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Por “menor” entende-se qualquer indivíduo com menos de 18 anos, estando estabelecido, no entanto, pelo direito português, que a partir dos 16 os jovens são considerados imputáveis pelas suas acções, podendo ser judicialmente julgados e punidos. No entanto, para facilitar o discurso e o entendimento das questões relativas aos jovens com menos de 16 anos sob a alçada dos tribunais, tomaremos o termo “menor” como sinónimo de “inimputável”, ou seja, como condição na qual não é permitida legalmente a aplicação de qualquer tipo de sanção penal.

Assim sendo e, atentando nos dados relativos aos menores envolvidos em processos judiciais103, reconhece-se, entre 1990 até 2004, um quadro em que é difícil definir transversalmente linhas evolutivas conclusivas (Gráfico nº 22), para além de uma certa regularidade estatística, por volta dos 3000 crianças/jovens sob tutela. Muito embora se assista, paralelamente, a um acentuado e surpreendente pico de crescimento entre 1998 e 2001, que apesar de circunscrito não deixa de ser digno de nota, em termos genéricos pode dizer-se que o número anual de menores envolvidos em processos judiciais tende transversalmente para uma certa constância.

Em relação às situações que levaram à intervenção do tribunal, ou seja, os motivos pelos quais se considerou necessária a instauração de processo, importa explicar que, genericamente, podem ser divididos em três categorias latas, designadamente, 1) a prática de actos considerados criminógenos, 2) hábitos e comportamentos desviantes, mas não necessariamente qualificados de infracção penal, e finalmente 3) situações de perigo para a integridade física e moral dos jovens em causa. Perante estas situações o tribunal é chamado a intervir para através dos trâmites processuais previstos, encontrar soluções para os problemas, formas de reabilitação para impedir recaídas na delinquência, e medidas de protecção em

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Deve ser aqui clarificado que quando falamos de jovens envolvidos em processos judiciais, não está necessariamente implicado que estes sejam suspeitos de actos qualificados de infracção penal, podendo ser o seu envolvimento com o sistema judicial motivado pela sua condição de vítima em situação de risco, ou devido a comportamentos desviantes não criminógenos.

relação a contextos perigosos ou impróprios ao um desenvolvimento moral e físico adequado de vítimas menores.

Desta feita, analisando os dados relativos à distribuição estatística das situações que motivaram a intervenção do tribunal, pode dizer-se que se de 1997 a 2000 se verifica uma maioria dos casos de infracção penal, ou seja de processos instaurados pela prática de actos criminógenos, enquanto de 2001 até 2004 são os maus tratos e o abandono dos menores os motivos mais comuns para a instauração de processos. No entanto, esta variação, bem como a diminuição do número de casos motivados por condutas desviantes, patente também a partir de 2001, pode ser de certa forma influenciada pelas alterações na categorização e contabilização dos menores sob tutela, que acompanha a lei de 2001 e que importam aqui referir.

Esta mudança jurídica, que diz respeito às lógicas judiciais que regem os processos relativos a menores sob a alçada dos tribunais, acarretou consigo uma transformação nas categorias e formas de organização através das quais são compilados e tratados os dados estatísticos disponíveis. Assim sendo, os valores tratados passam a remeter para menores em processos de promoção e protecção ou tutelares educativos, regulados de forma autónoma com vigor na Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, numa ruptura com as séries anteriores que respeitavam outras lógicas de categorização.

Posto isto, se até 2001 eram registados os menores pelas situações que de forma específica os remetiam para um quadro de delinquência ou risco, ou seja para o motivo de instauração do processo, desde então estes são contabilizados segundo a organização das medidas aplicadas, sendo agora a identificação da proporção real que os diversos motivos de abertura de processo têm no total de menores sob tutela, feita em moldes diferentes. Por outras palavras, deixa de se colocar a tónica da contabilização dos processos pelas suas causas e passa-se a categoriza-los através das medidas cuja aplicação acarretaram, estando facilitada a contagem das “soluções” e menos a dos “problemas”.

Acontece que a correspondência entre estes, pode, muitas vezes, obedecer a critérios nem sempre lineares e que certamente diferem das lógicas anteriores a 2001, o que dificulta a sucessão de séries estatísticas anuais de interpretação fluida, antes e depois da transformação referida, no que diz respeito às situações que provocaram a intervenção do tribunal (que ficam assim por detrás da contagem das medidas aplicadas). Mesmo assim podemos ter acesso a dados relativos a totais bastante

genéricos das categorias principais104, das situações que instigaram à abertura de processos; e tecer uma correspondência entre medidas de promoção e protecção com os casos de risco e desvio e entre as medidas tutelares educativas com as situações de actos qualificados de infracção penal para, desta feita alcançar algum poder analítico nesta matéria.

Não podendo descurar a influência das transformações metodológicas, na morfologia estatística destas dinâmicas, teremos sempre em consideração na análise dos dados, que o ano de 2001 é passível de revelar rupturas ilusórias ou exageradas. Posto isto, e porque já anteriormente revelavam grande importância absoluta, é importante destacar a manutenção da expressividade da frequência das situações de abandono e maus tratos, enquanto categoria fortemente relevante e assídua na instauração de processos tutelares de menores, mesmo depois de 2001. Nesta lógica e ao contrário do que está patente nos dados (Gráfico nº 23), se houvesse sido continuada a lógica que se desenhava antes da mudança metodológica referida, talvez não se concretizasse o acentuar das distâncias entre as três categorias (de situações que motivam os processos de tutela), e continuasse relativamente equilibrada a sua frequência, fazendo sentido destacar outras características.

0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Ano (v al or es abs ol utos ) TOTAL GERAL Gráfico nº 22 – Menores em juízo por ano: 1990-2004

Fonte: Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Ministério da Justiça, dados disponibilizados

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Consideram-se genéricos por não estarem divididos em escalões etários, sexos e sub-categorias em sentido restrito.

0 500 1000 1500 2000 2500 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Ano (v al or es abs ol ut os )

MAUS TRATOS, ABANDONO OU PERIGO CONDUTAS DESVIANTES INFRACÇÃO PENAL

Gráfico nº 23 – Menores em juízo por ano, por situação que provocou a intervenção do tribunal: 1997-2004 Fonte: Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Ministério da Justiça, dados disponibilizados

Perigo para a saúde, segurança, educação ou moralidade, bem como abandono ou perigo, foram até 2000 as situações mais comuns, ano em que atingiram cerca de 47% e 32% respectivamente, no total de menores em juízo. A estes casos seguem-se os maus tratos (com cerca de 17% em 2000), dentro do conjunto de casos de risco à integridade física e moral dos menores que levaram à instauração de processos judiciais de tutela. No caso dos comportamentos desviantes, há que destacar a mendicidade, vadiagem e prostituição, bem como a inadaptação à vida social e familiar, ambas as situações com cerca de 35% em 2000 para o total de menores. No entanto, deve ser dito que o facto de as categorias, mesmo as mais restritas, não serem, neste domínio, muito precisas e englobarem situações muito variadas, faz com que a análise incisiva e fina que poderia revelar a eventual predominância e regularidade de uma situação específica não seja possível. Para além desta constatação, as séries em que é dado o acesso às situações em sentido restrito que provocaram a intervenção do tribunal, acabam em 2000 por não ser possível continua-las perante a mudança metodológica atrás explicada, justificando estas duas razões a sua fragilidade relativa, quando comparada com as anteriores dimensões.

Há uma tendência para que os menores do sexo masculino sejam maioritários neste tipo de processos (motivados por situações de risco ou desvio), mas, tal como no caso das vítimas, não existe aqui a discrepância entre os sexos, verificada noutras

dimensões desta análise, em que as mulheres constituíam valores muito minoritários. Talvez por estarem misturados os casos de vitimização e desvio, não se faça notar tanto nesta dimensão a discrepância entre os géneros, servindo a proporção de vítimas, em que as mulheres têm mais peso estatístico como veremos, para contrabalançar a maioria destacada que a criminalidade, muito masculinizada, assume em todos os momentos do percurso judicial.

Ao contrário o que acontece noutras dimensões e apesar de forma oscilatória, não é aqui patente a tendência para que com o avançar das idades aumente o número de casos contabilizados. Isto acontece porque, para além de nas diversas categorias de situações motivadoras dos processos, não ser constante este tipo de lógica, mesmo que aconteça por vezes, existem categorias, como o abandono, por exemplo, em que os menores até aos 12 anos predominam enquanto vítimas (em 2000 dos 597 menores abandonados, 431 eram menores de 12 anos). De qualquer forma, nos dados até 2000, os grupos etários são desequilibrados (até 12 anos; 13-14 e 15-16), no sentido em que o primeiro escalão constitui um intervalo muito mais alargado, evitando que se consiga ter uma percepção clara deste tipo de tendências.

Uma tendência claramente suportada pelas frequências estatísticas é a predominância dos furtos (36% do total de menores em 2004) roubo ou violência (cerca de 27%) e ofensas corporais (cerca de 11%), sequencialmente, no contexto dos menores sob tutela por infracções penais, em consonância com o que acontece para jovens imputáveis suspeitos identificados. Esta sintonia no que toca a assiduidade destes crimes nos menores e nos jovens acima dos 16, em que estas infracções pareciam também proporcionalmente recorrentes, a par da esmagadora maioria de rapazes infractores por comparação com o número de raparigas, fazem com que no plano da criminalidade, delinquentes e imputáveis assumam o mesmo tipo de tendências. Comprova-se assim e como veremos adiante, que se quando falamos de vítimas (menores ou maiores de 16 anos) a diferenças entre os sexos não é tão evidente, no plano da infracção é muitíssimo mais comum o envolvimento masculino.

Finalmente deve ser descrita a evolução das medidas tutelares aplicadas nos últimos anos, reforçando novamente a mudança legislativa de 2001, enquanto factor de transformação neste contexto. De 1990 a 2000, como, aliás, já se verificava no passado, a admoestação e entrega a pais, tutor ou outras pessoas, consistia a medida mais comum em termos de aplicação decretada pelo tribunal, sendo a distância absoluta e relativa desta para as outras aplicações, muitíssimo expressiva, já que somando as percentagens das categorias em causa chega-se a um total de cerca de 68%. Com a mudança legislativa de 2001, mesmo estando separadas as categorias admoestação e apoio junto dos pais, quando somadas constituem cerca de 30% das

medidas aplicadas em todos os anos até 2004. O acolhimento temporário em instituições próprias chega a rondar os 20%, enquanto que todas as outras medidas não alcançam grande expressividade relativa, o que não demonstra grande ruptura com o que acontecia antes de 2001, se tivermos em conta igualmente o elevar do número de categorias e o consequente esbatimento das distribuições.