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Expansão e universalização do acesso à escolarização básica

Mapa 6 Identificação dos equipamentos culturais na região Centro-Oeste da cidade de São Paulo

1.1 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: AVANÇOS, PERSPECTIVAS E DESIGUALDADES

1.1.2 Expansão e universalização do acesso à escolarização básica

No Brasil, a organização de um sistema educacional só começou a ser esboçado em 1960 por meio da publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Após algumas décadas, nos anos 1980, houve um período de efervescência dos movimentos sociais, quando se efetivou a participação social e popular nos espaços democráticos que se abriram e passaram a se concretizar através de leis. As conquistas consolidadas na Constituição de 1988 só foram possíveis devido à vigilância e militância de diversos setores da população por meio de organizações e movimentos sociais, que se reuniram, dialogaram e fizeram pressão sobre os constituintes. Destaca-se, dentre outros, o Movimento em Defesa da Escola Pública, lançado em 1987, por ocasião da Constituinte, em função de sua sessão sobre a Educação e da necessidade de elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (GOHN, 1995).

Para Gohn (1992, p. 78), “o fórum dos anos 80 surge, inicialmente, para reivindicar um projeto para a educação, como um todo e não apenas para a escola”, agregando coletivos socialmente organizados e não só “indivíduos, pioneiros ou notáveis”. Essa primeira onda de contrarreformas constitui um refluxo de forças conservadoras em busca da diminuição da oferta de serviços públicos, como resposta às conquistas sociais advindas da promulgação da Constituição (ROSAR, 2011; GOHN, 1992, 2016).

De acordo com Piana (2009), pode-se afirmar que:

A Constituição Federal, promulgada em 1988, chamada Constituição Cidadã, pauta- se em parâmetros de equidade e direitos sociais universais. Consolidou conquistas, ampliou os direitos nos campos da Educação, da Saúde, da Assistência, da Previdência Social, do Trabalho, do Lazer, da Maternidade, da Infância, da Segurança, definindo especificamente direitos dos trabalhadores urbanos e rurais da associação profissional

13No Brasil, elementos desse quadro cognitivo já estavam presentes no Manifesto dos Pioneiros, que propugnava

pela ação estatal promotora de um sistema educacional capaz de forjar um povo adequado ao desenvolvimento nacional.

e sindical, de greve, da participação de trabalhadores e empregados em colegiados dos órgãos públicos, da atuação de representante dos trabalhadores no entendimento direto com empregadores (artigos 6 a 11, do Capítulo II, do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais) (PIANA, 2009, p. 39).

Com a mudança de direção do Governo Federal, pela primeira vez na história brasileira, a política social teve grande acolhimento em uma Constituição, conhecida como Constituição Cidadã, pela abrangência de direitos garantidos aos cidadãos (PIANA, 2009, p. 39). Retomou- se, assim, a ampliação da oferta dos serviços públicos.

Desde a redemocratização do Brasil, é possível observar períodos importantes de avanços e retrocessos no que diz respeito a conquistas sociais. Neles, o embate de forças se deu, majoritariamente, entre correntes conservadoras e progressistas em relação ao entendimento sobre qual deve ser o nível de comprometimento do Estado com a garantia de direitos básicos para a população.

Existem questões inerentes à democratização e universalização da Educação no Brasil ainda muito complexas, desde sempre contraditórias e muitas vezes irresolutas. No entanto, de primeira ordem de importância, elas urgem uma constante reflexão e discussão, sobretudo no âmbito das ciências sociais. De acordo com o professor Jamil Cury (2017), o surgimento do direito à educação no Brasil pode ser considerado tardio, pois, embora a Constituição Federal de 1824 tenha representado um avanço em relação ao direito à educação pública, ela trazia um recorte de privilégios.

Maria Cristina Teixeira (2008) expõe que a Constituição Federal de 1824, artigo 179, incisos XXXII e XXXIII, estabelecia a garantia do ensino primário a todos os cidadãos e indicava que sua realização deveria ser efetivada, preferencialmente, pela família e pela Igreja. Já o ensino de Ciências, Artes e Letras ficaria condicionado à criação de colégios e universidades. Esse dispositivo constitucional abordou ainda a liberdade de ensino ou permissão para abrir escolas, que ficou implícita no item XXIV, relativo à liberdade profissional.

Por meio do Decreto 1.331A, de 17 de fevereiro de 1854, houve uma reforma educacional que Cury (2017) denomina de “primeira reforma do ensino médio”. O direito à educação já estava sendo oferecido tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada, além de ser facultada a oferta pela família e orfanatos. Entretanto, após essa reforma, buscando-se a uniformização da educação, o ensino particular passou a precisar de prévia autorização do Inspetor Geral, sendo necessária a emissão de relatórios trimestrais dos estabelecimentos aos respectivos Delegados

Percebe-se, assim, um esforço político na tentativa de aproximar o ensino público, ofertado à população em geral, do ensino direcionado à população mais abastada. Desde a proclamação da República do Brasil (1889) até os avanços proporcionados pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, pela Lei de Cotas, pelo Exame Nacional do Ensino Médio e por programas de financiamento educacionais, o direito à educação tem procurado erigir-se, mas sofre constantes bloqueios e ataques para atender aos interesses do povo da nação em cada contexto político social em que se insere.

Dentre outros preceitos legais que reformaram a educação, Cury (2017) destacou a importância da Constituição Federal de 1988 pelo avanço da gestão democrática e da escolha de dirigentes, pela reparação das exclusões das minorias sociais, pelo acolhimento do direito à diferença justificado no direito à igualdade e pela determinação da obrigatoriedade como direito público subjetivo.

Com a democratização da educação no Brasil e a promulgação da Carta Magna de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/96), pode-se afirmar que a educação pública teve um avanço considerável. Afinal, houve o reconhecimento dos direitos e, consequentemente, a ampliação do acesso da classe popular à educação escolarizada sem, no entanto, garantir de forma satisfatória a qualidade e, em alguns casos, nem mesmo a permanência do aluno na escola.

Especialmente depois dos anos 1990, quando a educação básica no Brasil passou por um processo de universalização, atingindo uma taxa de atendimento de 97 % ao final da década, o problema da educação brasileira descentralizou-se do acesso e passou a contemplar fatores como a racionalização da gestão e da qualidade do ensino. Questões de ordem interna referentes à evasão, repetência e fracasso escolar passaram a permear fortemente o discurso sobre a democratização da escolaridade (ALGEBAILE, 2004).

Para Azanha (2004), a democratização do ensino é entendida através de duas maneiras principais: como política de extensão de oportunidades educativas para todos, valorizando os aspectos quantitativos do processo; e como prática pedagógica pautada na liberdade dos estudantes, priorizando seus aspectos qualitativos. Carvalho (2004) também aponta divergências no tratamento de elementos educacionais como democratização e qualidade do ensino e mesmo em relação à formação docente. “Trata-se, portanto, de reconhecer que o recurso a uma mesma expressão pode obscurecer não só concepções teóricas divergentes como diferentes – ou conflitantes – programas de ação” (CARVALHO, 2004, p. 328).

É necessário considerar que diferentes instituições possuem entendimentos e expectativas distintas quando abordam temas como a democratização do ensino ou a qualidade de sua oferta. Assim, os diversos discursos sobre a educação veiculam valores e metas que orientam as ações. Os posicionamentos díspares diante da democratização do ensino, que se dividem entre universalizar as oportunidades e propiciar a liberdade do educando, marcam mais que uma divergência teórica ou conceitual, abrangendo especialmente a adesão às práticas sociais que cada grupo social considera como sendo de maior valor (CARVALHO, 2004).

Verifica-se, assim, que a expansão das oportunidades de acesso à educação, na maioria das vezes, torna-se condicionada às exigências pedagógicas que prezam pela qualidade do ensino oferecido em detrimento do acesso ampliado às pessoas. Carvalho (2004) aponta que a democratização do ensino pela via da prática pedagógica busca cultivar a liberdade do aluno, de modo que a relação pedagógica estabelecida visa eliminar ou minimizar as relações hierárquicas entre professores e alunos, vistas como autoritárias.

Sob alegação de que a ampliação das vagas escolares diminui a qualidade do ensino, a democratização do ensino por meio da expansão sofre forte resistência, mesmo pelos grupos que defendem essa democratização. Contudo, Azanha (2004) salienta que a qualidade é relativa a um nível anterior, de modo que, considerando que a grande parcela desatendida em termos educacionais não possuía antes uma referência em termos de qualidade, para esse grupo o simples acesso já configura um acréscimo também qualitativo. Em sua concepção, não “se democratiza o ensino, reservando-o para uns poucos sob pretextos pedagógicos. A democratização da educação é um processo exterior à escola que toma a educação como uma variável social e não como simples variável pedagógica” (Azanha, 2004, p. 344). O processo de democratização por meio da expansão das oportunidades educacionais é uma medida política e não um aspecto do processo técnico-pedagógico.

Carvalho (2004) reforça o posicionamento de Azanha (2004) ao afirmar que a democratização da escola deve ser entendida não como uma reforma pedagógica que busca alterar as relações que se desenvolvem no âmbito interno da instituição, mas como uma política pública para ampliar o direito à escolarização, de modo que não há democratização dissociada de esforços em prol da ampliação do acesso e da permanência dos estudantes nas instituições escolares. Entretanto, não se deixa de reconhecer que a política voltada para a democratização do acesso implica na existência de desafios de ordem pedagógica.

1.2 ENSINO MÉDIO COMO EDUCAÇÃO BÁSICA: DESAFIOS DO RECONHECIMENTO