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Mapa 6 Identificação dos equipamentos culturais na região Centro-Oeste da cidade de São Paulo

4.4 DEMANDAS JUVENIS: REVERBERAÇÕES E RESSIGNIFICAÇÃO DOS CONTEXTOS

4.4.2 O que os jovens têm reivindicado?

O debate sobre a democracia na escola, além de gerar conhecimentos sobre os direitos e deveres, deve produzir saber acerca do funcionamento básico das instituições políticas, para que o indivíduo não possua uma aversão e querer se ausentar/distanciar cada vez mais de todo o tema que envolva política e que tenha uma inserção social mais ciente de seu papel. No momento que a educação cumpre o papel da formação de seres com consciência crítica, questionadora e reflexiva, surge o conhecimento sobre outros direitos fundamentais, assim como o papel que pode ser assumido de proteger tais direitos e se tornar ator ativo de transformação social. A resistência ocorre efetiva ao ponto em que apesar das diversas reformas direcionadas à educação, os estudantes de escola pública e outros coletivos permanecem articulando possibilidades para a realidade das escolas e posicionando frente às reformas propostas em diversos âmbitos sociais (Y. S., 17 anos).

Existem muitas formas de participação, mobilização e representação juvenil no espaço público. A agenda de demandas das juventudes, expressa em diferentes espaços sociais e da sociedade civil, mostra-se bastante plural, no que se refere à participação. Tendo em mente a grande diversidade presente quando se fala em juventudes, é mais do que natural que assim seja.

Essa multiplicidade das juventudes foi amplamente observada nos dados desta pesquisa. Algumas reivindicações têm sido recorrentes em diferentes contextos e espaços sobre a participação, os direitos e os fatores que proporcionam modos de engajamento social dos jovens. Uma dessas reivindicações se refere ao processo constitutivo do protagonismo dos jovens na cena pública, que almejam que novas formas de participação juvenil sejam reconhecidas, incluídas e não mais marginalizadas.

As desigualdades educacionais (TORRES; BICHIR; GOMES; CARPIN, 2008) na periferia da cidade de São Paulo foram observadas de perto durante as deambulações etnográficas. Percebeu-se nos “circuitos juvenis” uma escancarada segregação espacial urbana, associada à camada da população inquirida que habitava lugares distantes do centro urbano, nos quais a infraestrutura de serviços públicos é deficiente e, algumas vezes, inexistente.

Após as entrevistas itinerantes (KINNEY, 2017) pudemos identificar a ausência dos equipamentos culturais públicos nos contextos sociais das classes populares que ocupam as regiões mais afastadas e com menor número de equipamentos públicos, ou seja, têm menor acesso aos direitos como saneamento, saúde, lazer e educação.

Há algum tempo eu já ia a manifestações, acompanhei-as desde junho de 2013. A maior manifestação de que participei foi contra a Copa. Depois veio a da tarifa, quando aumentou a passagem de ônibus e eu não tinha condições. Na verdade, desde adolescente já não se tem muito acesso a lugares culturais por conta do transporte. E de certa maneira eu percebi que a juventude tem força, porque somos o futuro. Possuímos energia para reescrever a história dos estudantes secundaristas em São Paulo (G. S., 18 anos).

Essa distância social contribui para a produção das desigualdades, na medida em que as oportunidades ficam menos acessíveis àqueles que mais necessitam delas. Além disso, quanto menos conexões há entre os segmentos da população, mais se enfraquecem as redes de sociabilidade e os grupos com diferenças são cada vez mais privados. Em razão das percepções juvenis frente às implicações ocasionadas pela segregação espacial urbana, se fez necessário reivindicar a criação de meios para que seja viável a inclusão dos jovens nos mais variados espaços de participação.

Com relação às mobilizações estudantis juvenis, percebeu-se que os espaços de discussão e construção das pautas reivindicatórias discutidas nas assembleias acerca da luta pela educação pública de qualidade não eram concebidos em territórios institucionalizados. Nesse contexto de luta, o papel dos jovens na cena pública brasileira passou a ser remodelado e os estudantes passaram a figurar como os principais atores políticos ao realizarem mobilizações e manifestações voltadas aos direitos da juventude estudantil.

As transformações, concepções e reverberações oriundas das manifestações juvenis pós- ocupações das escolas públicas de ensino médio passam a compor uma corporificação política nos territórios de luta, onde os corpos são territórios políticos. Nos diferentes atos e protestos, são os corpos e não os mastros que mobilizam a dança revolucionária dos ideários juvenis. Para além dos infindáveis portões e muros que cerceiam os jovens no contexto escolar, a rua é reivindicada como um palco de cultura participativa. Vale ressaltar que o diálogo é de suma

importância para a criação de espaços e garantia da participação juvenil na construção dos projetos escolares e sociais. Percebeu-se a questão da singularização, das formas de aprender e o lugar da escola como suporte existencial para os jovens.

A escola precisa ser estruturada sob princípios de diálogos igualitários entre sujeitos de múltiplas experiências e saberes em constante interação, visando o princípio da integração. Assim, a experiência escolar é marcada pela possibilidade de produzir sentidos e significados por meio de vozes democratizadas com a mesma relevância e garantia de potencialidade, uma vez que o diálogo acontece de forma horizontal e não hierárquica.

É preciso fortalecer iniciativas associativas da juventude, como redes e movimentos em todo o país, com destinação de orçamento específico para ações de incentivo à participação juvenil. Dentre as inúmeras experiências relatadas, constatou-se que as iniciativas juvenis nos diversos territórios nos quais atuam como sujeitos sociais passam por mudanças nas relações entre as pessoas e em seu lugar de convivência ou estudo, sendo capaz de transformar o contexto.

Um ponto que merece destaque em relação às experimentações e iniciativas juvenis nos espaços urbanos. Democratizar os espaços públicos da educação que ultrapassam os muros das escolas proporciona a transformação social e possibilita, além da circulação e mobilização dos jovens na apropriação do espaço urbano, a atuação de forma mais autônoma, criativa e ativa na sociedade.

Desse modo, buscou-se uma articulação entre as narrativas juvenis, as sociabilidades e as reverberações das mobilizações estudantis, com o fito de evidenciar as iniciativas e discussões atreladas às práticas associativas dos agrupamentos. Um ponto de ancoragem para fundamentar a articulação associativa dos agrupamentos juvenis é transversalização e participação dos jovens nos diversos espaços sociais. Por meio da reivindicação das relações de forma mais dialógica, igualitária e coletiva, a transversalização possibilitou a participação social nas diferentes esferas sociais e políticas.

Em meio às tramas das narrativas juvenis, tecidas entre as “entradas e saídas” das unidades escolares, fez-se perceber as incríveis dimensões sociais que os circuitos juvenis revelaram, potencializando os diversos espaços de socialização nas comunidades e nos canais de participação social e capacitação cultural e profissional ofertada em seus contextos.

Entre os canais de participação e mobilização das ideias nos contextos sociais que constituem os percursos de vida dos jovens estudantes, destacam-se:

a) Slam Poetry:

Racistas...

A pior raça dessa terra, que oprime o homem negro, por diferentes tons de pele… e se divertem… achando que isso os faz superior… pra ter respeito e qualidade, ser temido onde for… eu não aceito… sou negro e tô aqui, honro meu nome… se tu não gosta, some… por favor, então me questione… é, pra ver quem ganha esse combate… preto não é covarde, da minha cor vocês têm recalque… dizem que somos… negros e escória… mas não, truta, cês não sabe, somos parte da história… da ação batalhadora, vivemos sempre na lavoura… trampando e sempre enquanto nos batiam à toa… me diz que estou errado… de ser tão revoltado… meus irmãos de aliado morriam por olhar errado… no rap eu sou guerreiro… luto por meus direitos… então não venha me dizer que eu não posso, por ser negro. Muito obrigado (Diário de

campo, 25 de agosto de 2018. Discurso proferido por Jessé, jovem secundarista, São Paulo).

b) Assembleia estudantil: apropriação do espaço público da educação.

Alckmin, seu tempo já deu. Tucano que voa igual a urubu ocupa o céu que ele mesmo escureceu. Seja enforcado nos braços de Morfeu. Diga adeus, pois a nossa luta pra criar feridas na grande mídia invalida dizendo que escolas foram invadidas. Escolas não foram invadidas. Escolas foram ocupadas, porque, antes, vozes foram caladas, vozes foram sufocadas. Queriam que escolas fossem fechadas, pois fechar escolas é matar histórias, é matar lembranças, é matar esperanças, é matar o futuro, é cobrir com o pano fundo e escuro a incompetência de todos esses governos. Mas não com muros, nem com catracas, e, sim, com poesia. Pois aqui estamos mais um dia, sob o olhar o vigia, aqui estamos mais um dia, sob o olhar sanguinário da política fascista do Alckmista (Diário de campo, 25 de agosto de 2018. Discurso proferido por Alvim,

jovem secundarista, São Paulo).

c) Criação de Eventos29 atrelados às necessidades locais da comunidade.

d) Grupo de Teatro30.

Apropriação de espaços nas comunidades ocorre como forma de ressignificação do território, transformando-os em espaços de diálogo e experimentações políticas e culturais. A incursão etnográfica realizada no Jardim João XXIII me permitiu participar de uma aula inaugural no estacionamento de um supermercado e uma aula inaugural do cursinho no ponto final do ônibus Jardim João XXIII. O convite para a aula inaugural do Cursinho livre Cláudia Silva Ferreira ocorreu devido à minha experiência com o Projeto Doe uma aula31.