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Experiência estética, instituições e educação

No documento Marcelina 4 (páginas 54-63)

Celso F. Favaretto*

Resumo: O artigo é uma reflexão sobre a experiência da obra e de outras

manifestações artísticas nos diversos espaços educativos, particular- mente aqueles das instituições culturais, nos quais a atuação facilmen- te se transforma de uma facilitação comunicativa em um abandono ao interessante, curioso, picante. A proposta é a de que a educação artís- tica naquelas instituições evidencie o sistema de referências ao qual a produção contemporânea se remete ou no qual se inclui.

Abstract: This article is a reflection upon the experience of the artwork

and other artistic actions in several educative spaces, especially cultural institutions, in which mediation can easily go from a communicative aid to a surrender to the interesting, curious, spicy. The proposal is that art education in such institutions focus on the system of references to which contemporary art refers or belongs.

Palavras-chave educativo; instituições culturais; educação artística; experiência estética; lazer. Key words education; cultural institutions; artistic training; aesthetic experience; leisure.

* Celso F. Favaretto é filósofo e livre-docente pela Universidade de São Paulo, da qual também é professor. Especializado no debate da estética no regime cultural, é autor de contribuições voltadas para os anos sessenta e setenta no Brasil, notadamente: Tropicália:

alegoria alegria. (1979). 4a ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007, e A invenção de Hélio Oiticica. (1992). 2a ed. São Paulo: Edusp, 2000.

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Dado o pressuposto de que ações educativas em diversas instituições — escolas, mu- seus, institutos, centros culturais, oficinas e fundações — pretendem, através da evi- denciação das artes, atender a requisitos individuais e sociais incontornáveis, que são formativos e políticos, como compatibilizar a especificidade da experiência estética, particularmente da arte contemporânea, com a utilidade das ações educativas? Isto é, como facultar o acesso a uma experiência que acontece, através de várias mediações, entre o trabalho do artista, a produção e comunicação de objetos culturais e os per- calços da recepção?

Faz bastante tempo, pelo menos desde Duchamp, que “a arte é um exercício contínuo de desorientação”. A partir daí, dos primórdios da emergência dos dispositi- vos modernos, as convenções e expectativas que envolviam desde séculos a atividade artística e, assim, a experiência estética que disparava, nunca mais foram as mesmas. Instalou-se “uma tensão entre o fenômeno artístico e a experiência estética”, embo- ra sabendo-se que essa tensão “não implica necessariamente uma dissociação — por mais que essa separação tenha sido recorrente nos textos de vanguarda —, mas uma ampliação, levada a cabo por exigência das obras, da própria experiência estética”1.

Esta ampliação do campo, que é especialmente relevante para o redirecionamento da ação cultural a partir da experiência artística, veio se desenvolvendo prioritariamente em duas direções: uma estetização generalizada — em parte difusa, típica da sociedade de consumo, em parte comprometida com a reinvenção da vida, com a transformação das estruturas perceptivas, vulto da desestetização e aplicação das categorias da obra de arte a aspectos da vida cotidiana — e uma outra, de reproposição da arte e da ex- periência estética através das novas tecnologias. Estas direções frequentemente estão imbricadas, e ambas são relevantes para se pensar hoje a experiência das obras e de outras manifestações artísticas nos diversos espaços considerados educativos.

A estetização generalizada, difusa, típica da cultura das megalópoles e da cultu- ra de consumo, ressalta nas atividades artísticas, não o valor das obras, mas a “maneira da apresentação”. Nesta situação, diz Lyotard, “tudo é arte ou artifício […] vive-se este- ticamente”. Esta estetização generalizada torna os objetos e os conteúdos indiferentes: “quando o objeto perde o seu valor de objeto, o que conserva valor é a maneira como se apresenta. O estilo torna-se o valor”2. Não é preciso muito esforço para se concluir que o

que está elidido nesta generalização do estético é aquela experiência que a arte propicia: a transmutação do real em imaginário e vice-versa, a concentração da sensibilidade, a elaboração de um modo específico de pensamento, em que o conceito está inscrito no sensível. E, também, não é difícil perceber o quanto o educativo que aparece nas várias instituições, frequentemente disfarçado de facilitação de informações úteis, de valor co- municativo e conhecimento, nada mais é que um simples abandono ao fácil, ao simples- mente interessante, curioso, picante, nada marcante.

1 L. C. Osorio, “Uma leitura contemporânea da estética de Kant”. In: Ileana P. Cerón & Paulo Reis (org.). Kant – crítica e

estética na modernidade. São Paulo: Ed. Senac, 1999, p. 230.

É certo que tais instituições estão se tornando, nas últimas décadas, espaços vivos exatamente pela sua abertura à comunicação com um público pronto a entrar em situações educativas. Ora, as expectativas desse público, em parte contaminadas pelas atividades artísticas veiculadas pelas comunicações de massa, talvez sejam en- contrar nesses espaços institucionais algo interessante, aquilo a que Ronaldo Brito caracterizou ironicamente como “uma modalidade de lazer, um exercício superior da fantasia”3. Mas, de qualquer maneira, esta atitude do público passa como sendo a de

uma experiência verdadeira das artes. Então, coloca-se um problema: como podem as instituições culturais garantir ao mesmo tempo tais expectativas — pois elas têm a vir- tude de aglutinar um público, de torná-lo cativo — e forçar as atividades a fornecerem a oportunidade de uma experiência que vá além do lazer; da experiência do sentido da arte que ocorre pela atenção ao pensamento efetuado pelas obras de arte, qualquer que seja a compreensão que se tenha disso, arte, obra de arte?

O enfrentamento desta questão se faz em grande parte com a mediação das tecnologias de comunicação, além do uso dessas novas tecnologias como elemento constitutivo das poéticas da imagem. Como é sabido, hoje, fotografia, televisão, vídeo, programas informatizados etc. “contribuem para instaurar uma espécie de curiosida- de perceptiva média, uma contemplação flutuante generalizada”. Propõem, para este estado de generalização estética, uma “categoria que se situa tanto longe do maravilho- so quanto do indiferente: a categoria do interessante”4.

Refletindo sobre as mudanças no estatuto da imagem na cultura contem- porânea, provocada pelas novas tecnologias, e, assim, as repercussões na experiência estética, Alain Renaud afirma que a noção de visibilidade cultural substitui atualmente o conceito de imagem. As novas tecnologias estão redefinindo a experiência estética — que frequentemente não mais se refere ao vivido, em favor da experiência virtual — e, com isso, ocorre uma transformação radical no conceito de representação, devido à passagem do ótico ao digital5. Toda a questão é a seguinte: se as experimentações aber-

tas pelas novas tecnologias atingem a sensibilidade a ponto de relegar as imagens óticas ao passado ou se ainda não estaríamos, na produção artística, na fruição e na crítica, imersos numa visão acrítica das intersecções de arte e tecnologia. A nova ordem visual que estaria aniquilando os modos consolidados de ver na arte desde a antiguidade não seria um acontecimento do olhar, supondo outras regras de interação como experiên- cia estética, um processo que tem como mediação o jogo. Como diz com argúcia An- nateresa Fabris, “os ensaios das novas tecnologias redefinem a relação do fruidor com a obra, obrigando-o a ter uma atenção concentrada num fluxo contínuo, que só pode ser apreendido em sua totalidade, a introjetar a temporalidade proposta pelo artista,

3 R. Brito, “Pós, pré, quase ou anti?” Folha de S.Paulo, Folhetim, 2/10/1983, p. 6.

4 J. Galard, “Repères pour l’élargissement de l’expérience esthétique”. Diogène, 119, 1982, pp. 93-94.

5 A. Renaud, “Nouvelles images, nouvelle culture: vers un ‘Imaginaire numérique’ (ou ‘Il faut imaginer un Démiurgue heureux’)”. Cahiers Internationaux de Sociologie, v. LXXXII, pp. 125 e ss. Paris: PUF, 1987. Ler também comentários de Annateresa Fabris às ideias de Renaud em “Redefinindo o conceito de imagem”. Revista Brasileira de História, v. 18 , nº 35, 1998, pp. 217-224.

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enquanto não é raro um olhar transeunte sobre os produtos tradicionais, que nada mais fazem do que exibir estruturas e relações perceptivas conhecidas a sobejo”6.

Face à situação estimulante provocada pela emergência dos trabalhos que incidem sobre as estruturas visuais, é significativa a proposição de A. Renaud: que as novas tecnologias da imagem são “laboratórios experimentais da sensibilidade e do pensamento visual”. Nelas estaria ocorrendo um alargamento da experiência estética de dimensões nunca vistas, pelo menos desde o Renascimento, originando uma discussão renovada sobre as categorias estéticas. As dificuldades apresenta- das pela arte contemporânea ao espectador são imensas, pois as categorias que identificavam as obras e outras propostas artísticas, até mesmo nas vanguardas, são hoje aleatórias e ainda não definindo um regime básico de absorção e fruição. Afinal, qual é a fruição esperada dessas novas produções visuais? Para quem nelas busca algo semelhante à experiência do belo, são decepcionantes. A experiência estética, diz Renaud, pertence agora a um novo regime: “em direção a uma estética de procedimentos na qual o processo se impõe sobre o objeto: […] vivemos o fim da hegemonia do espetáculo fechado e estável […] em direção a relações inéditas entre o Corpo, a Materialidade e o Artificial, em direção ao deslocamento tecno- estético da ordem representativa analógica”7.

Se o específico do trabalho artístico contemporâneo em grande parte se determina em cada artista pela relação que estabelece entre sua atividade pro- dutora e a história da arte, e se daí, e só daí, derivam as regras que caracterizam seu trabalho e, inclusive, a possibilidade de juízos de valor sobre os seus pro- dutos, é aí que se situa o crivo das atividades educativas que pretendem mediar o acesso à experiência artística e propiciar o desenvolvimento de competências para avaliação das obras.

A redefinição da relação do participador ou fruidor com as obras, qual- quer que seja a modalidade artística abrigada nesta denominação, propõe desa- fios renovados aos espaços institucionais dedicados ao conhecimento das artes, assim como à elaboração de propostas de exercícios voltados para a ampliação do acesso à experiência especificamente estética. Os protagonistas destes espa- ços, tomados agora como interlocutores de um trabalho de significação prática, porque social, precisam ser, assim, articulados ativamente a ações culturais que desatem processos de subjetivação, advindos da disseminação da atitude artís- tica, transformadores do gosto e das antigas expectativas formativas das artes, caudatárias da estética do belo, em que vigoravam as promessas de felicidade, de que fala Stendhal, e a crença no poder da arte de produzir a passagem da disper- são e fragmentação da vida cotidiana à unidade da experiência –– promessas e poderes que não mais operam.

6 Cf. A. Fabris, art. cit. 7 Cf. A. Renaud, art. cit., p. 126.

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Entre os diversos espaços institucionais de evidenciação das artes, é signifi- cativo o destaque atribuído aos espaços expositivos das artes visuais, que podem ser lugares específicos de educação. Distintos do espaço escolar, os espaços expositivos das instituições que, além dos museus, incluem oficinas culturais, casas de cultura, bibliotecas públicas, fundações e institutos culturais, precisam ser caracterizados para cada situação e evento. A questão fundamental que se coloca é a seguinte: qual a modalidade de ação educativa apropriada para cada espaço, contexto e projeto cultural dessas instituições, tendo-se em vista as demandas culturais da sociedade e, muito especialmente, as demandas particulares do sistema público de ensino, com a sua estrutural penúria e impotência no que se refere à formação da base cultural requerida pelo processo educativo?

Parte-se do princípio de que estes lugares, estas instituições têm a oferecer algo que é culturalmente relevante, necessário e requerido por um público que busca alguma coisa que supostamente lhe é prometida pelo domínio da arte, independente- mente dos mitos e místicas que o recobrem. Conhecimentos? Experiências? Que tipo de conhecimento e de experiência? As expectativas desse público, na verdade públicos, visam, certamente, a participação em experiências e a aquisição de conhecimentos ta- citamente valorizados socialmente; ou seja, legitimados pelos discursos que sustentam os valores, os comportamentos e os ideais da, assim chamada, cultura ocidental ou, particularmente, que legitimam as necessidades de uma sociedade, como a brasileira, comprometida com os imperativos da modernização. Não se pode, entretanto, deixar de levar em conta que a busca genérica de um contato com a arte ou de uma experiên- cia especificamente estética, vistas como um ideal de cultura, de humanização e modo de vida modernos, podem ser objetivos primordiais dessa busca, ainda que não clara- mente percebidos ou evidenciados pelos frequentadores, ou usuários, dessas institui- ções. Sob este ponto de vista, pode-se arriscar dizer que as expectativas que mobilizam a busca de cultura por essas pessoas referem-se a uma suposta potencialidade da arte em propiciar a elas a passagem da dispersão das experiências cotidianas, da fragmenta- ção, para uma espécie de unidade da experiência prometida pela arte — talvez aquela promessa de felicidade de que fala Stendhal8.

A função educativa destas instituições culturais não pode ser pensada como supletiva, como preenchendo lacunas das instituições escolares, do sistema regular de educação, pública e privada, que supõem, por princípio, a continuidade dos conheci- mentos e da formação, sistematizadas conforme ideais, princípios, objetivos e valores articulados por uma concepção pedagógica psicossocial, além de filosófica-existencial. Já as instituições de que estamos tratando, museus, institutos, fundações etc., voltadas especificamente para a produção artística, particularmente para a arte contemporâ- nea, devem dar conta do desnível entre a experiência propiciada pela arte contempo-

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rânea — que é pontual, implicando continuidade, mas de outra espécie, por blocos, módulos — e o horizonte de expectativas do público9.

As expectativas do público são fortemente marcadas pelas modalidades ar- tísticas difundidas pelo sistema midiático, com tudo o que isto implica, não só em termos de relação consumista, modista e de generalização estética, que atinge e torna artísticos objetos de proveniência diversa —, mas também com tudo o que isto im- plica de abertura do campo artístico e de possibilidades amplas de informação e de comunicação. Coloca-se aqui a contribuição potencial das novas tecnologias para o desenvolvimento de atividades de participação dos visitantes, com sua grande diver- sidade, o que impõe requisitos para a produção das atividades. É muito importante considerar também os limites destas novas tecnologias na formulação e realização das funções educativas, pois não se pode considerar o valor dos media em si mesmos. Daí a necessidade de se definir a colaboração necessária entre os especialistas da comuni- cação e da multimídia, e os produtores culturais das instituições em pauta. Pois se, de um lado, pode-se dizer que as novas tecnologias constituem uma ocasião excepcional de “relançar a ação cultural e educativa dos museus do terceiro milênio”10, de outro,

“seria ilusório, ingênuo e perigoso sacralizar as novas tecnologias”11.

Assim, atualmente um dos esforços das instituições culturais dedicadas à arte contemporânea consiste em estabelecer processos de acompanhamento ou de media- ção que facultem a possibilidade de os espectadores acederem sensivelmente e refle- xivamente a uma experiência estética específica. Isto requer, antes de tudo, uma con- textualização dos trabalhos — obras, objetos, instalações, proposições, ambientações. Trata-se de um esforço de “situar a obra nas condições de sua gênese singular e, por consequência, aproximar-se do horizonte de expectativas” do público e, assim, “con- tribuir para apoiar a obra na história de uma dada sociedade”12.

A constituição de um sistema de referências — por exemplo, pela justaposi- ção de obras contemporâneas e obras anteriores, antigas e modernas — permite mui- tas vezes que o espectador faça uma espécie de viagem pelo interior de uma vertente produtora de obras para localizar aquela obra contemporânea que está sendo apresen- tada. Em resumo: como os espectadores de arte contemporânea poderão apossar-se das elaborações dos artistas, considerando que estes estabelecem, nos seus trabalhos, uma relação entre as próprias operações e o processo de criação de alguns de seus antecessores? Como acessar as regras que presidem os trabalhos contemporâneos, em sua singularidade, senão evidenciando o sistema de referências a que se remetem ou em que se incluem? Esta, talvez, seja a tarefa mais importante a ser realizada pelas instituições dedicadas às artes visuais. Se as obras, sob certos aspectos, são autônomas

9 R. Recht, “Le musée et l’initiation à l’art contemporain”. In: J. Galard (org.), Le regard instruit. Action éducative et action

culturelle dans les musées. Paris: La Documentation française, Musée du Louvre, 2000, p. 180.

10 P. Galluzzi, “Les nouvelles technologies et l’éducation hors les murs”. Id. ib., p. 140. 11 A. Bourdon, “L’usage éducatif d’un service en ligne: le cas de [Louvre.edu]”. Id. ib., p. 152. 12 Cf. R. Recht, loc. cit., p. 181.

na criação, não o são na recepção. Dessa maneira, pode-se dizer que a educação ar- tística propiciada pelas instituições de que falamos não pode reduzir-se ao domínio das técnicas, procedimentos, estilos ou ao gosto. Tampouco pode fornecer princípios estéticos que formulem juízos de valor. A entrada na própria experiência artística é a meta. Isto se dá através de mediações.

A mediação, enquanto processo de entrada no sistema de relações que preside o trabalho dos artistas, exige métodos próximos daqueles que se efetuam nas escolas — embora em outra chave, pois, nestas, a “aula” é atividade indispensável —, aliados a outros que devem responder diretamente à configuração dos espaços culturais das ins- tituições. Lugares de evidenciação da arte, especificamente dedicados a mostrar, exibir, eventuar a arte contemporânea, já determinam uma qualidade de experiência artística diferenciada. Se, na escola, a arte comparece pelo seu possível valor educativo, como uma articulação de signos aptos a mediar o processo de ensino e a aprendizagem, nas instituições culturais ela afirma-se imediatamente pelo seu valor cultural. Nelas, “a ação educativa não é um fim em si — ela deve colocar-se a serviço do museu [ou outro lugar específico], cujo sentido a ultrapassa amplamente, mas que também a orienta”13.

Se a ação educativa não é um fim em si, e porque ela é um dos elos do sistema de produção cultural que se estabelece nestas instituições, ela situa-se não apenas no hori- zonte da distribuição ou democratização de ideias, produtos, obras, porém, mais incisiva- mente, no uso da cultura, promovendo “o pleno desfrute de uma determinada obra, o que envolve o entendimento de seus aspectos formais e também de conteúdo, sociais e outros; para tanto, recorre à elaboração de catálogos, programas de apresentação de um espetá- culo ou filme, palestras, cursos, seminários, debates etc.”14. Portanto, é como ação cultural,

definida por uma atuação, voltada para efetivar uma determinada política cultural, que a arte está estrategicamente situada no núcleo central do trabalho dessas instituições.

É preciso, contudo, ressaltar que a ação cultural através da arte não pode restrin- gir-se, e muito menos submeter-se, a fins objetivamente programados, ou seja, não pode ser simplesmente instrumentalizada. Ela propõe, organiza e articula ações que materia- lizam pensamentos e atitudes que visam a orientar os destinatários na discriminação de valores, na definição de uma posição face à dispersão cultural contemporânea, particular- mente, face à diversificação do trabalho artístico. Sabe-se, além disso, que as experiências que as artes proporcionam não mais satisfazem às expectativas e desejos de transcender a tal dispersão, ou seja, não satisfazem o anelo de reunificação da experiência fragmentária. De qualquer maneira, entretanto, a arte permanece sendo um foco de estetização, um lugar de concentração e comoção, do pensamento e da sensibilidade, que, se não tem o poder de modelar a experiência15, se não tem o poder de mudar a vida, é, sem dúvida, uma de suas

faces mais intensas: ela é o lugar onde o sentido ainda insiste em presentificar-se.

13 Id. ib., p. 178.

14 T. Coelho. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, pp. 32-33. 15 Cf. J. Galard, “Beauté involontaire et beauté préméditée”. Temps Libre, 12, Paris, 1984.

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Assim, uma educação pelos museus, pelas exposições, pelas retrospectivas, pe-

las obras, eventos, instalações etc., em que se joga a experiência da conjunção do sen-

sível e do inteligível, pode não fornecer imediatamente resultados como os esperados segundo os cálculos administrativos e econômicos que hoje invadem a cena da cultura

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