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4 TECENDO SABERES NO ENSINO, NA PESQUISA E NA EXTENSÃO: O NUMEQ COMO LÓCUS DE UMA EXPERIÊNCIA ANTIRRACISTA

4.1 Experiência no ensino

Ao tratar de ensino superior, Tavares e Freitas (2016) afirmam que a universidade é o principal responsável pela formação integral do sujeito de tal maneira que ele possa contribuir

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MORENO, Daniele Cristiene Gadelha. Os quilombolas do Veiga e o São Gonçalo: memória e identidade na festa e devoção a São Gonçalo no Sítio Veiga. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, 2014. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/30694. Acesso em: 30 out. 2018.

COSTA, Thaís Cristine de Queiroz. Mulheres quilombolas e o pertencimento étnico-racial: elementos para uma análise da constituição dos perfis identitários na comunidade de Quilombo Sítio Veiga em Quixadá/CE. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, 2015. Disponível em: http://www.uece.br/mass/dmdocuments/dissertacao_thais_revisada_biblioteca.pdf. Acesso em: 20 out. 2018.

tanto para o avanço em diversas áreas do conhecimento quanto na promoção de mudanças sociais voltadas para a melhoria de vida da população. Partindo desse conceito, percebe-se o compromisso dessas instituições com a sociedade. Nossa fala emerge do ensino superior privado; no entanto, não retira essa tal responsabilidade de que trata a referida autora.

Mesmo sabendo de todas as dificuldades no que tange à extensão universitária na IES particular a respeito da sua real função, o Numeq colocou no âmago a questão racial por meio de ações extensionistas, num processo dialógico entre teoria e prática com o Quilombo Sítio Veiga.

De acordo com Tavares e Freitas (2016, p. 43), trabalha-se o

[...] estreitamento das relações entre a universidade e a sociedade por meio da extensão. A relação encontra-se centrada na realização das ações e demandas da maioria da população. Realizada dessa forma, se constitui em atividade orgânica da universidade, reafirmando o caráter político-social e a indissociabilidade com o ensino e a pesquisa. [...] a destacamos como processo que colabora inexoravelmente com a aprendizagem no contexto contemporâneo.

Dessa forma, os desdobramentos no ensino e na pesquisa aconteceram naturalmente, como já foi ressaltado anteriormente. Mesmo não sendo a área da licenciatura, os/as professores/as incorporaram trabalhos voltado para o trato positivo da questão racial na dimensão do ensino. Corrobora-se como o que destacou Tavares e Freitas (2016), pois o conhecimento não se restringe à academia e não se cristaliza nesse âmbito: o conhecimento precisa ser vivo, sentido e ressignificado no processo de ensino-aprendizagem, e uma dessas formas é por meio da extensão universitária.

Uma das ações pedagógicas aconteceu no curso de Arquitetura e Urbanismo, sob a supervisão da professora: três alunos do primeiro semestre produziram um curta documentário como parte avaliativa da disciplina intitulada de projeto integrador do referido curso. O curta teve como objetivo mostrar a luta contínua do povo quilombola, através do diálogo e da comunicação, na busca por respeito e reconhecimento do seu papel tão importante na história do nosso povo.38

Outra experiência positiva foi no curso de Sistema de Informação, na disciplina de Responsabilidade Social e Desenvolvimento Local. Ao abordar a população negra, a professora falou sobre a existência do Quilombo Sítio Veiga e tinha um imaginário que foi construído histórico e socialmente como “de refúgio de escravos fugidos” – e essa foi a primeira ideia imaginada por muitos/as alunos/as, além dos que não sabiam do que se tratava.

38 Documentário “A resistência do Sítio Veiga”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B1zu6eZx3_s. Acesso em: 20 out. 2018.

Como trabalho final da disciplina, foi pedido para que se fizesse um documentário sobre a comunidade do Veiga. No entanto, não foi possível localizar o link pelo YouTube. O grupo responsável por desenvolver essa atividade nos acompanhou em uma das atividades de intervenção do Numeq como forma de conhecer o território para depois realizar a gravação para cumprimento da avaliação da disciplina.

No curso de Psicologia, mais especificamente na disciplina de Psicologia Social, a professora solicitou, como forma de avaliação da disciplina, a produção de vídeo de até cinco minutos dos mais diversos temas – e entre eles estava a temática do racismo. Na ocasião, o grupo me procurou e explanei de forma breve sobre o assunto. Esse vídeo seria o início de uma discussão dentro da sala de aula, oportunizada a partir do que foi estudado nos encontros de formação.

Por conseguinte, ainda de forma tímida, o Numeq começou a ganhar forma e visibilidade dentro e fora do quilombo. As intervenções e as leituras de textos, que até então seriam apenas para estudantes e professores envolvidos no projeto, paulatinamente se desdobraram em outros espaços, como algumas salas de aula. Ressalta-se que os/as professores/as referidos/as faziam parte do Numeq e das intervenções no quilombo. Aos poucos, o trabalho foi ganhando proporções dentro da instituição, e mais pessoas queriam se aproximar do Numeq para participar do grupo de estudos e se envolver com as ações no quilombo.

Quando perguntados sobre a importância de pautar a discussão da questão racial, foi unânime a resposta “sim” entre os/as professores/as. No quadro 3 analisamos o porquê de tal fato.

Quadro 3 – Síntese das respostas dos/as professores/as sobre a importância da discussão da questão racial em sala de aula

Professor/a Síntese das respostas dos/as professores/as

Psicologia Toda forma de preconceito deve ser combatida, a sociedade brasileira necessita rever seus valores conservadores, colonizadores e classistas que impedem o avanço

para um país realmente democrático. Nesse caso, a sala de aula é um local importante de debate e discussão, já que é a minha forma de resistência e

contribuição na formação crítica dos estudantes.

Direito Porque é dever do educador contribuir, de alguma forma, para problematizar as questões relacionadas às desigualdades sociais, como as de raça e gênero. Odontologia 2 Na graduação é um processo de formação do aluno e servirá para o

desenvolvimento acadêmico e social.

Arquitetura É interessante discutir e fazer os estudantes pensarem sobre o assunto. A reflexão sempre é válida.

A professora de Psicologia aponta a importância da sala de aula para promover o debate e a discussão das questões raciais, podendo assim despertar a criticidade dos/as estudantes a respeito dessa temática. A professora do Direito chama atenção para este ser o dever do/a educador/a: problematizar o trato dado à questão do negro na sociedade. Os/as professores/as de Odontologia 2 e Arquitetura mostraram-se mais superficiais nas respostas.

Os/as professores/as que construíram o Numeq tinham uma postura pessoal e profissional mais aberta à diversidade – não foi à toa que eles toparam percorrer um caminho que tematizou a questão do negro no Brasil. No entanto, nas respostas das professoras, percebe-se que a importância na discussão nem sempre se torna uma ação pedagógica, ou seja, ainda esbarramos nas limitações pedagógicas e nas tentativas individuais e coletivas para pensar superar as lacunas no que tange ao trato da questão racial no ensino superior.

Faz-se necessário promover o diálogo sobre essas e outras questões que são ocultadas do currículo. Como bem ressaltou a professora do Direito, é dever do/a educador/a não negligenciar a discussão sobre desigualdades social e racial, mesmo que eles tenham sido ausentes nas suas formações, compreendendo como direito do/a estudante no seu processo de ensino-aprendizagem. Importante destacar que nenhuma das respostas fez alusão a tratar a questão racial como um direito, e sequer fizeram referência à Lei nº 10.639/03.

Ao serem perguntados sobre como os/as professores/as trabalham a questão racial em sala de aula, dos cinco pesquisados/as, apenas a professora de Arquitetura assinalou que não trabalha com essa temática em sala. Os demais assinalaram positivamente; entretanto, apenas três externalizaram como acontecia tal fato, como pode ser visto no quadro 4, logo abaixo:

Quadro 4 – Síntese das respostas dos/as professores/as sobre como é trabalhada a questão racial em sala de aula

Professor/a Síntese das respostas dos/as professores/as

Psicologia Como atuo na área da psicologia educacional e políticas públicas, discuto a construção do povo brasileiro desde a colonização até as políticas públicas mais

atuais. Cito muitos exemplos em sala de aula, questiono o currículo e a história da educação contada pelo viés do homem branco, incluo as questões raciais e de

cotas nas avaliações e seminários etc.

Direito Abordando o tema em textos, exercícios e atividades dialogadas, exibindo vídeos e documentários, organizando e incentivando atividades fora da sala de aula,

como as de extensão etc.

Odontologia 1 Discussões, debates/ promoção de saúde/ educação em saúde. Fonte: Elaborado pela autora.

Após a participação no Numeq, notaram-se, a partir das respostas, ações pedagógicas isoladas e individuais. Apesar dessa limitação, as professoras procuraram se instigar a realizar

um trabalho significativo com a questão racial. As professoras de Psicologia e Direito nos mostram algumas estratégias pedagógicas utilizadas para abordagem da questão racial – uma visão mais ampliada, reflexiva e crítica no que se refere ao trato da diversidade étnico-racial.

Cabe ressaltar, ainda, a necessidade da implantação, de fato, da Lei nº 10.639/03, do Parecer CNE/CP 03/04 e da Resolução CNE/CP 01/04. As IES precisam reconhecer os saberes e conhecimentos produzidos pela população negra. Como lei que deve ser cumprida, os seus princípios não dizem respeito somente aos professores “sensíveis” ao tema, mas a toda a comunidade acadêmica (GOMES, 2010).

O movimento negro, desde o início do século XX, já reivindicava essa questão tão cara ao povo negro. Faz-se necessário descolonizar o conhecimento: a tática colonial nos coloca numa dimensão homogênea, subsidiada pelo eurocentrismo, sem direito à nossa subjetividade.