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Marcelina 4

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Academic year: 2021

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© 2010 Faculdade Santa Marcelina – Unidade Perdizes Coordenação do projeto e edição

Lisette Lagnado Mirtes Marins de Oliveira Conselho editorial

Dawn Ades (University of Essex-UK) Ricardo Basbaum (UERJ, Fasm-SP) Maria Aparecida Bento (Fasm-SP) Sheila Geraldo Cabo (UERJ-RJ) Celso Fernando Favaretto (FE-USP) Esther Hamburger (ECA-USP) Shirley Paes Leme (Fasm-SP) Maria Angélica Melendi (EBA-UFMG) Christine Mello (Fasm-SP)

Luiz Camillo Osório (Unirio/Puc-RJ) Beatriz Rauscher (UFU-MG) Sandra Rey (Instituto de Arte UFRGS) Pareceristas

Suzana Avelar Eliana Asche Ana Letícia Fialho Claudia Marinho Marly de Menezes Paulo Zuben Revisão ortográfica Regina Stocklen Projeto gráfico Roberta Guedes Impressão e acabamento

Expressão & Arte - Editora e Gráfica Fontes usadas: Minion e Whitney

Marcelina é uma publicação da Fasm. As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus autores. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização do autores. Para os critérios de publicação acesse: http://www.fasm.edu.br

MARCELINA. Revista do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina. - Ano 3, v. 4 (1. sem. 2010). – São Paulo: FASM, 2010.

Semestral ISSN: 1983-2842

1. Artes Visuais - Periódicos. I. Faculdade Santa Marcelina.

CDU-7(05) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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CADERNO DO ERNESTO NETO

Poemacor

EDITORIAL

DOSSIÊ | UM APRENDIZADO POSSÍVEL NA UNIVERSIDADE?

L’artiste doit-il aller à l’université? | Marcel Duchamp

O que significa, hoje, ser artista e o que se espera da formação do artista? | Sandra Rey

O ensino de artes e a formação do artista na academia | Milton Sogabe Vkhutemas: o ensino das artes sob o signo da Revolução Russa | Neide

Jallageas

Experiência estética, instituições e educação | Celso F. Favaretto Balanços e perspectivas museográficas

Um Museu de Arte em São Vicente | Lina Bo Bardi

The Field School. Treinar artistas, um projeto por vez | Ernesto Pujol

MESTRADO EM REVISTA

O artista: vento(s) e des(dobramento)s | Andrés Hernández

IV SEMINÁRIO DE CURADORIA

Conferência dialógica entre Ferrán Barenblit e Lisette Lagnado

CADERNO DO AUTOR

Flavio de Carvalho: experiências romanas | Veronica Stigger

SUMÁRIO ma rc elina | cai c oc o

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tempo

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choro

por

solidão

e

agonia

na

relva

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Poemacor é uma espécie de escultura para livro-revista

Poemacor

para o encadeamento das páginas na ausência do corpo dimensional volume

este se manifesta na estrutura cor corpo como criadores de atmosfera

peso significado e frase palavra linha

desvio. C ADERNO DO ERNES T O NET O

Recebi seu e-mail e comecei right away a responder achando que ia ser fácil, hahaha, e claro q não foi já que a pergunta não tem resposta. Curiosamente sou um cara que não estudou arte na universidade, pois achei que esta iria me atrapalhar, não acreditei na ideia de ter que passar de ano, no risco de me deparar com um professor idiota a me dar uma nota baixa por eu ter desenhado um olho torto. Assim estudei comunicação para enganar papai e mamãe, que obviamente sabiam q aquilo era um paliativo, que o vício já tinha me dominado e que sabe que por motivo de sobrevivência financeira eu pode-ria tomar um outro caminho. Porém fiz todos os cursos paralelos que pude encontrar e pagar, e convivi com colegas inocentes no suave curso de comunicação da Faculdade Estácio de Sá, q não passei no vestibular (tinha abandonado meses antes o curso de engenharia, onde tinha aulas maravilhosas de matemática e física, e notas baixíssimas), sendo no final, para minha surpresa, o orador da turma, hilários tempos de escola.

Mas por outro lado sinto falta de uma educação formal, muito embora meu amigo Franck Leibovici me diga que esta é a minha salvação, aliás ele me falou que as escolas de arte na França são cada vez mais voltadas a ensinar ao “artista” como fun-ciona o meio de arte, como vender o peixe, preparar projetos, construir um discurso, enfim prepará-lo para ser um profissional.

Aí segue o texto que comecei a escrever, eu um cara que, apesar da minha his-tória negar, sou a favor da educação como forma de oferecer material para o estudante artista ou não poder — e já começa a confusão qual o objetivo da escola... — poder

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13 Ernesto Neto nasceu no Rio de Janeiro onde vive. Faz escultura há 27 anos. Gosta muito de ouvir o som ambiente, ruído de fundo, como se este o abraçasse no mundo. Tem mostrado seu trabalho continuamente desde 1988 no Brasil e, no planeta a partir de 1995. Nunca expôs na África nem no Polo Sul. Tem alguns livros publicados, esculturas em várias coleções e museus. Em setembro próximo, faz uma exposição chamada Dengo no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Acredita que arte é um lugar para se estar.

Referências bibliográficas

BARROS, Regina Teixeira de. “Ernesto Neto”. Galeria, nº 31, São Paulo, 1992, p. 47. HASEGAWA, Yuko; NAMBA, Sachiko; NISHIKAWA, Mihoko; TAKASHIRO, Akio; NAKASHIMA, Mari; WAKABAYSHI, Kei (editores). Neo Tropicália – When Lives

Be-come Form, Contemporary Brazilian Art: 1960s to the Present. Tóquio: Mot – Museum

of Contemporary Art, 2008.

HERKENHOFF, Paulo. Ernesto Neto – Cinco desejos. Galeria Camargo Vilaça, São Pau-lo, 1994 (fôlder de exposição).

JULIN, Richard. “Three Conversations” (Siobhan Hapaska, Charles Long, Ernesto Neto). Magasin 3, Estocolmo, 2000 (fôlder de exposição).

PEDROSA, Adriano. Esculturas Íntimas. Ernesto Neto. Santiago de Compostela: Centro Galego de Arte Contemporânea, 2002.

este se manifesta na estrutura cor corpo

sobreviver, pensar?, se preparar para o mercado?, se preparar para a loucura?, se pre-parar para a poesia?, se libertar da cultura?, penetrar ou compreender a cultura?, pra quê? ser artista pra quê?

Como é difícil ser objetivo só mesmo a artificialidade ocidental para conse-guir este ofício. Acho que meu lado índio me nega este mundo. Talvez a síntese seja para encontrar lá dentro o que esta lá fora, para se relacionar, familiarizar-se com o meio. Normalmente o artista jovem, no seu desejo, já está marginalizado, na escola, seja ela qual for, ele faz seu ninho com seres semelhantes. Normalmente o artista em potencial, como todo jovem está cheio de dúvidas e desejos, sonhos mesmo, vivendo o momento crucial de entrar no mundo adulto. De alguma forma na escola, será prote-gido e preparado para este mundo e poderá lidar e apreender com os adultos professo-res coordenadoprofesso-res (regras boas e más) e com pessoas da sua idade. Estes colegas serão extremamente importantes para dividir problemas e inventar soluções. A escola é um lugar protegido para conhecer gente, possivelmente um professor lhe será útil — cabe à intuição do aluno descobrir quem poderá ser seu “mestre”, aquele que vai além de aprender arte. Arte é troca, alguns colegas podem ser fundamentais, mas não se apren-de, se é que se aprenapren-de, arte na escola nem na rua, mas na vida.

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EDIT

ORIAL

A ideia da edição temática de marcelina | cai coco surgiu a partir da publicação Art School

(Pro-positions for the 21st century), organizada por Steven Madoff (MIT Press, 2009). Sem dúvida, a

leitura dessa coletânea sobre diversas experiências com o ensino da arte aprofundou diferenças já conhecidas entre a formação de artistas dentro da universidade e fora dela. Com o objetivo de intensificar essas relações e assimetrias, a revista convidou Ernesto Pujol, artista e professor atuante em diversas universidades, a escrever um artigo especial onde pudesse relatar como vem reunindo performance artística e atividade docente. E o resultado não poderia ser mais polêmico. “The Field School” incomoda todos os segmentos interessados na profissionalização do “futuro artista”: denuncia a “superpopulação de diplomas de mestrados em arte” e pergunta “por que ir para escolas de arte quando um mestrado não assegura a ninguém um emprego de professor, e quando a informação está lá, disponível via Google e outras ferramentas de busca ?”

Assim, o processo educacional desenvolve-se em instâncias que vão além da matriz

escolar. Falar de formação é discutir currículo, ou seja percurso, entendendo que há vida tanto

dentro como fora das instituições. O que nos leva a indagar quais os conteúdos necessários para que um artista seja considerado como tal. Pujol nos lembra também que “todas as escolas têm ideologia” e que “não existe tal coisa como um espaço cultural apolítico”. A preocupação com um treinamento adequado para enfrentar o mundo globalizado deve ser substituída pelos significados que a educação adquiriu a partir da modernidade: crítica, debate, mobilidade.

Instituições de ensino e pesquisa buscam oferecer condições de realizar um eventual projeto de existência e isso é transmitido e sistematizado ao longo de um período previamente estipulado, levando em conta tanto as demandas da sociedade como uma atualização perma-nente de cada disciplina acadêmica. Essa seria uma definição (possível) do chamado currículo. O currículo é uma forma educacional histórica, mas, se não for discutido, entendido e criticado como lugar de disputa de significados, tende à reificação. Pesa sobre ele uma “mania” classi-ficadora que alinha diferentes aspectos de uma disciplina de modo a formar uma sequência, que acaba limitando a dimensão da vida em categorias imutáveis e acabadas. Diferentes expe-riências históricas (inclusive as atuais) olhadas sem nostalgia mostram o quanto a capacidade criativa deve enfrentar o desafio de formar artistas em uma realidade multidimensional.

O que impede que a formação de um jovem artista (assim como de outros jovens) seja esse território sem determinações fixas, onde o início e a chegada do caminho são pontos móveis, e onde a própria travessia não é predeterminada? Inesgotável, a questão da formação deve ser colocada de tempos em tempos para remover o pó que se deposita em palavras como

ensino, escola, academia, biblioteca, pedagogia, museu e bienais de arte, e para que possam

conti-nuar insistindo no seu quociente experimental. ***

O dossiê arte: um aprendizado possível na universidade? abre com o artigo O que

significa, hoje, ser artista e o que se espera da formação do artista? de Sandra Rey, que traz, a partir

de um texto de Duchamp, L’artiste doit-il aller a l’université?, uma contribuição firme e lúcida para pensar como “produzir obras” após o inventor do readymade. Em seguida, Milton Sogabe faz um balanço histórico das possibilidades de formação do artista na sociedade brasileira de hoje e sublinha a alteração do estatuto de artista-professor para o de artista-pesquisador.

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A formação de um novo artista para uma nova sociedade, em contexto não capitalista, é exposta por Neide Jallageas, que apresenta a experiência pedagógica dos Ateliês Superiores de Arte e Técnica na Rússia cujo fundamento buscava equilibrar-se entre atitude estética e postu-ra política. Andrés Hernández, em O artista: vento(s) e des(dobpostu-ramento)s, evidencia as relações entre a Bienal de La Habana e a inserção, constituição de visibilidade e internacionalização da produção artística em um país à margem dos centros econômicos decisórios. O artigo (resumo da dissertação de mestrado defendida no Mestrado em Artes Visuais da Fasm) evidencia a influ-ência que eventos de grande porte podem ter sobre o percurso formativo de futuros artistas.

De sua parte, Celso F. Favaretto sinaliza a imobilização da experiência educativa no museu, quando limitada ao departamento educativo e a uma terminologia fraca: o que acres-centam adjetivos como interessante, curioso e picante? Como professor de estética, defende a exigência de que se evidencie o sistema de referências ao qual a produção contemporânea se remete ou no qual se inclui. A fim de complementar essa reflexão (ou dar-lhe ressonância),

marcelina | cai coco foi buscar um texto histórico de Lina Bo Bardi, Balanços e perspectivas

museográficas – Um Museu de Arte em São Vicente (1952) onde são ressaltados o caráter social

do museu e a necessidade de formação de público.

Ferrán Barenblit e Lisette Lagnado, conferencistas do IV Seminário Semestral de Curadoria, dão continuidade à edição temática sob a perspectiva daquele que organiza exposi-ções. Como eleger disciplinas para estruturar um currículo que contemple a prática curatorial e a vida cotidiana de uma instituição? Por meio de uma seleção de artistas espanhóis, Ferrán Barenblit propõe o evento expandido como estratégia para o público voltar várias vezes ao mu-seu e encontrar uma exposição sempre em movimento e transformação.

Veronica Stigger inaugura a seção caderno do autor, onde apresenta suas investi-gações de pós-doutoramento Flavio de Carvalho: experiências romanas, extensa pesquisa que procura uma justificativa para a espantosa ausência de escândalo quando da exposição do ar-tista, em 1956, na Galleria L’Obelisco, em Roma. Seu traje tropical, o New Look, teria tido seu lançamento prejudicado pelo conturbado ambiente político da Europa? – esta é a hipótese que emerge da voz do noticiário.

Enfim, esperamos que esta edição ainda privilegie beleza e poesia mesmo tendo abordado um tema árido. marcelina escolheu o artista Ernesto Neto, cujo percurso mostra que

currículos anacrônicos e empregos globalizados são dispensáveis, para dar um depoimento de sua experiência.

O objetivo agora consiste em incentivar o debate qualificado sobre os valores sociais implícitos nos processos educativos. Com a modernidade, lembra-nos Adorno, a educação só tem sentido se dirigida a uma autorreflexão crítica.

Chamada de artigos para o próximo número, marcelina 5 – Até 15 de setembro de 2010

Mestre da transmissão da modernidade, Walter Benjamin (1892-1940) continua sendo o filósofo mais lido nos departamentos de história e crítica de arte. A revista marcelina 5 prepara para o segundo semestre de 2010 uma homenagem com textos que procuram desvendar as possíveis causas da posteridade inesperada de um dos pensadores mais originais da experiência estética na urbe. De onde vem a pertinência de sua reflexão sobre a fotografia, a despeito de todas as invenções tecnológicas, rupturas e radicalidades dos movimentos artísticos? Como explicar a longevidade de figuras conceituais como o flâneur, o narrador e o colecionador, entre muitos outros? Teria Benjamin deixado alguma “metodologia” para a era do virtual e do digital?

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L'artiste doit-il aller a l'université ?

Bête comme un peintre.

Ce proverbe français remonte au moins au temps de la vie de Bohème de Mur-ger, de 1880, et s'emploie toujours comme plaisanterie dans les discussions.

Pourquoi l'artiste devrait-il être considéré comme moins intelligent que Mon-sieur tout-le-monde ?

Serait-ce parce que son adresse technique est essentiellement manuelle et n'a pas de rapport immédiat avec l'intellect ?

Quoi qu'il en soit, on tient généralement que le peintre n'a pas besoin d'une éducation particulière pour devenir un grand Artiste.

Mais ces considérations n'ont plus cours aujourd'hui, les relations entre l'Ar-tiste et la société ont changé depuis le jour où, à la fin du siècle dernier, l'Arl'Ar-tiste af-firma sa liberté.

Au lieu d'être un artisan employé par un monarque, ou par l'Église, l'artiste d'aujourd'hui peint librement, et n'est plus au service des mécènes auxquels, bien au contraire, il impose sa propre esthétique.

En d'autres termes, l'Artiste est maintenant complètement intégré dans la société. Émancipé depuis plus d'un siècle, l'Artiste d'aujourd'hui se présente comme un homme libre, doté des mêmes prérogatives que le citoyen ordinaire et parle d'égal à égal avec l'acheteur de ses oeuvres.

Naturellement, cette libération de l'Artiste a comme contrepartie quelques-unes des responsabilités qu'il pouvait ignorer lorsqu'il n'était qu'un paria ou un être intellectuellement inférieur.

Parmi ces responsabilités, l'une des plus importantes est l'ÉDUCATION de l'intellect, bien que, professionnellement, l'intellect ne soit pas la base de la formation du génie-artistique.

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O que significa, hoje, ser

artista e o que se espera da

formação do artista?

Sandra Rey*

* Sandra Rey é artista plástica, desenvolve uma produção artística com base na fotografia e tratamento de imagens por computador; é professora associada no Departamento de Ar-tes Visuais da UFRGS. Docente permanente nos Programas de Pós-Graduação em ArAr-tes Visuais da UFRGS e da UFSM. Desenvolve pesquisa com apoio do CNPq.

Resumo: Este artigo baseia-se no texto de Duchamp “Deve o artista

cursar a universidade?” para propor uma reflexão acerca do papel do artista e da arte na sociedade contemporânea. Por conseguinte, busca refletir sobre o significado, hoje, de ser artista e a operacionalidade das propostas de formação do artista nos currículos dos cursos de artes visuais, em institutos e faculdades de graduação e pós-graduação, im-plantados nas diversas universidades do país.

Abstract: This article is based on the text by Duchamp “L’artiste

doit-il aller à l’université?” to propose a thought about the role of artist and art in contemporary society. We suggest a reflection about the significance of being an artist today and a speculation about the studies programs in the training of artists in the visual arts at graduate and postgraduate degrees.

Palavras-chave arte contemporânea; artista; formação do artista; carreira artística. Key words contemporary art; artist; artist training; career.

DO

SSIÊ | UM APRENDIZADO PO

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Très évidemment la profession d'Artiste a pris sa place dans la société d'aujourd'hui à un niveau comparable à celui des professions ‘‘libérales’’. Ce n'est plus, comme avant, une espèce d'artisanat supérieur.

Pour rester à ce niveau et pour se sentir à égalité avec les avocats, les médecins etc. l'Artiste doit recevoir la même formation universitaire.

Qui plus est, l'Artiste joue dans la société moderne un rôle beaucoup plus im-portant que celui d'un artisan ou d'un bouffon.

Il se trouve face-à-face avec un monde fondé sur un matérialisme brutal où tout s'évalue en fonction du BIEN-ÊTRE MATÉRIEL et où la religion, après avoir perdu beaucoup de terrain, n'est plus la grande dispensatrice de valeurs spirituelles.

Aujourd'hui l'Artiste est un curieux réservoir de valeurs paraspirituelles en op-position absolue avec le FONCTIONNALISME quotidien pour lequel la science reçoit l'hommage d'une aveugle admiration. Je dis aveugle, car je ne crois pas en l'importance suprême de ces solutions scientifiques qui ne touchent même pas aux problèmes per-sonnels de l'être humain.

Par exemple, les voyages interplanétaires semblent être l'un des tout premiers pas vers le soi- disant ‘‘progrès scientifique’’ et pourtant en dernière analyse, il ne s'agit que d'un agrandissement du territoire mis à la disposition de l'homme. Je ne puis m'em-pêcher de considérer cela comme une simple variante du MATÉRIALISME actuel qui emporte l'individu de plus en plus loin de la quête de son moi intérieur.

Cela nous amène à l'importante préoccupation de l'Artiste d'aujourd'hui qui est, à mon sens, de s'informer et de se tenir au courant du soi-disant PROGRÈS MATÉ-RIEL QUOTIDIEN.

Doté d'une formation universitaire comme l’est, l'Artiste n'a pas à craindre d'être assailli par des complexes dans ses relations avec ses contemporains. Grâce à cette éducation, il possédera les outils adéquats pour s'opposer à cet état de choses matéria-liste par le canal du culte du moi dans un cadre de valeurs spirituelles.

Pour illustrer la situation de l'Artiste dans le monde économique contempo-rain, on observera que tout travail ordinaire est rémunéré plus ou moins selon le nom-bre d'heures passées à l'accomplir, alors que dans le cas d'une peinture, le temps consacré à son exécution n'entre pas en ligne de compte lorsqu'il s'agit de fixer son prix, et que ce prix varie avec la notoriété de chaque artiste.

Les valeurs spirituelles ou intérieures ci-dessus mentionnées et dont l'Artiste est pour ainsi dire le dispensateur, ne concernent que l'individu pris séparément, par contraste avec les valeurs générales qui s'appliquent à l'individu partie de la société.

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Em 1960, quando raras eram as universidades que mantinham entre seus institutos ou faculdades cursos de arte, Duchamp escreveu um artigo defendendo o fazer do artista “como profissão que havia conquistado um lugar na sociedade, comparável à dos pro-fissionais liberais”, portanto, argumenta, “para sentir-se em situação de igualdade com os advogados ou médicos, o artista deveria receber uma formação universitária”. O ar-tigo, pronunciado por Duchamp num colóquio organizado na Universidade de Hofstra (Nova York, 13 de maio de 1960), tem o título provocador “Deve o artista cursar a uni-versidade?” (L’artiste doit-il aller à l’université?1) e inicia com uma provocação maior

ainda, citando o provérbio francês: “bête comme un peintre” (burro como um pintor), expressão abusada que remonta aos tempos da vida de Bohème de Murger, em 1880, e que, na época de Duchamp, ainda era empregado como zombaria em rodas sociais.

Duchamp contesta o fato de o artista, na sua época, não precisar de formação específica para desenvolver uma habilidade técnica essencialmente manual sem rela-ção imediata com o intelecto. Apesar de reconhecer, textualmente, que o intelecto não está na base da formação do gênio artístico, ele defende a responsabilidade do artista em relação ao que denomina “EDUCAÇÃO do intelecto”. O argumento principal de sua tese se constrói em torno da constatação de um “materialismo brutal”, crescente na sociedade, onde tudo se avalia em função do “BEM-ESTAR MATERIAL”, escrito assim, com todas as letras maiúsculas — e onde a religião perdeu terreno e não é mais quem propaga os valores espirituais, distantes do “funcionalismo cotidiano”. Prosseguindo, lemos: “em oposição ao pragmatismo que orienta o cotidiano distanciando cada vez mais o indivíduo de uma busca de interiorização”. O artista deveria estar, então, atu-alizado em relação ao progresso material para exercer sua crítica e promover valores de ordem espiritual. Assim como estabelecera, um século antes, Max Stirner, em Der

Einziger und Sein Eigentum (1844-5)2, uma parte da educação e formação universitária

“desenvolve as faculdades mais profundas do indivíduo, a autoanálise e o contato com o conhecimento da herança espiritual”

Deduz-se que Duchamp credite à formação universitária a contribuição para uma sólida formação humanista, fundamental para o artista desenvolver as ferramen-tas adequadas para a elaboração e o exercício de um pensamento crítico, via obra, a esse “estado de coisas de ordem materialista”:

Acredito que hoje mais do que nunca o Artista tem essa missão

para-1 Marcel Duchamp, “L’artiste doit-il aller à l’université?” Texto pronunciado por Duchamp em colóquio organizado pela Universidade de Hofstra, Nova York, em 13 de maio de 1960. Esse texto pode ser encontrado no livro organizado por Michel Sanouillet, Marcel Duchamp: Duchamp du signe. Écrits réunis et présentées par Michel Sanouillet. Paris: Flamma-rion, 1994, p. 236-239.

Nota da Edição: Para acompanhar o presente texto, a revista marcelina reproduz, na sequência do artigo de Sandra Rey, o original que circula livremente na internet em diversos endereços, entre eles: http://esarueil.info/ecole/pfougeroux/ TEXTESpdf/A-E/Duchamp,tradition.pdf.

2 Nota da Edição: Essa obra de Max Stirner [Johann Kaspar Schmidt] recebeu várias traduções em inglês, tais como The

Ego and Its Own e The Individual and His Property [O único e sua propriedade], entre outras. A despeito do autor, suas

ideias são comumente associadas ao pensamento anarquista individualista.

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Et sous l'apparence, je suis tenté de dire sous le déguisement, d'un membre de la race humaine, l'individu est en fait tout à fait seul et unique et les caractéristiques com-munes à tous les individus pris en masse n'ont aucun rapport avec l'explosion solitaire d'un individu livré à lui-même.

Max Stirner, au siècle dernier, a très clairement établi cette distinction dans son remarquable ouvrage Der Einziger und Sein Eigentum, et si une grande partie de l'édu-cation s'applique au développement de ces caractéristiques générales, une autre partie, tout aussi importante, de la formation universitaire développe les facultés plus profon-des de l'individu, l'auto-analyse et la connaissance de notre héritage spirituel.

Telles sont les importantes qualités que l'Artiste acquiert à l'Université et qui lui permettent de maintenir vivantes les grandes traditions spirituelles avec lesquelles la religion elle-même semble avoir perdu le contact.

Je crois qu'aujourd'hui plus que jamais l'Artiste a cette mission para-religieuse à remplir: maintenir allumée la flamme d'une vision intérieure dont l'oeuvre d'art sem-ble être la traduction la plus fidèle pour le profane.

Il va sans dire que pour accomplir cette mission le plus haut degré d'éducation est indispensable.

Texte d'une allocution (en anglais) prononcée par M.D. lors d'un colloque or-ganisé à Hofstra le 13 mai I960.

Propos

Ce qui ne va pas en art dans ce pays [U.S.A.] aujourd'hui, et apparemment en France aussi, c'est qu'il n'y a pas d'esprit de révolte - pas d'idées nouvelles naissant chez les jeunes artistes. Ils marchent dans les brisées de leurs prédécesseurs, essayant de faire mieux que ces derniers. En art, la perfection n'existe pas. Et il se produit toujours une pause artistique quand les artistes d'une période donnée se contentent de reprendre le travail d'un prédé-cesseur là où il l'a abandonné et de tenter de continuer ce qu'il faisait.

D'autre part, quand vous choisissez quelque chose appartenant à une période antérieure et que vous l'adaptez à votre propre travail, cette démarche peut être créatrice.

Le résultat n'est pas neuf: mais il est nouveau dans la mesure où il procède d'une démarche originale.

L'art est produit par une suite d'individus qui s'expriment personnellement; ce n'est pas une question de progrès. Le progrès n'est qu'une exorbitante prétention de notre part. Par exemple, il n'y a pas eu de progrès marqué par Corot sur Phidias. Et ‘‘abstrait’’ ou ‘‘naturaliste’’ ne sont qu'une façon de parler à la mode - aujourd'hui. Il n'y a pas de problème: un tableau abstrait peut fort bien ne pas paraitre ‘‘abstrait’’ du tout dans cinquante ans.

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religiosa a cumprir: manter acesa a chama de uma visão interior, em que a obra de arte parece ser a tradução mais fiel para o profano.

Inútil acrescentar que, para cumprir essa missão, torna-se indis-pensável a educação no seu mais alto nível.

Os argumentos enfatizam a crença de Duchamp na responsabilidade do artista quanto ao desenvolvimento de sua capacidade de reflexão e posicionamento crítico diante do que denomina “pragmatismo materialista”, identificado na sociedade na sua época. Esse texto adquire caráter exemplar entre os escritos e notas legados em função do fato de o artista ter se consagrado a banir a imagem do artista-artesão através de sua atuação e, en-tre as suas estratégias, ter optado por fazer publicamente, enquanto Artista, muitas outras coisas além da pintura: publicações, readymades, matemática, partidas de xadrez, viagens e temporadas na montanha, em casa de amigos, e multiplicando suas atividades enquanto agente, na arte, prestando consultorias para colecionadores na compra de obras, fazendo curadorias de exposições e marcando presença no mundo da arte, em Nova York. Enquan-to isso, deu continuidade por vinte anos consecutivos (de 1946 a 1966), em segredo, à sua grande obra, Étant donnés: 1° la chute d’eau / 2° le gaz d’éclairage.

Qual a atualidade, ainda hoje, desse texto provocador? Dos anos sessenta a 2010, passaram cinquenta anos, a arte transformou de maneira radical seus modos operatórios. Duchamp foi, sabemos, um dos principais responsáveis na arrancada da conversão da arte moderna naquilo que denominamos “arte contemporânea”3, em consonância, decerto, com

as profundas mudanças promovidas pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e das reviravoltas sociais em razão da crescente globalização.

É interessante observar a ideia de Duchamp – neste texto histórico no qual grafa o termo Artista com “A”, em caixa-alta,– sobre o papel do artista na socieda-de, na defesa de valores humanistas. Donde a pertinência de trazê-lo na tentativa de responder à solicitação temática do dossiê da presente edição da marcelina, a saber: analisar as questões que permeiam a profissão de artista e o ensino da arte, face às contingências da cultura globalizada. Diante da complexidade do tema, introduzimos três perguntas para direcionar as reflexões:

1. O que significa, hoje, ser artista? 2. O que se espera, do artista de hoje?

3. Os currículos dos cursos de artes visuais respondem aos encaminhamentos da arte contemporânea?4

3 Cf. Ver Anne Cauquelin sobre arte contemporânea.

4 Ver a esse respeito Mirtes Marins de Oliveira. ‘‘Formação do artista no século 21’’. Revista Trópico http://p.php.uol.com. br/tropico/html/textos/3174,1.shl.

(22)

[…]

Le Futurisme était un impressionnisme du monde mécanique, C'était la suite directe du mouvement impressionniste. Cela ne m'intéressait pas. Je voulais m'éloigner de l'acte physique de la peinture. Pour moi le titre était très important. Je m'attachai à mettre la peinture au service de mes objectifs, et à m'éloigner de la ‘‘physicalitè’’ de la peinture.

Pour moi Courbet avait introduit l'accent mis sur le côté physique au XIXe siè-cle. Je m'intéressais aux idées - et pas simplement aux produits visuels. Je voulais remet-tre la peinture au service de l’esprit. Et ma peinture fut, bien entendu, immédiatement considérée comme ‘‘intellectuelle’’, ‘‘littéraire’’.

I1 était vrai que je tâchais à me situer aussi loin que possible des tableaux phy-siques ‘‘agréables’’ et ‘‘attirants’’. Cette situation extrême fut considérée comme littéraire. Mon Roi et Reine représentaient un roi et une reine d'échecs.

En fait jusqu'à ces cent dernières années, toute la peinture était littéraire ou religieuse: elle avait été mise au service de l'esprit. Cette caractéristique s'est peu à peu perdue au cours du siècle dernier Plus un tableau faisait appel aux sens - plus il devenait animal - plus i1 était prisé. Ce fut une bonne chose d'avoir eu le travail de Matisse pour la beauté qu'il rayonnait. Et pourtant il a créé une nouvelle vague de peinture physique en ce siècle ou du moins maintenu la tradition que nous avons héritée des maîtres du XIXe siècle.

3

Dada fut la pointe extrême de la protestation contre l'aspect physique de la peinture. C'était une attitude métaphysique. Il était intimement et consciemment mêlé à la ‘‘littérature’’. C'était une espèce de nihilisme pour lequel j'éprouve encore une grande sympathie. C’était un moyen de sortir d'un état d'esprit - d'éviter d'être influencé par son milieu immédiat, ou par le passé: de s'éloigner des clichés - de s’affranchir. La force de vacuité de Dada fut très salutaire. Dada vous dit: ‘‘N'oubliez pas que vous n'êtes pas aussi vide que vous le pensez !’’ D'habitude un peintre confesse qu'il a ses jalons. I1 va d'un jalon à l'autre. En fait, il est l'esclave de ses jalons - même s 'ils sont contemporains.

Dada fut très utile comme purgatif. Et je crois en avoir été profondément conscient à l'époque et avoir éprouvé le désir de me purger moi-même. Je me rappelle certaines conversations avec Picabia sur ce sujet. Il était plus intelligent que la plupart de mes contemporains. Les autres étaient pour ou contre Cézanne. Personne ne pensait qu` il pût y avoir quelque chose au-delà de l'acte physique de la peinture. On n’enseignait aucune notion de liberté, aucune perspective philosophique. Naturellement, les Cubistes étaient fertiles en inventions à ce moment-là. Ils avaient assez de chats à fouetter pour ne pas s'inquiéter de perspective philosophique ; et le Cubisme m'a donné beaucoup d'idées

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Seguem algumas hipóteses para postular o curso “ideal” e desejado, com vis-tas a parâmetros aptos a responder aos anseios dos jovens na sua preparação para exercer uma carreira artística. É fato corriqueiro, hoje, que artistas frequentem univer-sidades, assim como grande parte dos cursos de artes visuais esteja nelas concentradas. Além disso, a formação do artista na universidade não se restringe aos estudos em ba-charelados e licenciaturas: a pós-graduação stricto sensu com suas formações em nível de mestrado e doutorado tem atraído bons artistas e adquirido importância crescente diante da necessidade de consolidar conhecimentos teóricos e adensar processos artís-ticos desenvolvendo metodologias de pesquisa.

Não se trata, portanto, diante da realidade que se coloca, no Brasil e no mun-do, de conjeturar se o artista deve ou não cursar a universidade: o jovem artista está inserido nesse contexto desde que busque um aprofundamento de seus estudos an-teriores, e também se encontrará no contexto universitário caso opte por seguir uma carreira paralela, como a de professor e pesquisador. Antes, contudo, de elaborar qual-quer formulação ou proposta sobre o que se espera em termos de formação do artista, cabe pensar o que significa, hoje, ser artista.

Tenhamos em mente que nem sempre fora assim e também a discrepância da situação do século XIX, quando artistas se formavam em um contexto, aparentemente mais confiável, de transmissão e conservação de um ofício cuja natureza e contornos eram admitidos e reconhecidos. Enquanto a figura do artista foi claramente identifi-cável em carreiras definidas (pintor de paisagem, retratista de monarcas ou da Igreja, escultor de encomendas públicas ou gravador, por exemplo), a pergunta o que significa

ser artista não tinha muita relevância, uma vez que, desde que tivesse recebido certa

legitimidade por suas habilidades técnicas e adquirido prestígio pela originalidade de sua obra, o artista tinha seu papel socialmente garantido.

Hoje, no entanto, podem ser verificadas várias maneiras de desempenhar uma carreira artística — entre elas algumas ainda conservam traços mais tradicionais, outras estão em vias de formação e consolidação, outras, ainda, mantêm-se presentes. Mas surge com clareza a afirmação de uma figura artística sem precisão, sem lugar assegurado na sociedade contemporânea. A constatação dificulta a tarefa de tecer con-siderações a respeito do que significa ser artista, hoje. Yves Michaud5 aponta um

para-doxo: “a necessidade da arte e do artista nunca é discutida, mas nem por isso é clara, na sociedade”. Podemos argumentar que não concebemos imaginar uma sociedade sem arte, e então vamos atribuir crédito quando esse autor afirma que “parece evidente que tanto a arte quanto os artistas são necessários e constituem, em certo sentido, a saúde do corpus social. Apesar disso, não há debate que discuta por que é preciso que haja arte e artistas”.

5Yves Michaud, Enseigner l’art? Paris: Jacqueline Chambon, 1993.

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relatives à la décomposition des formes. Mais je pensais à l'art sur une autre échelle. On discutait ferme à l'époque de la quatrième dimension et de la géométrie non-eucli-dienne. Mais la plupart des gens considéraient ces problèmes en amateurs. Metzinger s'y intéressait particulièrement. Et, en dépit de tous nos malentendus ces idées nouvelles nous aidèrent à prendre nos distances à l'égard des banales habitudes de penser - des platitudes de café et de studio.

Brisset et Roussel étaient les deux hommes que j'admirais le plus en ces an-nées pour leur imagination délirante. Jean-Pierre Brisset avait été découvert par Jules Romain grâce à un livre qu'il avait trouvé sur les quais. L'oeuvre de Brisset était une analyse philologique du langage - analyse conduite par un incroyable réseau de ca-lembours. C'était une manière de Douanier Rousseau de la philologie. Romains le présenta à ses amis. Et ceux-ci, comme Apollinaire et ses compagnons, organisèrent une manifestation en son honneur au pied du Penseur de Rodin devant le Panthéon, où il fut acclamé Prince des Penseurs.

Mais Brisset fut un être vrai qui vécut pour être ensuite oublié. Roussel aussi suscita mon enthousiasme d'alors. Je l'admirais parce qu'il apportait quelque chose que je n'avais jamais vu. Cela seul peut tirer de mon être le plus profond un sentiment d'ad-miration - quelque chose qui se suffit à soi-même - rien à voir avec les grands noms ou les influences. Apollinaire fut le premier à me montrer les oeuvres de Roussel. C'était de la poésie. Roussel se croyait philologue, philosophe et métaphysicien. Mais il reste un grand poète.

C'est Roussel qui, fondamentalement, fut responsable de mon Verre, La Mariée

mise à nu par ses célibataires, même. Ce furent ses Impressions d'Afrique qui

m'indiquè-rent dans ses grandes lignes la démarche à adopter. Cette pièce que je vis en compagnie d'Apollinaire m'aida énormément dans l'un des aspects de mon expression. Je vis immé-diatement que je pouvais subir l'influence de Roussel. Je pensais qu'en tant que peintre, il valait mieux que je sois influencé par un écrivain plutôt que par un autre peintre. Et Roussel me montra le chemin.

Ma bibliothèque idéale aurait contenu tous les écrits de Roussel - Brisset, peut-être Lautréamont et Mallarmé. Mallarmé était un grand personnage. Voilà la direction que doit prendre l'art: l'expression intellectuelle, plutôt que l'expression animale. J'en ai assez de l'expression ‘‘bête comme un peintre’’.

Propos en anglais recueillis par J.J. Sweeney in The Bulletin of the Museum of

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Não se pode negar que a perda de pontos de referência — uma característica de nossa época — acarreta, na formação do jovem artista, para além do domínio de questões técnicas, a necessidade de desenvolver ferramentas conceituais para exercer certa acuidade intelectual, fundada em conhecimentos da teoria da arte e da cultura. Por isso, formulamos a seguinte hipótese: hoje, espera-se do artista, minimamente, o

domínio de um misto de práticas, de técnicas e de conceitos. Tal hipótese se confirma, em

parte, em função de um modo de articulação da arte e da sociedade contemporâneas, em que os dados da história e da cultura funcionam como um grande reservatório à disposição dos artistas e de todos os agentes da cultura. Essas referências, porém, não são processadas de maneira explícita; aparecem de forma codificada, como pontas de icebergs que deixam aparecer na superfície a parcela menor em relação ao que fica submerso. E, uma vez que as referências não são completamente explícitas nas práticas artísticas contemporâneas, espera-se que o artista seja capaz de formular com nitidez o pensamento que dá sustentação a seu processo artístico, que saiba contextualizar um certo número de referências a que seu trabalho faz menção, e que possa, também, exercer alguma capacidade analítica perante a produção de seus pares.

Constitui-se um desafio para os jovens artistas buscar um justo equilíbrio no vaivém constante entre as particularidades do trabalho e suas problemáticas artís-ticas, existenciais, sociais e políticas. É altamente desejável desenvolver a capacidade de

relacionar questões gerais, identificadas na sociedade, e a abstração dos conceitos, com a singularidade da proposta do trabalho e, inversamente, amarrar essa singularidade com as questões que a ultrapassam. Eis o papel da reflexão e da teoria.

Para que um jovem artista possa hoje “existir”, deve saber onde se situa, isto é, saber localizar sua produção em relação à de seus contemporâneos; saber circunscre-ver suas referências e trabalhar em nível consciente certos diálogos e tensões que seu trabalho estabelece com manifestações contemporâneas e paradigmáticas. Uma vez reconhecido que a função e a missão do artista na sociedade contemporânea não são mais claramente identificáveis, e que nem as funções sociais da arte o são, desenvol-ver uma carreira artística requer algo mais: ser artista, hoje, implica saber orientar-se

entre inúmeras possibilidades que são oferecidas — o que reforça a necessidade de um

nível mais aprofundado de reflexão. A íntima relação que a arte do nosso tempo man-tém com as diversas formas de conhecimento, e a cultura em geral, conduz à terceira questão: estariam os currículos dos cursos de artes visuais, oferecidos pelas universidades,

faculdades ou outras instituições, em consonância com os encaminhamentos e direções apontados pela arte contemporânea?

À primeira vista, não há razões para pessimismo, uma vez que a arte brasi-leira não só se encontra em franca ascensão, tanto em termos de qualidade como de visibilidade no país, mas também goza de prestígio internacional. Grande parte dos artistas em atividade, desde a última década, passaram por uma graduação e pós-graduação, ou, no mínimo, a estão cursando. É, portanto, pertinente colocar em

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dência o trabalho, o que se poderia denominar “missão” nos mais diversos programas mantidos pelas universidades. Um curso de artes visuais deve cumprir certas funções visando o desenvolvimento de competências humanas: ensinar, praticar, produzir, re-fletir e pesquisar.

Ensinar significa exercitar um domínio de procedimentos e métodos a ser

colocados em prática. O curso de artes visuais ensina procedimentos e técnicas a ser colocados à prova. Essa aprendizagem está relacionada com a arte num sentido mais amplo: abrange desde o ensino do desenho, das técnicas de pintura, de gravura e fo-tografia, e se estende, atualmente, até as inúmeras possibilidades de tratamento digital de imagens, edição de vídeos assistida por computador, ao domínio ou escrita de pro-gramas para a concepção de instalações interativas ou propostas na web, por exem-plo. É imenso o número de procedimentos e processos que um jovem artista pode aprender, se considerarmos o legado de técnicas utilizadas num momento ou outro, em diversos períodos, aqui ou lá, na história da humanidade, somadas ao crescimento exponencial de possibilidades abertas com o advento da tecnologia. Se considerarmos procedimentos híbridos, concebidos por cruzamentos de operações, apropriações e deslocamentos de técnicas e conceitos de outros campos do conhecimento ou científi-cos (tais como informática, robótica, medicina, antropologia, sociologia, biologia, ge-nética), as opções se alargam ainda mais. Para o jovem artista, é muito bem-vinda toda possibilidade de investigar e testar invenções a serviço de suas ideias. Mas, para além das questões técnicas, é fundamental desenvolver a capacidade de articular um projeto pessoal com demandas, questões, contradições e tensões identificadas no mundo e na sociedade contemporânea.

Nesse sentido, o currículo dos cursos de graduação deveria, além de ensinar e transmitir técnicas, criar espaços para experimentações, práticas e produção artísticas. No âmbito de uma formação de qualidade, contam muito a intensidade do fazer e o clima de entusiasmo entre os participantes. Portanto, enquanto lugar de produção, os cursos de artes visuais devem acolher e propiciar condições de trabalho para um número significativo de praticantes. Esse fator deve-se, em parte, à presença de profes-sores-artistas no corpo docente, sem deixar de mencionar os críticos e teóricos e, em outra parte, à presença de estudantes munidos de boas pesquisas. O reconhecimento da produção leva em conta uma qualidade baseada em critérios de originalidade, re-levância cultural, referencialidade dentro do campo da arte e da reflexão; revela-se na repercussão pública da produção de seu quadro docente e no caráter promissor do trabalho dos estudantes.

É preciso considerar, porém, uma certa cisão entre o encadeamento das es-truturas curriculares da graduação e da pós-graduação, que se averigua em inúmeras universidades brasileiras. Verifica-se que os currículos da graduação são mais orien-tados à aquisição de habilidades técnicas iniciais para o desenvolvimento da carreira artística, guardando resquícios acentuados da academia de Belas-Artes nos moldes do

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século XIX, organizada através do aprendizado de técnicas em ateliês, que correspon-dem às categorias tradicionais da arte. Por outro lado, constata-se, na pós-graduação, o encaminhamento de uma produção artística para metodologias de pesquisas arti-culadas com conhecimentos interdisciplinares estabelecidos a partir da articulação do campo de ação com estudos teóricos solidamente ancorados. A cisão entre estudos propostos pela graduação e pós-graduação poderia ser resumida assim: na graduação, pratica-se; na pós-graduação, pesquisa-se e aprofunda-se a reflexão teórica.

Na qualidade de lugar por excelência de ensino de técnicas e de prática, os cursos de artes visuais deveriam considerar a possibilidade de fluência maior entre os currículos da graduação e da pós-graduação, e abrigar em ateliês e laboratórios um conjunto de meios técnicos e tecnológicos especializados, apoiados também por se-minários e amplos debates acerca dos fundamentos teóricos. Nunca é demais reforçar, numa situação em que, na arte contemporânea, cruzam-se indissociavelmente práticas, técnicas, reflexões, saberes e pensamentos, a necessidade de uma boa formação teórica para desenvolver habilidades intelectuais coerentes com algum domínio técnico.

Ateliês e laboratórios, base de sustentação do ensino na graduação, são im-prescindíveis, mas devem ser também colocados à disposição de pequenos grupos de estudantes, sob a supervisão de formadores competentes, na pós-graduação. Inversa-mente, uma boa formação teórica, ministrada nos ateliês e laboratório da graduação na forma de seminários com base na leitura de textos sólidos e na visita à produção de artistas por meio de imagens e depoimentos, orais e escritos, por exemplo, prestaria serviços inestimáveis à consistência e qualidade das propostas artísticas desde a gradu-ação. Para incentivar os jovens artistas, uma formação respaldada por bases teóricas é fundamental, mais ainda: é essencial que essa iniciação possa se dar desde os primeiros semestres, nos cursos de graduação.

Se reconhecemos que as manifestações da arte contemporânea não pressu-põem a existência de um estilo ou de um conjunto de regras adotadas a priori, qual-quer procedimento ou operação pode ser validado, desde que respaldado por referên-cias no campo e constatada a coerência com a trajetória do artista. Se persistimos em pensar que ser artista supõe uma maneira própria de ser; que implica ser inovador e crítico ao mesmo tempo e, portanto, presume lucidez intelectual, concordaremos em considerar a formação teórica como fundamental, de par com a formação técnica. Não seria, então, mais operacional supor que os currículos da graduação e da pós-graduação pudessem projetar o aprendizado técnico e a pesquisa, consolidados por conhecimentos teóricos, sem intermitência, nos dois níveis de aprofundamento dos estudos, graduação e pós-graduação?

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Referências bibliográficas

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MICHAUD, Yves. Enseigner l’art? Paris: Jacqueline Chambon, 1993.

OLIVEIRA, Mirtes Marins de. “Formação do artista no século 21”. Seguido de enquete realizada por GIOIA, Mario (com Alex Cerveny, Ana Tavares, Anderson Cunha, Beatriz Milhazes, Carlito Carvalhosa, Maurício Ianês, Laura Belém, Lucia Laguna, Martinho Patrício, Nazareth Pacheco, Oriana Duarte, Paulo Pasta, Regina Parra, Renata Lucas e Xiclet) e CONDE, Ana Paula. ‘‘Arte e política da educação. Entrevista com Charles Watson”. In: revista eletrônica Trópico (www.uol.com.br/tropico), seção “em obras”. TOMKINS, Calvin. Marcel Duchamp: uma biografia. Prefácio de Paulo Venancio Filho. São Paulo: Cosac Naify, tradução de Maria Thereza de Rezende Costa, 2004.

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O ensino de artes e a formação do

artista na academia

Milton Terumitsu Sogabe*

* Milton Terumitsu Sogabe, Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), São Paulo, Brasil. Atua como artista desde 1975 e como docente desde 1976. Coordenador do curso de Bacharelado em Artes Plás-ticas do Instituto de Artes da Unesp (1996/1998-1998/2000) e membro do Conselho desde 2000. Coordenador do programa de pós-graduação em artes do Instituto de Artes da Unesp (2005-2007) e membro do Conselho desde 2007. Foi vice-diretor do Instituto de Artes da Unesp (2000-2004). Integra comissões da Capes na área de artes e é parecerista da Fapesp, CNPq e Capes.

Palavras-chave arte/academia; artista; bacharel; formação. Key words art/ academy; artist; bacharel; training.

Resumo: O texto discute questões do ensino de arte na academia, e sua

relação com a formação do artista. Apresenta transformações na figura do artista/professor para o de pesquisador/artista e insere a formação do artista num contexto mais amplo que o da academia. Discute tam-bém o perfil do egresso do bacharelado em artes visuais.

Abstract: This paper discusses some key issues in teaching art in classroom and its relation to training artist. It presents changes from the artist/teacher to researcher/artist and includes learning process in a wider context. It also deals with the profile of the ba-charel degree in visual arts.

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A discussão sobre a formação do artista ultrapassa a relação entre arte e academia. O sistema de arte é constituído por vários agentes (artistas, críticos, museus, galerias, es-colas, público, mercado e mídia) que influenciam o sistema e são influenciados simul-taneamente, (re)definindo conceitos e comportamentos, construindo visões de mundo e determinando o que é arte e artista. Refletir sobre esse sistema é uma tarefa complexa que só podemos fazer por partes, delimitando certos contextos, mas tendo em mente o reconhecimento dessa conexão que excede o lugar da academia. O contexto proposto aqui é o do ensino de arte e da formação do artista na academia, uma discussão constan-te, em virtude dos dilemas que ainda apresenta a relação desses elementos.

Fazer um curso de arte numa universidade para se tornar um artista parece ser algo óbvio, porém na prática não é o que acontece, uma vez que nem todos, ou pouquís-simos, egressos tornam-se artistas. Por outro lado, conhecemos vários artistas consagra-dos que nunca frequentaram uma escola e não possuem nenhum diploma em artes. Os caminhos para a formação do artista não parecem ser preestabelecidos, mas também não podemos descartar que a graduação em artes não seja um dos caminhos possíveis. Antes de iniciarmos especificamente a questão da arte na academia, acentuamos nova-mente que a formação de um artista ultrapassa esse contexto, haja vista as biografias dos mais diversos artistas, do popular ao erudito, abrangendo as mais variadas linguagens.

O que define o artista é uma produção valorizada e reconhecida pelo sistema de arte. Essa conquista não requer um único caminho, tampouco é garantida por ele. Há o caminho do autodidata, que aprende por paixão e força de vontade, buscando informações e experimentações para construir uma obra a ser inserida no sistema de arte. Geralmente esse indivíduo possui formação em outra área, mas acaba dedican-do-se também, ou exclusivamente, à arte, caso obtenha subsistência financeira com esse trabalho. Os artistas populares, em sua maioria, também possuem esse tipo de formação, que se insere no contexto do artesanato, mas que pode ganhar destaque e relevância internacional, mesmo no sistema oficial da arte.

A relação mestre/discípulo, que proporciona a convivência e aprendizado com um artista já constituído, ainda é uma forma tradicional de formação do jovem artista. O discípulo é uma figura frequente para propagar as ideias e influências de um artista.

Há também os cursos livres, geralmente voltados para técnicas específicas. Há muitas escolas de arte, centros culturais, museus e até mesmo universidades com cur-sos de arte de curta duração com conteúdos específicos em desenho, pintura, gravura, escultura e história da arte. Alguns artistas oferecem cursos em seus ateliês, podendo envolver-se com os alunos na relação já mencionada mestre/discípulo, de forma mais amena, porém, a produção do aluno quase sempre adquire as características marcan-tes do “mestre” ou professor. Já o ensino formal, por meio de bacharelados ou licen-ciaturas em arte, busca sistematizar as disciplinas, assim como todas as informações teóricas e práticas sobre arte para a formação do “artista” e/ou professor de arte.

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Embora possamos encontrar artistas com formações diversificadas, estas se encontram basicamente dentro dos percursos acima mencionados. A qualificação ou desqualificação genérica de uma ou outra é relativa, dada a presença de importantes artistas em todos esses trajetos de formação.

Os cursos podem oferecer informações e experimentações artísticas de for-ma sistefor-matizada, e todos podem aprender as for-mais diversas linguagens, conhecer a história da arte, discutir conceitos e fatos contemporâneos, mas a formação do artista nunca deixará de abranger um histórico de vida, vivências pessoais que vão construir uma poética, uma visão de mundo do ponto de vista de um artista, sem o qual não se constrói um conjunto de obras e não se conclui efetivamente a formação.

Conhecer arte e dominar uma linguagem plástica ou visual, assim como um diploma de bacharel em arte, não assegura a construção de uma obra que tornará o indivíduo um artista aceito e reconhecido dentro do sistema de arte. A riqueza da arte é a diversidade, como o próprio processo da vida e toda obra de arte é um autorretrato, produto da rede, das conexões mentais (Salles, 2006) que o indivíduo constrói através da sua vivência e canaliza para sua poética, e isso não parece ser possível de ensinar em nenhuma escola, que no máximo poderá proporcionar as condições de um ambiente complexo para que isso possa acontecer. O ensino de arte é essencial, uma vez que ali-menta o sistema com indivíduos que vão atuar de diversas maneiras e de acordo com seus sonhos, projetos e pensamentos a respeito do que deva ser arte e que provocam mudanças constantes nesse sistema.

O ensino de arte na academia

Na academia, o ensino de arte acontece atualmente através dos bacharelados e das licenciaturas em arte. Muitos cursos oferecem ao licenciado praticamente a mesma formação do bacharel, diferenciando-se pelas disciplinas pedagógicas e uma ou outra disciplina específica exclusiva do bacharelado. Outra possibilidade é a formação du-pla, na qual o formando pode obter dois diplomas em quatro anos, realizando todas as disciplinas, ou em cinco anos ou mais, completando na sequência seu currículo em outra modalidade. Dessa forma, tanto o bacharel quanto o licenciado possuem a mes-ma formes-mação na parte do conhecimento das linguagens artísticas, o que não acontecia antes na Educação Artística polivalente.

A licenciatura em arte, modalidade com maior discussão (Pimentel, 1999), é um curso com objetivos mais definidos, e tem teoricamente um profissional da educa-ção cujo objetivo é atuar no ensino de arte, no ensino fundamental, médio e também no ensino superior, embora neste último seja suficiente ser bacharel. Este é um fato es-tranho, pois o docente de nível superior não necessita ter noções do processo de ensino e aprendizagem, e geralmente atua intuitivamente, como autodidata, nessas questões pedagógicas, lembrando a tradicional relação mestre/discípulo. Por outro lado, os cursos

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de pedagogia só dizem respeito ao ensino fundamental e médio, não discutindo questões da formação do professor para o ensino superior.

Geralmente, quando o docente ingressa num curso de graduação, sendo licenciado ou não, com experiência ou não, vai direto para a sala de aula, sem ne-nhuma orientação; se é bacharel, encontra dificuldades para apresentar um pro-grama de ensino, tendo de construir ementa, conteúdo programático, metodologia, bibliografia básica e complementar, e critérios de avaliação, uma vez que não possui essa experiência na sua formação de bacharel (Januario, 2010). Além de os cursos atuais de licenciatura permitirem uma formação praticamente igual à do bacharela-do em arte, a licenciatura em si tem um papel importante na questão da formação do artista, pois forma profissionais responsáveis pelos primeiros contatos das crian-ças com a arte. Esse contato inicial, além de outras funções, pode apresentar a arte de uma forma interessante, incentivando, atraindo e desenvolvendo o caminho de futuros artistas. A importância da formação desse profissional é muito discutida e tem avançado graças à contribuição de especialistas (Barbosa, 2002). O mesmo não acontece com a formação do bacharel em artes, que apresenta indefinições na sua caracterização e área de atuação. Embora tenhamos observado, na última década, um esforço de atualização e busca de um direcionamento por meio de reestrutura-ções curriculares, a maioria dos cursos, ou pelo menos a maior parte do currículo, ainda está baseada nas disciplinas das Belas-Artes, que objetivavam formar um ar-tista dentro de uma tradição.

Os conceitos de arte, de obra, de público e de artista mudaram muito neste último século e o século 21 aguarda transformações ainda mais rápidas.

Inserir essas transformações no currículo, com todas as manifestações teóri-cas, científicas e tecnológicas que ajudam a pensar a arte, torna-se a tarefa mais com-plexa. Caso a reestruturação fosse apenas um acréscimo de conteúdo, todos os cursos de tempos em tempos acrescentariam mais um ano na sua formação, o que seria inviá-vel. Quando observamos uma reestruturação de curso, percebemos que ela geralmente se adapta ao corpo docente, o que não permite de fato a construção de um novo curso. Quanto maior for a mudança, maior será a resistência interna. Por outro lado, quando se apresenta um novo curso, com os mesmos docentes, na prática acabam adequando os mesmos conteúdos antigos às novas disciplinas.

A construção de um novo curso significa inserir novos conteúdos, que ne-cessariamente vão diminuir ou eliminar a carga horária de conteúdos julgados mais tradicionais, provocando um impasse dentro do contrato dos docentes: estes não têm mais carga horária suficiente ou ficam sem disciplinas, caso agravado no contexto da instituição pública, onde o docente tem estabilidade garantida, mas deve cumprir uma carga horária mínima. Para a implantação de um novo curso, seria necessária a contratação de novos docentes, a construção de novos espaços, a aquisição de novas

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tecnologias e outros fatores que quase sempre vão encontrar resistência no próprio corpo docente, na burocracia, nas normas e no setor financeiro da instituição.

A necessidade dessas transformações surge quando se percebe que o curso está ficando ultrapassado, mas nunca se dá pelo desejo de criar um curso ousado ou renova-dor. Desde meados do século XX, com a disseminação da tecnologia digital na vida do ser humano, todos os setores e atividades tiveram de se adaptar ao novo ambiente. Para a educação, isso teve o efeito de um tsunami, uma vez que ela prepara os profissionais para atuarem nesse ambiente. A partir desse momento, iniciou-se a corrida por transformações que não cessam por causa das frequentes ondas de inovação tecnológica. No nosso coti-diano, a ficção perde espaço para a realidade que a ciência e a tecnologia constroem a todo momento. Os processos de ensino e aprendizagem numa cultura da informação, na qual o conhecimento humano se acumula num sistema on-line e onde praticamente todos estão ou estarão conectados, precisam ser discutidos e adaptados a essa nova realidade ou, se possível, adiantar-se a ela.

Hoje encontramos na sala de aula mais uma crise de gerações do que uma crise tecnológica, pois a tecnologia digital já está totalmente presente em nosso cotidiano. Mas encontramos resistências por parte dos docentes que não se adaptaram ao novo contexto, e que se defrontam com os hábitos dos alunos que já nasceram nesse ambiente digital. Para o docente inflexível, a forma certa de aprender será sempre a forma como aprendeu. Essa distância em sala de aula parece configurar uma situação eterna, pois os professores vivem e são educados em uma situação e ensinam com seus próprios refe-renciais, sem se adaptar aos alunos e ao novo contexto. As transformações tecnológicas acontecem cada vez mais rapidamente, ao contrário de outras tecnologias que chegavam a perpassar várias gerações. Essa velocidade exponencial chega a criar novas situações para uma mesma geração, e transmite a sensação de estarmos constantemente ultra-passados, não integrados, sem entender as possibilidades que passam a ser de uso quase natural para os alunos que nasceram dentro delas. Novas tecnologias existem apenas para aqueles que nasceram antes dessas tecnologias surgirem.

A função do professor apenas como transmissor oral de informações torna-se obsoleta, pois a geração que está chegando agora na universidade nasceu com a web na década de noventa e está acostumada a pesquisar em documentos hipermidiáticos

on-line, onde são disponibilizadas cada vez mais informações, diferentemente de uma época

em que poucos conseguiam publicar, e os livros eram caros e difíceis de ser adquiridos pela grande maioria. O acesso à informação era difícil em vários sentidos, e atualmente um simples clique nos leva aos mais diversos universos, sem limitadores geográficos ou temporais. No contexto atual, o professor parece ter a função de um organizador das discussões e orientador das pesquisas. A aquisição de conhecimento acontece de diversas formas, de acordo com as mudanças nas formas de produção, armazenamento e divul-gação (acessibilidade) da informação, afetando o conceito de aula, e reformulando o

onde, o como e o quando uma experiência de aprendizagem pode acontecer.

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Bacharelado em artes

Em geral, os cursos de graduação trabalham a partir de um projeto pedagógico, onde são descritos a filosofia e os objetivos do curso, junto com todos os detalhes da formação do “profissional” desejado, definindo competências e habilidades do egresso, e até mesmo quais as atividades que poderá desempenhar na sociedade. Em artes, encontramos uma amplitude e generalização das características e dos campos de atuação do artista que apontam para um profissional polivalente, deixando transparecer que o curso não de-fine de fato onde os egressos atuam. O acompanhamento dos egressos poderia oferecer um material rico para a verificação dessas atividades. Talvez, como em todas as áreas, só uma pequena porcentagem de indivíduos consiga manter-se na sua área de formação, mas, em artes, nunca houve preocupação com esse tipo de estatística. Esse fator impos-sibilita uma reflexão acerca dos egressos dos cursos de arte. Ora, seu perfil é essencial no projeto pedagógico, pois toda a filosofia, a estrutura curricular e o funcionamento do curso serão montados em busca da melhor formação desse indivíduo.

O curso de bacharelado em artes visuais teoricamente forma um artista; na prática, sabemos que o formando não será necessariamente um artista e atuará em outras áreas, como o design e a área de comunicações em geral, porém sem passar por essas formações específicas. Embora o artista seja caracterizado por um “instinto vi-sionário e criativo”, que aponta e constrói o futuro, os cursos de arte parecem sempre correr atrás da atualização do presente. São raras as propostas ousadas e inovadoras. Mesmo assim, os cursos de graduação em artes são os mais completos para quem quiser fazer e estudar arte, pois o conhecimento existente na área é sistematizado em disciplinas teóricas, e disciplinas que se constituem no ensino e experimentação das diversas linguagens artísticas. As disciplinas ou as atividades em “sala de aula” não são a única parte do ensino de arte na academia.

O fato de várias pessoas, de interesses em comum, encontrarem-se diariamente no mesmo ambiente possibilita uma “intimidade” que contribui para a rede de cone-xões que constitui a visão de mundo de cada um, embora isso resulte em padroniza-ções e comportamentos, como via de regra sucede em outras áreas. Também podemos entender essas padronizações como uma construção coletiva que caracteriza a área. As discussões sobre os fatos do cotidiano nesse contexto ajudam a formação de juízos de va-lores que estarão presentes nas atitudes, nos trabalhos de arte e no pensamento de cada indivíduo. A convivência com os docentes também é importante, pois neles os alunos encontram referenciais e a oportunidade de colaborar em projetos, permitindo um ama-durecimento. A previsão de um “espaço e tempo” para que essa situação possa acontecer não costuma fazer parte da estrutura curricular, mas é importante existir, pois o docente é um agente próximo que faz a ponte com o sistema da arte.

Há também as “atividades programadas” que, de acordo com o perfil de cada aluno, possibilitam a vivência em projetos de extensão, de pesquisa ou de estágio,

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mitindo um aprendizado na própria atuação em campo. Para isso, são necessários con-vênios e parcerias com entidades culturais, museus, galerias, ateliês, empresas e toda a sociedade, de modo geral. Tal como o estudante de licenciatura que adquire experiên-cia quando efetua estágios nos colégios ou do estudante de medicina que acompanha os pacientes no hospital durante a sua residência, o bacharel em arte precisa vivenciar diversos ambientes do sistema de arte durante a sua formação. Embora a extensão seja a parte mais fraca no tripé ensino, pesquisa e extensão da universidade, o projeto de estreitar o vínculo do ensino e da pesquisa em trabalhos de campo, com grupos da comunidade, tem proporcionado um envolvimento social maior dos alunos.

Docente de arte no ensino superior

No início dos anos setenta, encontramos um tipo de artista que atua no mercado de arte e enxerga no ensino uma atividade paralela, embora sua atividade principal fosse a maior parte do tempo realizada dentro de seu ateliê. Muitos desses docentes não tinham sequer uma graduação em artes plásticas, fato corrente também na área da música e do teatro. Atualmente, é difícil um docente que não tenha mestrado ingressar em instituições privadas; nas instituições públicas, é exigido o doutorado.

O perfil do professor dos cursos de arte no ensino superior transformou-se logo após os anos setenta. Hoje, em vez do artista/docente, encontramos o pesquisa-dor/artista, que vem de uma formação e carreira acadêmicas, ganhou novas responsa-bilidades, diminuiu seu tempo no ateliê para assumir atividades relacionadas a pesqui-sa, extensão e gestão, além do ensino em si. Esta nova situação aconteceu em função da transformação da arte como parte de uma área de conhecimento (linguística, letras e artes) e teve de se enquadrar no contexto da pesquisa acadêmica, para conquistar o respeito almejado.

A participação da arte na formação do indivíduo passa de algo recreativo e de livre expressão para o aprendizado de uma linguagem e construção de conheci-mento. Estudar e pesquisar arte passa a fazer parte do contexto da academia e da pós-graduação, que não existia no Brasil até 1974, quando surgiu o mestrado em artes na ECA/USP e depois o doutorado em 1980. Porém, o desenvolvimento dos programas de pós-graduação nessa área aconteceu só a partir dos anos noventa, e atualmente existem dezoito programas espalhados pelo Brasil, com uma demanda cada vez maior para o ingresso nesses cursos (Capes, 2010). Uma das áreas mais novas no campo da pesquisa acadêmica, a arte continua sendo vista de modo tradicional, dentro da aca-demia, como manifestação subjetiva de pura expressão, produto de iluminação sem nenhum critério científico. A imagem de uma escola de arte, mesmo dentro da aca-demia, pouco tem a ver com pessoas estudando história da arte, estética, psicologia, sociologia, crítica de arte, discutindo questões da sociedade contemporânea e fazendo pesquisas. Ainda predomina a ideia de pessoas jogando tinta nas paredes, cantando, dançando e correndo livremente pelos corredores e, embora isso também deva

Referências

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