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Executivas lato sensu como manifestação do sincretismo

No documento Ação executiva lato sensu (páginas 57-61)

II. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

3. Processo

3.4. Executivas lato sensu como manifestação do sincretismo

Para que se entenda a existência de um processo sincrético é preciso também compreender como o Código de Processo Civil foi elaborado e estruturado, bem assim sua evolução.

Deve-se recordar, em primeiro lugar, que o Código de 1973 seguiu a classificação ternária das “ações” e dos provimentos jurisdicionais e isso pode ser constatado na própria sistematização da matéria. Os Livros I, II e III do Código, como visto anteriormente, tratam dos processos de conhecimento, de execução e cautelar., respectivamente.

A autonomia da execução, analisada anteriormente, está baseada em premissas que podem ser resumidas em dois pontos principais: (a) cada atividade jurisdicional deveria ser veiculada em processo distinto e (b) a atividade cognitiva deveria anteceder lógica e cronologicamente a atividade executiva.

Atualmente, todavia, como tivemos a oportunidade de demonstrar nos itens anteriores, a autonomia do processo de execução tem sido cada vez mais infirmada. Pontes de Miranda já alertava para a possibilidade da realização de

atos executivos antes do exaurimento da atividade cognitiva, realçando o papel fundamental do legislador na adoção de mecanismos de efetivação da decisão.152

O reconhecimento da existência de processos sincréticos ficou mais evidente agora, por força de alterações no direito positivo, porém é fenômeno que sempre esteve presente. Diversos procedimentos sempre reuniram, numa mesma relação processual, atividades cognitiva e “executiva”, como é o caso, por exemplo, da imissão na posse, do despejo e da monitória.

A existência de processos sincréticos – e de ações com a estrutura das executivas lato sensu – justifica-se porque as atividades de conhecimento e execução são, a rigor, indissociáveis. Não há execução (lato sensu) sem prévia atividade cognitiva, por mais superficial ou “rarefeita” que esta seja. Assim, mesmo no processo de execução essas atividades se entremeiam. O juiz primeiro examina o requerimento de penhora (atividade cognitiva) para só então expedir o mandado que irá individualizar o bem sujeito à execução (atividade executiva). Não se deve olvidar que “à ação executiva é que compete, depois, ou concomitantemente, ou por adiantamento, levar ao plano fáctico o que a condenação estabelece no plano jurídico”153.

As executivas lato sensu têm estreita relação com as chamadas ações

reais154, isto é, quando por meio de uma demanda o autor busca obter a coisa, e

não o cumprimento de uma obrigação a que esteja sujeito o demandado. É, por

152 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “A pretensão à execução especifica a pretensão à tutela jurídica.

Se há de vir depois ou antes da cognição completa, isso depende da lei processual” (“Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, § 6o., p. 53).

153 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 122. 154 Mas não se resumem a elas. Em sentido contrário, entendendo que as executivas lato sensu são,

efetivamente, apenas as execuções reais, v. Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 19/28 e 183 e ss.

exemplo, o caso da ação reivindicatória e da imissão na posse.155 Em todas elas a sentença de procedência reconhece que a coisa pretendida pelo autor está ilegitimamente na posse do réu e, portanto, não faz sentido que simplesmente se “condene” o vencido a entregar a coisa, quando já é possível desde logo determinar a realização de atos de modificação da situação reconhecida156.

A ineficácia da sentença condenatória157, que apenas “exorta” o condenado a adimplir a obrigação, revela a inadequação do direito processual em estabelecer mecanismos adequados de tutela do direito material. Evidencia, também, a necessidade de adoção das executivas lato sensu para tutelar direitos obrigacionais.

Como o condenado tem a opção de satisfazer ou não a obrigação, a sentença condenatória mostrou-se completamente inapta a garantir o direito do credor. Se a sentença condenatória – que, na essência, é também materialmente uma sentença declaratória (declara o direito e, para alguns, declara a sanção) – não tem utilidade, pois o devedor poderá pagar a dívida voluntariamente independentemente de ter sido “exortado” por sentença a fazê-lo, é melhor eliminá-la, suprimindo-se, assim, o intervalo existente entre a condenação e a execução.

É verdade que, na sua origem, a sentença condenatória se identificava com o direito das obrigações. Mas a não ser por essa razão histórica ou genealógica não há nada mais que possa impedir a eliminação do intervalo entre a cognição e a execução; não há porque impedir que a execução se dê na mesma relação processual em que foi proferida a sentença, mesmo nos casos de

155 Quanto a esta última, desde que se adote a posição defendida por Ovídio Baptista da Silva, “Curso de

Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 219, 231 e 323.

156 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 94. 157 Cfr. Itens “2.2.1” e “3”, supra.

uma obrigação, de um dever de prestar a que está vinculado o demandado – e não de um direito real. Humberto Theodoro Jr. procura demonstrar a exatidão desse raciocínio e defende que a “execução ‘por créditos’ decorrente de sentença condenatória se faça no mesmo processo de conhecimento em que a sentença fora pronunciada”158.

A sensível diminuição da importância da sentença condenatória constitui um dos reflexos do sincretismo. A reunião de atividades cognitivas e de repercussão física no mesmo processo confirma-se como tendência cada vez mais presente em nosso ordenamento jurídico. Portanto, a autonomia do processo de execução é princípio que já não pode mais ser considerado absoluto.

Por processo sincrético entende-se a relação jurídica processual em que se encontram reunidas atividades de cognição e modificação do mundo empírico159.

A relação que se estabelece entre a ação executiva lato sensu e o processo sincrético é que onde houver aquela, haverá um processo sincrético. A recíproca, no entanto, não é exata; é possível um processo sincrético sem ação executiva lato sensu160. Um é o processo, como relação jurídica, a outra é o instrumento necessário para invocar a tutela jurisdicional, ou melhor, é a ação classificada pela pretensão, pelo conteúdo da sentença de procedência.

Assim, outras pretensões podem ser veiculadas em processos sincréticos, evidentemente. É o caso da ação mandamental, que também envolve cognição e alteração do mundo empírico numa mesma relação jurídica processual.

158 Ovídio Baptista da Silva, ob. cit., p. 255.

159 Para José Miguel Garcia Medina, “a distinção existente entre a ação condenatória e ação executiva lato sensu seria eminentemente procedimental, isto é, bastaria a unificação das atividades cognitivas e

executivas num único processo para que se estivesse diante de uma ação executiva ‘lato sensu’” (“Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 225).

O reconhecimento da existência de processos sincréticos – e de ações com a estrutura das executivas lato sensu – tornou-se mais evidente agora, por força de alterações no direito positivo. Porém, cuida-se de fenômeno que sempre esteve presente. As atividades de conhecimento e execução são indissociáveis e permeiam diversos procedimentos especiais. Como já se disse, inexiste execução (lato sensu) sem prévia atividade cognitiva, por mais superficial ou “rarefeita” que esta seja, e no processo de execução entremeiam-se essas atividades.

No documento Ação executiva lato sensu (páginas 57-61)