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3 NUMEQ: UMA EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA ANTIRRACISTA NO SERTÃO CENTRAL CEARENSE

3.1 Caminhos para o Quilombo Sítio Veiga: da invisibilidade para o centro do debate

3.2.3 Incentivo à pesquisa

A pesquisa e a extensão fazem parte do tripé acadêmico, juntamente com o ensino. No entanto, ao reportarmo-nos à IES privada, sabe-se da deficiência dos dois primeiros elementos que constituem tal tripé. O não incentivo à pesquisa, bem como à extensão, são práticas comuns no âmbito acadêmico, porém a potência no processo de ensino-aprendizagem que emergem desses lugares é de extrema importância para os/as estudantes e professores/as e para a educação das relações raciais.

A pesquisa é um terreno fértil para semearmos as produções acadêmicas com a temática racial, mas somos oriundos de uma formação na qual o currículo reflete um conhecimento ancorado no eurocentrismo, na monocultura do saber, compactuando com o racismo epistêmico. Entretanto, a inserção dos/as negros/as no seio acadêmico como professores/as, como afirma Oliveira (2016), contribui para atuarem como sujeitos de seu próprio conhecimento científico, ou seja, em uma mudança na visão de ciência, em um tipo de conhecimento diferente do então produzido na universidade, segundo esse autor.

Cabe notar que as pesquisas com a temática racial por parte desses/as professores/as e intelectuais negros/as enaltecem a questão racial como um posicionamento social e político, enveredada a luta antirracista na instituição acadêmica. Gomes (2010, p. 492-493) elenca os tipos de conhecimento que se desdobram a partir daí, a saber:

(b) desenvolvem pesquisas que privilegiam a parceria com os movimentos sociais, (c) extrapolam a tendência ainda hegemônica no campo das ciências humanas e sociais de produzir conhecimento sobre os movimentos e seus sujeitos e (d) produzem

conhecimento articulado com as vivências desses sujeitos nos (e com) os movimentos sociais.

Com isso, faz-se necessário, a partir da reflexão de Gomes (2010) e Oliveira (2016), a convergência entre militância política e a produção epistemológica a respeito da realidade racial a partir da sua própria vivência racial, em contraposição à construção e à difusão do conhecimento científico hegemônico arraigado pelo racismo em sua dimensão ideológica, que insiste em dizer que não produzimos conhecimento.

Faz-se necessário, diante desse cenário, redefinir ciência e de qual ciência estamos falando numa perspectiva de democratizá-la, uma epistemologia contra-hegemônica na qual possa existir a interlocução e o diálogo entre os diversos saberes, contribuindo na produção de novas epistemes.

O incentivo à pesquisa descrito neste tópico foram as ações produzidas durante o ano de 2015, pois o Numeq, no primeiro semestre, como vimos no inicío do capítulo, desenvolveu muitas atividades que precisavam ser transformadas em pesquisa. A necessidade surgiu no segundo semestre daquele ano, a partir do momento em que os eventos acadêmicos fora da instituição começavam a ter submissão de trabalhos aberta. Mas não consegui conduzir os alunos e professores para despertar a pesquisa, pois naquele momento o direcionamento era de organização e qualidade nas intervenções no quilombo, bem como nos encontros de formação. Sempre nos encontros havia os momentos dos informes, em que falávamos sobre os eventos abertos e a importância de participar deles, como por exemplo: Mundo Unifor, Artefatos da Cultura Negra no Ceará (Juazeiro do Norte), Semana Universitária da Uece, entre outros. Sondamos a possibilidade da nossa participação, mas ela não chegou a se concretizar. Isso dificultou a organização dos artigos, pois nesse momento as questões discutidas no Numeq eram para compreender melhor as relações raciais, subsidiar-se de aspectos teóricos que possibilitassem uma qualidade nos debates nas intervenções do quilombo. Como já falamos anteriormente, tanto os alunos quanto os professores não tinham uma leitura sobre as relações raciais, sendo o Numeq, para a maior parte dos integrantes, o primeiro contato com essa temática.

Até então tratada como pano de fundo, a questão da pesquisa começou a ser debatida e se fazer presente na semana acadêmica da instituição, uma forma de dar visibilidade ao que vínhamos desenvolvendo no projeto de extensão. Dessa forma, no final do mês de setembro, apresentei ao grupo propostas de temas para submissão de artigos. Esse seria o momento para apresentarmos ao Centro Universitário os primeiros resultados do grupo: era chegado o momento de socializar o que era o Numeq e o que foi desenvolvido ao longo do referido ano.

As ações do projeto de extensão começam a repercutir na instituição. A relação da extensão universitária e da questão racial, bem como o grau de comprometimento e envolvimento dos alunos e professores nas práticas no quilombo, refletiu numa forma peculiar de agir e pensar uma educação antirracista.

Todavia, a semana acadêmica foi o ponto de culminância para iniciarmos a escrita do que estava sendo desenvolvido. Era uma forma de amadurecer a pesquisa, que até aquele momento não havíamos conseguido organizar. Dessa maneira, reuni algumas propostas de temas que contemplassem todas as áreas envolvidas do Numeq e me coloquei à disposição para eventuais dúvidas. Os professores ficaram responsáveis por orientar seus alunos sobre as devidas produções.

Em relação à pesquisa, foram submetidos e aprovados cinco artigos (três pôsteres e duas apresentações orais) para a semana acadêmica, sendo o pôster do curso de Odontologia intitulado “Educação em saúde para crianças quilombolas: relato de experiência”; uma apresentação de pôster do curso de Arquitetura e Urbanismo foi chamada de “A identidade dos objetos quilombolas cearenses na perspectiva do design atitudinal e da semiótica”; outro pôster da Arquitetura e Urbanismo foi “O olhar sobre o Quilombo Sítio Veiga: espaço, cultura e sociedade”. As duas apresentações orais foram do curso de Psicologia, intituladas “Um olhar sobre a juventude do Quilombo Sítio Veiga” e “Racismo e saúde mental: reflexões sobre as consequências do preconceito racial no adoecimento mental”.

A pesquisa converge de forma positiva. Nesse primeiro momento, percebeu-se uma quantidade bastante significativa de trabalhos submetidos e aprovados. Foi de suma importância esse número de trabalhos para que os professores e alunos vissem o potencial da questão racial no ato da pesquisa – e o Numeq, em particular, tornou-se um caminho propício e viável. Sobre a abordagem racial na semana acadêmica, creio que esses foram os primeiros trabalhos junto à instituição. Importante ressaltar que a produção do conhecimento adveio da interação dos saberes apreendidos nos encontros de formação, nas intervenções do quilombo e no meio acadêmico.

Na ocasião, ainda reflexo da semana acadêmica, o curso de Arquitetura, com o pôster intitulado “O olhar sobre o Quilombo Sítio Veiga: espaço, cultura e sociedade”, teve o trabalho premiado em terceiro lugar pela relevância do tema e da pesquisa. Ficamos extremamente felizes com a premiação, visto a importância do trabalho tanto para o Numeq quanto para o curso de Arquitetura. Salienta-se que, na oportunidade, traz para o centro do debate a questão racial, ocupando um lugar de produção do conhecimento numa instituição de ensino superior e particular.

Para dar uma visibilidade fora da instituição e darmos início no que tange à pesquisa, na XIV Jornada Odontológica dos Acadêmicos da UFC houve a apresentação do trabalho intitulado “A inserção da odontologia no Núcleo Multidisciplinar de Estudos Quilombolas – Numeq”. Foi um relato de experiência explanado por uma das participantes do Numeq e estudante do curso de Odontologia. Destacou-se a relevância do trabalho, que foi elogiado e parabenizado pelos avaliadores mediante a iniciativa e a inovação na área da saúde.

Figura 24 – Estudante de Odontologia na apresentação do trabalho

Fonte: Acervo Numeq, 2015.

Tivemos uma publicação internacional, ainda em outubro. Foi apresentado no IV Congreso Internacional Del Conocimiento, em Santiago, Chile, simpósio n° 20, o trabalho “Intercessões de gênero, raça e movimentos sociais: olhares comparativos sobre diferentes representações”. Ali, a professora do curso de Direito relatou a apresentação do artigo no Chile “Múltiplos Olhares sobre o Quilombo Sítio Veiga: interlocução dos cursos de Educação Física e Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão Quixadá-CE”. Durante o evento, sua intervenção foi bastante elogiada. Foi ressaltada pelo grupo presente a importância de esse trabalho ser desenvolvido numa instituição particular.

Fonte: Acervo Numeq, 2015.

A extensão universitária pode ser compreendida como um processo importante – juntamente com a interdisciplinaridade – para um compromisso em relação às questões raciais na universidade, pois exerce um papel referencial perante a sociedade. Assim, deve ser entendida sobre a interação da universidade com a sociedade, uma vez que integra o tripé acadêmico. Juntamente com o ensino e a pesquisa – de forma indissociável –, pode proporcionar transformações sociais, por meio de suas ações.

Para Tavares e Freitas (2016), o sentido da interdisciplinaridade tem uma relação estreita com a relação dialógica e integradora entre os saberes como basilar para a constituição do conhecimento. Dessa forma, é preciso conseguir dialogar com os saberes das demais áreas do conhecimento sem perder de vista o objeto de estudo: no nosso caso, a questão racial. A troca de saberes integrados existe como forma de democratização do conhecimento, tendo a relação dialógica entre universidade e sociedade como importante papel para o processo formativo dos/as estudantes, bem como dos/as professores/as.

Japiassu (1992) atenta para uma problemática acerca da prática interdisciplinar. Para ele, o que existe nas universidades são “encontros pluridisciplinares” persuadidos de ideias interdisciplinares. Dito de outra forma, o interdisciplinar não é algo que se ensine ou se aprenda: é algo que se vive. Ainda para esse autor, é possível verificar uma prática interdisciplinar, por meio do compromisso dos/as estudantes e professores/as por meio da colaboração, sem perder de vista o princípio de indissociabilidade. Sendo assim, o Numeq foi um projeto de extensão que possibilitou aos/às estudantes e aos/às professores/as vivenciar ações antirracistas também no campo da interdisciplinaridade.

Portanto, percebe-se na extensão um elemento propulsor onde se processa o conhecimento interdisciplinar, pois, de acordo com Santos (2007), proporciona aos/às

estudantes uma visão global diante da troca de saberes acadêmicos nas diferentes áreas do conhecimento e a compreensão dos saberes populares presentes na sociedade.

A seguir, dissertamos sobre uma ação que seria desenvolvida pelo Numeq durante a sua permanência na instituição – mas o racismo institucional não permitiu que acontecessem as atividades relacionadas ao mês da Consciência Negra.