodução, excepto o último dia em que acompanhei o trabalho de um técnico de podologia bovina

O final do meu estágio curricular decorreu na Niemann, Rothert, Van Aerssen,

Tierärztliche Gemeinschaftspraxis, onde despendi quase 5 semanas nas áreas de nutrição, maneio, reprodução, podologia, medicina de grupo, instalações e gestão de explorações de bovinos leiteiros. Na última semana acompanhei as chamadas de medicina individual e sanidade de bovinos, excepto um dia em que auxiliei a vacinação de suínos.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai por me ter dado a liberdade de escolher o meu rumo, apoiando sempre as minhas decisões. À minha mãe por ser o meu porto de abrigo e amiga incondicional. E a ambos pelos valores que me transmitiram e pela aposta que fizeram na minha formação.

Aos meus avós por me terem proporcionado uma infância saudável, repleta de aventuras (e arranhões), sendo eles os principais responsáveis pelo meu gosto pelos animais e pelo campo.

Ao meu irmão e à sua jovem família por incentivarem as minhas actividades, pela amizade e pelos bons momentos que passamos quando nos reunimos.

Aos meus amigos por serem o refúgio dos meus desabafos, combustível das minhas decisões e companheiros nas aventuras e desventuras.

Aos professores, em especial à Dra. Cláudia Baptista e ao Prof. Dr. Nuno Canada que além do papel pedagógico relevante que tiveram durante o curso, também foram conselheiros decisivos do meu futuro, aturaram as minhas angústias sobre a planificação do estágio e a redacção deste relatório.

À equipa da Clínica Veterinária da Areosa por ter desmistificado o conceito da prática veterinária em animais de companhia. Um agradecimento em especial ao Dr. Nuno Proença por se ter preocupado a todo o momento com a minha formação.

À UTCVM, e em especial ao Prof. Dr. Alfred Legendre, pela oportunidade que me proporcionaram de conhecer e experimentar um novo mundo na medicina de animais de companhia.

Aos veterinários dos S.V.A. por me terem ajudado a definir as minhas ambições profissionais e se terem mostrado sempre disponíveis para me receber e ensinar. Um agradecimento especial ao meu orientador pela amizade e orientação deste estágio desde a sua planificação.

A todo o grupo do CTV que me acolheu de portas abertas e me fez sentir em casa desde o primeiro dia, tanto em situações de trabalho como de lazer e que tornaram a minha despedida tão difícil… Quero agradecer em especial ao Dr. Rafael Ortega e ao Dr. Marino Garcia tudo o que me ensinaram, os conselhos que me deram e os bons momentos que passamos.

A todo o grupo da Niemann, Rothert, Van Aerssen, Tierärztliche Gemeinschaftspraxis pela experiência de vida e de trabalho que me proporcionaram, por me terem mostrado um conceito revolucionário na medicina bovina e por se terem esforçado por minimizar a barreira linguística entre nós. À Dra. Angela Bauer pela amizade, companheirismo e pelas fotografias que constam neste relatório. Um agradecimento especial ao Dr. Rainer van Aerssen pela

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amizade, boa disposição e preocupação constante com a minha formação. E como não podia deixar de ser, ao Dr. Jürgen Rothert e à sua família que me acolheram em casa como um elemento mais da família.

Aos proprietários que demonstraram amabilidade e paciência para comigo, e que me confiaram os seus animais apesar da minha condição de estagiária.

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23 ÍNDICE GERAL Pág. Dedicatória... 19 Resumo... 20 Agradecimentos... 21 Índice geral... 23

Parte I: Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia

Dermatologia: Suspeita de onicodistrofia simétrica lupóide………. 25 Neurologia: Instabilidade atlanto-axial……….. 31 Oncologia: Mastocitoma cutâneo………..……… 37 Urologia: Prostatomegália, urolitíase e infecção urinária……….. 44 Afecções músculo-esqueléticas: Displasia do cotovelo.………...………. 51

Parte II: Clínica e Cirurgia de Animais de Produção

Introdução……….. 58

Serotipo 8 do vírus da língua azul………... 60

1. O vírus da língua azul………... 61

2. Hospedeiros e transmissão do vírus da língua azul……… 61

2.1. O vector Culicoides spp……… 62

2.2. Biologia do vector culicóide e patogénese da língua azul……….. 63 2.3. Alguns estudos sobre vias de transmissão e hospedeiros alternativos……… 64

2.4. Overwintering……….. 66

3. Sinais clínicos de língua azul em bovinos………. 68 4. Análise histopatológica de cadáveres de bovinos com infecção clínica……….. 73 5. Diagnósticos diferenciais de língua azul em bovinos……….. 77 6. Língua azul na lista da OIE……….. 74 6.1. Notificação obrigatória das autoridades………. 75 7. Diagnóstico de língua azul………... 75

7.1. Identificação do agente………. 75 7.2. Testes serológicos………. 77 7.3. Testes oficiais………. 77 8. Tratamento……….. 78 9. Prevenção e controlo……… 78 9.1. Vigilância……….. 78

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9.3. Zona submetida a restrições e acompanhamento, segundo a Directiva 2000/75/CE de 20 de Novembro de 2000 e o Regulamento (CE) Nº 1266/2007 de 26 de

Outubro de 2007……….. 80

9.4. Controlo de vectores……….. 80

9.5. Tráfego de ruminantes, sémen, embriões/ oócitos……….. 81

9.6. Vacinação……… 82

10. Evolução geográfica da língua azul na Europa……….. 83 10.1. Evolução do serotipo 8 de língua azul na Alemanha………. 83 10.2. Evolução do serotipo 8 de língua azul em Espanha……….. 84

Discussão……….. 85

Anexos

Anexo I: Casuística em medicina individual de animais de produção………. 87 Anexo II: Distribuição dos sinais clínicos em manadas de bovinos infectadas por BTV

8 na Bélgica, França e Holanda durante o ano de 2006………..……….. 89 Anexo III: Principais diagnósticos diferenciais de BT………. 90 Anexo IV: Surtos de língua azul na Europa entre 1998 e 2005……… 91 Anexo V: Mapas europeus com os focos de BT notificados à OIE……… 92 Anexo VI: Referências bibliográficas

VI.1 – Medicina e Cirurgia de Animais de Companhia

Dermatologia: Suspeita de onicodistrofia simétrica lupóide………. 93 Neurologia: Instabilidade atlanto-axial………. 93 Oncologia: Mastocitoma cutâneo………. 94 Urologia: Prostatomegália, urolitíase e infecção urinária………. 94 Afecções músculo-esquelético: Displasia do cotovelo...……….. 95 VI.2 – Medicina e Cirurgia de Animais de Produção...………... 95 Anexo VII: Lista geral de abreviaturas

VII.1 – Medicina e Cirurgia de Animais de Companhia... 100 VII.2 - Medicina e Cirurgia de Animais de Produção... 101

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UNIVERSIDADE DO PORTO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DE ABEL SALAZAR

CLÍNICA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Relatório final de curso - Licenciatura em Medicina Veterinária

JOANA SOFIA CARDOSO MELIM RODRIGUES

ORIENTADORES:

DR. NUNO PROENÇA

PROF. DR. ALFRED M. LEGENDRE

TUTORES:

DRA. CLÁUDIA BAPTISTA

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DERMATOLOGIA: SUSPEITA DE ONICODISTROFIA SIMÉTRICA LUPÓIDE

Identificação do animal: KC, canídeo da raça Pastor Alemão, fêmea ovariohisterectomizada com 7 anos de idade e 34.50 kg de peso.

Motivo da consulta: Referência para dor nas extremidades dos dígitos e perda de uma unha. Anamnese: Vivia num apartamento sem outros coabitantes animais além da irmã, aparentemente saudável. Ia diariamente à rua com trela e nunca tinha viajado. Comia ração comercial seca de qualidade superior, não tendo o hábito de comer ou roer nada além disso. Não tinha o hábito de escavar a terra e não tinha acesso a lixo ou a tóxicos. Tinha sido vacinada há 4 meses (DHPPi+LR), desparasitada interna e externamente há 2 meses, com produtos desconhecidos. Até ao aparecimento deste problema tinha sido saudável e só fazia a medicação abaixo indicada. Não tinha outros antecedentes cirúrgicos além da ovariohisterectomia realizada há cerca de 6 anos. No inquérito aos diversos sistemas a dona apenas referiu as alterações descritas na anamnese dirigida.

Anamnese dirigida: Cerca de 3 semanas antes da consulta de referência KC começou a claudicar do membro torácico esquerdo (MTE) sem causa aparente. O seu veterinário classificou a claudicação com grau II e origem na extremidade do 2º dígito desse membro, onde não tinha unha. Não encontrou vestígios de sangue ou evidências de inflamação e as radiografias também não apresentaram alterações, pelo que supôs que KC deveria ter sofrido um trauma menor nesse dígito. Prescreveu meloxicam (0.1 mg/ kg po sid, durante 1 semana), tramadol (2-4 mg/ kg po bid, conforme necessário para controlar a dor) e restrição de exercício durante 1 semana. Com esse tratamento a claudicação desapareceu, mas 2 ou 3 dias depois KC começou a claudicar do membro pélvico direito (MPD) e a lamber os respectivos dígitos. Não tinha história de coabitantes com sinais semelhantes.

Exame geral: Alerta, com temperamento equilibrado. Em estação nem sempre apoiava o MPD, em movimento tinha claudicação de grau II desse membro e em decúbito não apresentava alterações da postura. Condição corporal normal. Movimentos respiratórios costo-abdominais, com profundidade normal, regulares, rítmicos, com relação inspiração:expiração de aproximadamente 1:1.3, frequência de 26 rpm, sem uso dos músculos auxiliares da respiração ou da prensa abdominal de apoio. Pulso forte, regular, rítmico, bilateral, simétrico, sincrónico, com frequência de 96 ppm. Temperatura rectal de 38.6 ºC, sem alterações macroscópicas do material aderido ao termómetro. Região perianal, reflexo e tónus anal normais. Mucosas rosadas, brilhantes, húmidas, TRC < 2 seg. Estado de desidratação < 5 %. Sem alterações na palpação dos gânglios linfáticos, cadeias mamárias e abdómen, assim como na auscultação torácica, inspecção da boca, olhos e ouvidos.

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Exame locomotor: Desconforto à palpação das unhas, sobretudo da unha do 2º dígito do MPD, além das alterações de postura referidas no exame geral.

Exame dermatológico: Praticamente todas as unhas se apresentavam irregulares, quebradiças e algumas estavam pouco aderidas, como era o caso da unha do 2º dígito do MPD. Não havia vestígios de exsudação em nenhuma unha nem sinais de inflamação nos tecidos moles associados. A pele e o pêlo estavam normais.

Diagnósticos diferenciais: Onicodistrofia simétrica lupóide (OSL), lúpus eritematoso discóide (LED) / lúpus eritematoso sistémico (LES), pênfigos vulgar, penfigóide bolhoso, vasculite, onicodistrofia ou onicomadese idiopática.

Exames complementares: Hemograma completo, bioquímica sérica (BUN, creatinina, Ca, P,

Na, K, PPT, albumina, glucose, FA, ALT, bilirrubina total, colesterol) e urianálise – valores

dentro dos intervalos de referência. Foi sugerida a realização de uma biópsia da 3ª falange mas a dona não autorizou. ANA – negativo. Títulos séricos de anticorpos contra Ehrlichia canis,

Rickettsia rickettsii e Borrelia burgdorferi – negativos.

Diagnóstico: Suspeita de OSL.

Tratamento: 3V Caps Liquid® (DVM pharmaceuticals) na dose indicada pelo fabricante. Corte de unhas a cada 2-3 semanas utilizando uma lima rotativa de alta velocidade. Sabão à base de clorexidina e sulfato de magnésio para lavagem diária das mãos e pés. Tramadol (2-4 mg/ kg po bid) se necessário para controlar a dor. Monitorizar o aparecimento de exsudados, dor e destacamento de unhas.

Seguimento: KC deveria ser examinada novamente passado 1 mês e se estivesse pior iniciaria um tratamento com doxiciclina (6 mg/kg po bid) e pentoxifilina (23 mg/ kg po bid), mas tal não foi necessário. KC ficou melhor, deixou de claudicar e não voltou a perder unhas, no entanto estas continuaram irregulares e quebradiças.

Prognóstico: Grande probabilidade de recidiva. O objectivo do tratamento era controlar a doença e reduzir a dor de forma segura e confortável, ainda que as unhas continuassem deformadas.

Discussão: A OSL é uma patologia rara a infrequente. Afecta unicamente as unhas de cães, que de outro modo são saudáveis2, provocando deformação de modo simétrico (todas as unhas de todos os membros)4. Os exemplares da raça Pastor Alemão com idades compreendidas entre os 3 e os 8 anos parecem mais predispostos4. Esta descrição é em tudo válida para KC.

A etiologia da OSL é desconhecida4. Não há evidência clínica de que seja infecciosa ou contagiosa e não há descrição de uma patologia semelhante em humanos4. Existem relatos de casos que responderam a antibioterapia e outros a dieta de eliminação3, mas as semelhanças

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histopatológicas com o lúpus eritematoso (LE) leva alguns a crer que seja imunomediada4. Todo este desconhecimento faz com que a OSL seja muitas vezes englobada nas onicomadeses e onicodistrofias idiopáticas3,4, havendo até quem advogue que estas três patologias possam representar diferentes estados da mesma doença1.

A patologia começa por se manifestar com o destacamento de uma unha (onicomadese), às vezes precedido por hemorragia subungueal3. Após algumas semanas ou meses todas as unhas são afectadas2,3. As unhas que crescem em substituição são geralmente mais curtas (braquiniquia), deformadas (onicodistrofia), secas, moles (onicomalácia), quebradiças (onicosquizia), por vezes com aspecto roído (onicorrexis), descorado (leuconiquia) e também elas caiem frequentemente2,3. Cerca de metade dos cães com OSL exibem prurido, claudicação e dor à palpação da unha afectada (onicalgia)2,3. Por vezes ocorre infecção bacteriana secundária com exsudação e inflamação dos tecidos moles adjacentes (paroniquia)2,3. Este quadro clínico é semelhante ao de KC, que tinha perdido a 2ª unha do MTE sem causa aparente e parecia estar prestes a perder outras unhas, nomeadamente a 2ª unha do MPD que se apresentava pouco aderida, com prurido e dor à palpação. Tinha praticamente todas as unhas irregulares e quebradiças, o que poderia indicar um processo arrastado no tempo. No entanto não tinha vestígios de exsudação nem paroniquia, pelo que não parecia ter infecção bacteriana secundária. A pele e o pêlo estavam normais, o que mais uma vez leva a pensar que o problema estava confinado as unhas.

Tendo em conta que KC tinha 7 anos de idade, um quadro clínico progressivo de doença simétrica das unhas à excepção do qual era aparentemente saudável, e não exibia alterações da pele nem dos tecidos adjacentes às unhas, descartaram-se os seguintes diagnósticos diferenciais de onicomadese e onicodistrofia: dermatose responsiva ao zinco, traumatismo, intoxicação (talotoxicose, ergotismo), infecção, neoplasia ou pênfigos foliáceo3. Assim sendo, os principais diagnósticos diferenciais recaíram sobre: OSL, LED/ LES, pênfigos vulgar, penfigóide bolhoso, vasculite, onicodistrofia ou onicomadese idiopática2,3.

Histopatologicamente estas lesões caracterizam-se por:

OSL – degeneração hidrópica das células basais, degeneração e apoptose individual de queratinócitos da camada basal, incontinência pigmentar e dermatite liquenóide na interface dermo-epidérmicacom depósito fibrilar de IgG2,4.

LE – alterações muito semelhantes às da OSL, excepto no aspecto do espessamento da membrana basal que tem aspecto granular e não fibrilar, por depósito de imunoglobulinas e/ ou de complemento, detectável por imunofluorescência directa4.

Pênfigos vulgar – acantócitos, vesículas e soluções de continuidade suprabasilares2.

Penfigóide bolhoso – vesículas e soluções de continuidade subepidérmicas, sem fenómenos de acantólise2.

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Vasculites – inflamação dos vasos sanguíneos com infiltrado neutrofílico, eosinofílico ou linfocítico2.

Onicomadese ou onicodistrofia idiopática – não tem um padrão histopatológico definido. O seu diagnóstico é feito pela exclusão dos restantes diagnósticos diferenciais3.

Esta descrição histopatológica é de extrema importância porque a realização de onicobiópsia por amputação da 3ª falange e sua análise histopatológica é o único método que permite confirmar o diagnóstico destas patologias2,3. Apesar disso a dona de KC recusou este procedimento, facto que inviabilizou a emissão de um diagnóstico definitivo.

Tendo em conta que as vasculites além de idiopáticas podem ter numerosas causas (ex: reacções a fármacos ou vacinas, crioglobulinemia, neoplasias, doenças metabólicas, LES, infecções sistémicas, alergias alimentares)2, foi possível excluir alguns diagnósticos diferenciais dentro deste grande grupo das vasculites, ora vejamos. A vasculite por reacção a fármacos ou vacinas foi excluída pela anamnese, onde não havia referência a estas administrações nas últimas 8 semanas3. A crioglobulinemia foi descartada porque KC vivia num apartamento e, apesar de ir diariamente à rua, a exposição ao frio era obviamente limitada2. Os resultados do hemograma, bioquímica sérica e urianálise revelaram valores dentro dos padrões da normalidade, apoiando o exame físico por não indicarem um processo sistémico. Assim tornou-se improvável que KC sofrestornou-se de qualquer processo metabólico como diabetes mellitus, neoplasia, LES ou infecção sistémica. Contudo foram doseados os títulos séricos de anticorpos anti-nucleares (ANA), anti- Ehrlichia canis, Rickettsia rickettsii e Borrelia burgdorferi. Uma vez que todos os resultados foram negativos a possibilidade de KC sofrer de uma destas doenças passou a ser ainda mais remota, salvaguardando a existência de falsos-negativos2.

Apesar de neste caso clínico não se ter confirmado um diagnóstico, vários diagnósticos diferenciais foram excluídos ou pelo menos classificados de improváveis. A história, o quadro clínico e os resultados dos exames complementares foram em tudo compatíveis com a descrição bibliográfica de OSL4. Por tudo isto a OSL foi considerada como diagnóstico presuntivo, quer a consideremos um diagnóstico final ou um padrão de patologia ungueal com as mais variadas etiologias1.

Para o tratamento da OSL foram propostas diversas abordagens e associações entre elas1. Nalguns casos algumas foram bem sucedidas mas até agora nenhuma foi considerada universal, em certa forma por não se actuar de modo dirigido ao factor etiológico1. Mas uma vez de que se trata de um processo localizado em que os pacientes estão em bom estado geral, todos os autores consultados parecem estar de acordo que se opte primeiro por uma abordagem com menos efeitos adversos1,2,3,4. Os tratamentos mais agressivos devem ser reservados para quando os resultados não forem satisfatórios1,2.

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O protocolo terapêutico com menos efeitos adversos consiste na suplementação de ácidos gordos essenciais (EFA) (40 mg/ kg po sid) e vitamina E (200-400 UI po bid)2. Para prevenir fissuras, dor e infecções bacterianas secundárias, as novas unhas devem ser limadas quinzenalmente2,3, podendo também aplicar-se com frequência uma resina acrílica3. O uso de sabões anti-bacterianos e adstringentes está indicado na prevenção ou complemento do tratamento antibacteriano3. Neste último caso aconselha-se a antibioterapia sistémica durante um período mínimo de 6 semanas2, podendo haver necessidade de continuá-la até aos 4-6 meses3.

Quando este tratamento falha deve usar-se uma combinação de tetraciclina e niacinamida1,2,3, num esquema de 250 mg de cada uma para cães até 10 kg, e de 500 mg para os restantes, po tid até se observar um crescimento notável das unhas (geralmente em 3-6 meses)2. Depois cada fármaco deve ser administrado bid durante 2 meses, seguidos de administrações sid para terapia de manutenção a longo prazo2. Alternativamente à tetraciclina pode-se administrar doxiciclina (5-10 mg/ kg po sid ou bid)2.

Outra opção terapêutica é a pentoxifilina (10-25 mg/ kg, po bid ou tid) 2.

Em casos severos e refractários pode ser vantajoso o uso de prednisona 1-2 mg/ kg po bid durante 2-4 semanas, depois a mesma dose sid durante outras 2-4 semanas, e por fim as administrações devem ser feitas em dias alternados com a mínima dose necessária para manter a remissão2. Alternativa ou simultaneamente pode usar-se azatioprina 2 mg/ kg po sid até controlo dos sinais clínicos (aproximadamente 3 meses) e depois a mesma dose em dias alternados como manutenção1,2.

Em casos severos e dolorosos que são refractários à medicação ou quando esta não pode ser administrada pelos efeitos adversos de um tratamento prolongado, a amputação das 3as falanges poderá ser a solução1,2.

O prognóstico para cães tratados é bom no que diz respeito ao controlo da dor e perda de unhas, mas geralmente estas permanecem deformadas2,3. Nalguns casos a terapia pode ser descontinuada com sucesso após 6 meses, mas noutros é necessário uma terapia de manutenção com maior duração para manter a remissão2.

No caso de KC foi prescrito um suplemento alimentar rico em EFA e vitamina E: 3V Caps Liquid® (DVM pharmaceuticals). As unhas foram limadas a cada 2-3 semanas no hospital veterinário, utilizando uma lima rotativa de alta velocidade. O sabão indicado para lavagem diária das mãos e pés era à base de clorexidina e sulfato de magnésio, o que proporcionava o desejado efeito anti-bacteriano e adstringente, respectivamente. Não foram prescritos antibióticos sistémicos por não haver indicação de infecção bacteriana secundária, mas foi mantido o tramadol para controlo da dor. Com este tratamento KC deixou de claudicar e não

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foram detectados mais destacamentos de unhas. No entanto estas continuaram deformadas e como terminou o tratamento ao final de um mês a probabilidade de recidiva é elevada.

NEUROLOGIA: INSTABILIDADE ATLANTO-AXIAL

Identificação do animal: Isabelle, canídeo da raça Yorkshire Terrier, fêmea inteira com 21 semanas de idade e 1,2 kg de peso.

Motivo da consulta: Consulta de referência por suspeita de shunt porto-sistémico.

Anamnese: Tinha sido adoptada com 10 semanas de idade e desde então vivia numa casa com quintal, sem outros animais domésticos. Não costumava ir à rua e nunca tinha viajado. Comia ração comercial húmida Hill’s l/d®, não tendo o hábito de comer ou roer nada além disso. Não tinha acesso a lixo ou a tóxicos. Tinha recebido há pouco tempo o reforço da vacina DHPPi+L mas ainda não tinha sido vacinada contra a raiva. Era desparasitada mensalmente com prazinquantel, pamoato de pirantel e febantel, mas não estava desparasitada externamente. Além do motivo da consulta não aparentava ter outro problema de saúde. Não tinha antecedentes cirúrgicos e ainda não tinha tido o primeiro cio.

Anamnese dirigida: Pelo menos desde a adopção que caminhava descoordenadamente e caía com frequência. Tinha o pescoço flectido ventralmente e gania quando o moviam. Uma semana após a adopção foi consultada por um veterinário que suspeitou tratar-se de um shunt porto-sistémico, no entanto não realizou qualquer tipo de exame analítico ou imagiológico. Prescreveu a dieta húmida Hill’s l/d® desaconselhando qualquer outra fonte de alimento e medicou-a com lactulose (1 ml/ kg po tid). Segundo a dona estas instruções foram seguidas rigorosamente mas Isabelle continuava igual. Tinha apetite normal e a intensidade dos sinais clínicos não parecia aumentar após as refeições. Não tinha vómitos nem diarreia. Aparentemente não bebia nem urinava mais do que a quantidade normal. Não tinha história de traumatismo conhecida.

Exame geral: Estado mental e postura descritos no exame neurológico. Temperamento equilibrado. Condição corporal normal. Movimentos respiratórios do tipo costo-abdominal, com profundidade normal, regulares, rítmicos, com relação inspiração:expiração de aproximadamente 1:1.3, frequência de 20 rpm, sem uso dos músculos auxiliares da respiração ou da prensa abdominal de apoio. Pulso forte, regular, rítmico, bilateral, simétrico, sincrónico, com frequência de 120 ppm. Temperatura rectal de 38.7 ºC, sem alterações macroscópicas do material aderido ao termómetro, região perianal, reflexo perianal e tónus anal normais. Mucosas rosadas, brilhantes, húmidas, com TRC inferior a 2 seg. Grau de desidratação inferior

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a 5 %. Sem alterações na palpação dos gânglios linfáticos e abdómen, tal como na auscultação torácica, inspecção da boca, olhos e ouvidos.

Exame neurológico: Estado mental – alerta. Postura – cabeça fixa e ventroflexão cervical.

Marcha – ataxia dos 4 membros por vezes com apoio da face dorsal dos dígitos. Reacções posturais – diminuídas nos 4 membros. Reflexos espinhais – normorreflexia do períneo,

membros torácicos e pélvicos; ausência de reflexo cruzado posterior; reflexo panicular não avaliado. Pares cranianos – normais. Sensibilidade – hiperestesia na porção cranial da região cervical; manutenção da sensibilidade superficial e profunda.

Exame locomotor: Aumento do tónus muscular na região cervical. Localização da lesão: Segmento medular cervical (C1-C5).

Diagnósticos diferenciais de dor cervical e tetraparesia crónica simétrica: Anomalias – instabilidade atlanto-axial, malformações vertebrais, osteocondromatose, siringohidromielia.

Idiopáticas – quistos aracnóides. Inflamatórias – meningite/ meningomielite infecciosa,

meningoencefalomielite granulomatosa, meningite-arterite responsiva aos esteróides, discoespondilite/ osteomielite vertebral/ discite, abcessos. Degenerativas – quistos sinoviais, calcinose circunscripta. Neoplasias – extradurais/ intradurais extramedulares/ intramedulares. Exames complementares: Urianálise, hemograma completo e bioquímica sérica (ureia, creatinina, PPT, albumina, FA, ALT) – dentro dos parâmetros normais. Radiografias simples da

coluna vertebral abrangendo o segmento cervical, nas projecções latero-lateral e ventro-dorsal

– subluxação atlanto-axial e hipoplasia da apófise odontóide do áxis. Diagnóstico: Instabilidade atlanto-axial (IAA)

Tratamento: Parar com a administração de lactulose e substituir a ração Hill’s l/d® por ração fisiológica húmida para cachorros. Gabapentina (5 mg/ kg po bid) conforme necessário para controlar a dor. Restrição de movimentos numa jaula pequena. Colar cervical com suporte rígido ventral durante 6 semanas, mantendo a região cervical estável e em extensão (figura 1 e 2).

Figura 1 – Vista cranial de Isabelle com colar cervical.

Figura 2 – Vista lateral de Isabelle com colar cervical.

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Seguimento: Uma semana após esta consulta a dona afirmou, por conversa telefónica, que Isabelle parecia não ter tantas dores. No entanto nunca marcou uma nova consulta para remoção do colar, reavaliação ou eventual realização de cirurgia.

Prognóstico: Reservado. Com este tratamento pretendia-se minimizar a inflamação, a lesão medular contínua e os sinais clínicos associados, assim como permitir a formação de tecido fibroso que ajudasse a estabilizar a articulação atlanto-axial. Contudo, tendo em conta que a probabilidade de recorrência dos sinais clínicos após a remoção do colar cervical era elevada, não poderia excluir-se a possibilidade de posteriormente ser sujeita à fixação cirúrgica da articulação. Neste caso o tratamento conservativo prévio contribuiria para melhorar o prognóstico da cirurgia.

Discussão: Isabelle veio à consulta de referência por suspeita de shunt porto-sistémico baseada no facto de se tratar de um exemplar jovem da raça Yorkshire Terrier com ataxia. De facto esta raça parece ter maior predisposição para shunts porto-sistémicos8, no entanto não tinham sido efectuados exames complementares que confirmassem essa suspeita e a história, o exame físico e o neurológico não evidenciaram outras alterações que a sustentassem. Pelo contrário, o facto de ter os reflexos espinhais normais, os quatro membros apresentarem tonicidade muscular normal mas também ataxia e diminuição das reacções posturais, indicaram que Isabelle sofria de um problema neurológico resultante de uma lesão no segmento medular C1-C5, na unidade ponte-medula oblonga ou no mesencéfalo. Como Isabelle estava alerta e tinha os pares cranianos normais, pôde-se excluir a possibilidade de uma lesão ponto-medular ou mesencefálica6. A ventroflexão cervical com aumento da tonicidade da musculatura nesta região, a posição fixa da cabeça e o facto de Isabelle vocalizar quando se movimentava a região cervical ou se palpava a porção cranial desta região, indicaram hiperestesia cervical cranial7, consistente com a localização da lesão neurológica no segmento medular cervical (C1-C5).

Tendo em conta que Isabelle era uma cadela muito jovem, de uma raça miniatura, com dor cervical e tetraparesia crónica simétrica, os possíveis diagnósticos diferenciais foram:

anomalias – IAA, malformações vertebrais, osteocondromatose, siringohidromielia;

idiopáticas - quistos aracnóides;

inflamatórias – meningite/ meningomielite infecciosa, meningoencefalomielite granulomatosa, meningite-arterite responsiva aos esteróides (pouco provável em raças miniatura), discoespondilite/ osteomielite vertebral/ discite, abcessos;

degenerativas - quistos sinoviais, calcinose circunscripta (pouco prováveis em raças miniatura);

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neoplasias - extradurais, intradurais extramedulares, intramedulares (pouco prováveis em animais jovens)1,2,6,7.

Os primeiros exames complementares realizados foram a urianálise, o hemograma completo e a bioquímica sérica (ureia, creatinina, PPT, albumina, FA, ALT). Com isto pretendeu-se fazer uma abordagem geral para pesquisa de envolvimento sistémico, que poderia ocorrer no caso de uma doença inflamatória ou neoplásica. O facto de os resultados terem sido normais não permitiu, contudo, excluir estes dois grupos de diagnósticos diferencias9.

Em seguida foram realizadas radiografias simples da coluna vertebral abrangendo o segmento cervical, nas projecções latero-lateral e ventro-dorsal. Nestes radiografias foi evidente a subluxação atlanto-axial e a hipoplasia da apófise odontóide do áxis, confirmado o diagnóstico de IAA.

A IAA pode ser adquirida ou congénita. O primeiro caso é agudo e geralmente secundário a trauma que provoca fractura da apófise odontóide do áxis e/ ou ruptura/ estiramento dos ligamentos que fornecem estabilidade a esta articulação. Estes são o ligamento transverso do atlas que fixa a apófise odontóide do áxis ao corpo vertebral do atlas, o ligamento apical e os ligamentos alares que fixam a extremidade cranial desta apófise ao osso basoccipital, o ligamento atlanto-axial dorsal que aproxima o arco do atlas e o processo espinhoso do axis, e a cápsula articular atlanto-axial que apesar de não ser um ligamento propriamente dito também contribui para a estabilidade desta articulação5,6.

A IAA congénita ocorre quando a apófise odontóide do áxis (que tem um núcleo de crescimento independente) e/ ou os ligamentos acima referidos não se desenvolveram correctamente. Nestes casos os animais nascem com hipoplasia, aplasia, angulação incorrecta ou separação desta apófise. Também podem ter laxidão ou ausência dos ligamentos que estabilizam esta articulação4,5. Os primeiros sinais clínicos geralmente são detectados durante o primeiro ano de vida mas nalguns casos isto pode acontecer quando os cães já são velhos, altura em que têm menor tensão ligamentar e tonicidade muscular5. O quadro clínico de IAA congénita é crónico progressivo mas pode sofrer períodos de agudização por trauma. Os primeiros sinais costumam ser manifestações de dor cervical causada por compressão das raízes nervosas e das meninges, progredindo depois para paresia ou mesmo paralisia. A IAA congénita tem maior incidência em cães de raças miniatura ou de pequeno porte, incluindo a raça Yorkshire Terrier4,5,6. O caso da Isabelle é um exemplo de IAA congénita.

Em qualquer um dos tipos de IAA são comuns as subluxações por rotação dorsal da porção cranial do áxis, que estreita o canal vertebral e comprime a medula espinal, causando sinais neurológicos característicos de lesão do segmento medular cervical3. Por isso é necessário cuidado extremo na contenção e manipulação destes animais para não acentuar a

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