• Nenhum resultado encontrado

Flavio de Carvalho: experiências romanas

No documento Marcelina 4 (páginas 109-124)

Veronica Stigger*

Palavras-chave Flavio de Carvalho; New

Look; experiência; moda;

Roma. Key words Flavio de Carvalho;

New Look; experiments;

fashion; Rome.

Resumo: Em novembro de 1956, Flavio de Carvalho realizou uma

exposição de suas obras na Galleria L’Obelisco, em Roma. O artista aproveitou a ocasião do vernissage para fazer a primeira apresentação internacional do seu traje tropical, o New Look. No entanto, ao con- trário do que aconteceu em São Paulo quando da primeira exibição do traje (e igualmente contrariando a expectativa revelada por Flavio de Carvalho em entrevistas anteriores à viagem), em Roma não cau- sou comoção. Em alguma medida, esta ausência de escândalo diante de uma proposta tão provocativa se explica pelo ambiente romano à época, dominado pelas reações e manifestações contra a invasão da Hungria pelas tropas soviéticas.

Abstract: In November 1956, Flavio de Carvalho held an exhibition of

his works at the Galleria L’Obelisco, Rome. The artist used the occasion of the vernissage to make the first international presentation of his tropi- cal attire, the New Look. However, unlike what happened in São Paulo when the costume was presented for the first time (and also contrary to the expectations expressed by Flavio de Carvalho in interviews prior to travel), in Rome it did not cause any commotion. To some extent, this lack of scandal before a proposal so provocative is explained by what was hap- pening in Rome at that time: above all the reactions against the invasion of Hungary by Soviet troops.

* Veronica Stigger é pesquisadora, crítica de arte e escritora. É doutora em teoria e crítica da arte pela ECA/USP e professora junto à pós-graduação em história da arte da Faap. O presente texto é resultado parcial de suas pesquisas de pós-doutorado, realizadas junto à Università degli Studi di Roma “La Sapienza”, com bolsa concedida pela Fapesp.

C

ADERNO DO A

UT

De São Paulo a Roma

Em 18 de outubro de 1956, às 15 horas de uma quinta-feira, Flavio de Carvalho des- ceu de seu escritório na rua Barão de Itapetininga para lançar, com um passeio pelas ruas do centro de São Paulo, o traje que havia concebido para os homens dos trópicos. Batizado New Look1, compunha-se de saiote, blusão armado de mangas bufantes, meia

arrastão, chapéu branco e sandália de couro. O tecido de base era o que havia de mais moderno na época: nylon. O conjunto, segundo o próprio Flavio de Carvalho, além de libertar o homem dos ternos e das gravatas, avessos tanto ao clima tropical brasileiro quanto à vida contemporânea, possibilitaria uma diferença de temperatura de cinco graus centígrados entre a roupa e o ambiente: “A nova moda para o verão leva prin- cipalmente em consideração a ventilação do corpo e esta impede o empastamento do suor sobre a pele promovendo a evaporação rápida do mesmo e diminuindo a sensa- ção de calor”. (Carvalho, 1992, p. 6). Uma horda de repórteres, fotógrafos e curiosos seguiu o artista em seu desfile pelas ruas da cidade. Para Flavio de Carvalho, era im- prescindível aproximar suas criações da população: “Não sou um homem de gabinete, acho que para melhor compreender o homem e o seu comportamento é necessário contato emotivo com as multidões. Há necessidade de obter reações vivas e diretas e inesperadas para melhor compreender o comportamento do homem”. (Carvalho apud Dantas, 1957, p. 10.)

No dia seguinte à apresentação do traje com a caminhada pelas ruas de São Paulo, Flavio de Carvalho proferiu uma palestra no Clube dos Artistas e Amigos da Arte, o Clubinho, para expor as vantagens da nova vestimenta masculina. No dia 24 daquele mesmo mês e ano, promoveu ainda o Baile do Traje do Futuro, que se realizou no mesmo local. Um dia depois, embarcou para Roma para abrir sua primeira expo- sição individual na Europa, a qual teria lugar na Galleria L’Obelisco entre 1° e 15 de novembro. Levava na bagagem o seu tão controverso New Look.

No Brasil, o lançamento de seu costume masculino de verão fora recebido com estardalhaço, provocando escândalo, mas também aplauso. Personalidades como Assis Chateaubriand, Manuel Bandeira, Francisco Matarazzo Sobrinho, Eleazar de Carvalho, entre outros, apoiaram a ideia, mas não chegaram a vestir a roupa criada pelo artista. No baile de lançamento do New Look, no Clubinho, o engenheiro Silio- ma Selter e outras celebridades da época, como José Vergueiro, Ciro Alves Cardoso e Ary Torelli, envergaram suas próprias versões para o traje de verão, todas elas com o indefectível saiote (OD, 1956 [28 out.], p. 11). A repercussão do evento no Exterior (J. Toledo, biógrafo do artista, conta que havia três correspondentes de jornais estrangei- ros na cobertura do lançamento do New Look em São Paulo: um dos Estados Unidos, outro da Argentina e o terceiro da Itália) fez com que os escritores italianos Giuseppe

1 O nome do traje fazia uma inequívoca referência ao famoso modelo criado por Christian Dior, quase dez anos antes, em 1947: com cintura marcada e ampla saia évasée, o New Look de Dior produziu uma revolução no guarda-roupa feminino, o qual, depois do fim da Segunda Guerra Mundial, tendia para as formas retas e masculinas.

111 Flavio de Carvalho: experiências romanas |Veronica Stigger

Ungaretti e Alberto Moravia convidassem, por carta, Flavio de Carvalho a apresentar sua roupa em Roma, onde, garantiam, desfilariam a seu lado (Toledo, 1994, p. 514). E as reportagens que acompanharam o desfile do New Look pelo centro de São Paulo já anunciavam o iminente lançamento do traje em Roma (cf. DP, 1956 [19 out.], p. 3; FM, 1956 [19 out.], p. 1; FT, 1956 [25 out.], p. 1), bem como os planos grandiosos que Flavio de Carvalho tinha para o seu retorno: organizar um “desfile monstro” em São Paulo, com duzentos modelos e repetir a experiência no Rio de Janeiro (cf. FM, 1956 [19 out.], p. 1). Flavio de Carvalho partiu do Brasil acreditando que sua roupa teria uma semelhante recepção estrepitosa em terras italianas. Em declaração à Folha

da Manhã (1956 [19 out.], p. 1), afirmou: “Os italianos vão adorar. E os demais euro-

peus também não demorarão em tocar fora esses incômodos aparelhos de tortura que vocês estão usando”. Sua convicção do sucesso que faria no exterior estava respaldada na quantidade de espaço que os jornais e as revistas brasileiras lhe dedicaram. Afinal, como bem observou O Dia (1956 [28 out.], p. 11), em matéria sobre o Baile do Traje

do Futuro, “a moda foi definitivamente lançada, a cortina do preconceito rasgada e o

fabuloso Flavio de Carvalho voltou a ser manchete de jornais e revistas, apesar de Suez, Hungria, Polônia, Adhemar, Janio e Arrelia…”.

Por que Roma?

Mas, entre todas as possíveis cidades estrangeiras, por que Flavio de Carvalho esco- lheu Roma para o lançamento de seu novo traje? Por um lado, há razões contingentes para essa escolha: Flavio de Carvalho já tinha agendada a abertura de sua exposição na Galleria L’Obelisco e, segundo o próprio artista (Toledo, 1994, p. 514), Ungaretti e Moravia haviam-no convidado a realizar o lançamento de seu traje na capital italiana. Afora isso, talvez não houvesse lugar mais apropriado na Europa para a apresentação de sua roupa: além de ter sido confeccionada por uma costureira italiana, Maria Fer- rara, conhecida modista dos balés do IV Centenário, a própria concepção do traje pa- recia indicar uma especial ligação com a Itália. Em várias das entrevistas que concedeu na ocasião do lançamento em São Paulo, Flavio de Carvalho enfatizou que seu New

Look havia sido inspirado em “costumes egípcios, romanos e medievais” (CP, 1956 [19

out.], p. 1)2. Não por acaso, diante da primeira aparição pública envergando sua nova

roupa, os jornais disseram que Flavio de Carvalho estava “lembrando as estátuas dos senadores romanos” (FM, 1956 [19 out.], p. 1) e não titubearam em descrevê-lo desta forma: “O porte, com traje e tudo, parecia de um patrício romano ou de um impera- dor, conforme a opinião de quem o observava após o impacto emocional dos instantes iniciais.” (CP, 1956 [19 out.], p. 2). Para completar, não seria numa galeria qualquer de Roma que Flavio de Carvalho montaria sua exposição, mas na galeria de uma das personalidades romanas mais interessantes na época, Irene Brin, figura fundamental na divulgação da moda italiana no exterior, contribuindo — e muito — para a sua

2 O mesmo jornal observou: “Na redação do referido jornal pôs-se à disposição dos repórteres, da televisão e das compa- nhias cinematográficas. A todos, fleugmaticamente, respondia. Baseava suas afirmativas na história da Roma, do Egito e da Grécia, entre outros países da antiguidade”. (CP, 1956 [19 out.], p. 2).

valorização no âmbito internacional. Em função dos trabalhos de Irene Brin como jor- nalista, produtora e crítica, a Galleria L’Obelisco sempre teve um vínculo estreito com a moda: desde a sua inauguração em 1946 emprestou suas instalações para editoriais de moda, promovidos pela própria Irene Brin. Não seria lá, pois, o lugar perfeito para exibir o New Look à Europa e ao mundo?

Se, por um lado, havia razões contingentes, por outro, podemos supor que a decisão do artista de apresentar seu traje em Roma tem razões de outra ordem. Flavio de Carvalho havia esboçado toda uma concepção arqueológica da cultura em seu se- gundo livro publicado, Os ossos do mundo, de 1936 — concepção esta que desenvolveu também no tocante aos aspectos sociológicos, históricos e antropológicos da moda em sua série A moda e o novo homem, composta de 39 artigos veiculados entre 4 de março e 21 de outubro de 1956 (da qual, aliás, resultou a criação de seu traje). Em Os ossos do

mundo, motivado por suas viagens por diversas cidades europeias em 1934, percebe-se

como, na elaboração de uma singular teoria do que poderíamos chamar de arqueologia

filosófica da cultura, Flavio de Carvalho toma como principal ponto de referência a

arte e a cultura italianas, afinal, para ele, “a cultura e o pensamento do continente eu- ropeu se desenvolveram através de um ponto fraco na península itálica; a decadência do Império Romano.” (Carvalho, 2005, p. 106). Não por acaso o mais extenso ensaio de Os ossos do mundo traz uma longa meditação sobre o caráter anímico da arte a par- tir de uma desconstrução dos aspectos artísticos, sociais e psicológicos envolvidos nas tradicionais representações da Madona e bambino. Ademais, quando de seu retorno da viagem a Roma, em 1956, Flavio de Carvalho iniciou outra longa série, de 24 artigos, intitulada Os gatos de Roma, em que se aplicou a um estudo de cunho antropológico e psicológico dos hábitos e costumes italianos, desde os etruscos até os tempos moder- nos, pretendendo esboçar o que chamava de “gráficos da cultura” (cf. DSP, 1957).

É possível pensar ainda que há diferenças exemplares entre as duas cidades em que programou exibir o New Look: São Paulo e Roma. São Paulo, em meados dos anos cinquenta, era uma cidade que buscava se modernizar e que crescia em ritmo tão acelerado que deu a impressão a Palma Bucarelli, superintendente da Galleria Nazio- nale d’Arte Moderna de Roma naquela época, de que nascia “quase ex novo” (Bucarelli, 1954, p. 8). No campo das artes, no ano de 1956, São Paulo dispunha, havia menos de dez anos, de um Museu de Arte Moderna e já realizara três bienais internacionais de arte. Naquele mesmo ano de 1956, acontecia a I Exposição Nacional de Arte Concreta, que, em termos gerais, não deixava de refletir na arte a modernização do país; e, um ano depois, o Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer em 1954, começaria a ser construído. Ao desfilar o seu novo traje contra este pano de fundo, de certa forma Flavio de Carvalho caminhava, mesmo em meio a polêmicas e escândalos, no sentido da modernização. A apresentação de seu traje em Roma já adquiria uma outra signifi- cação. Em Roma, o pano de fundo não era mais o de uma cidade em desenvolvimento, cuja própria tradição estava sendo construída, mas o de uma cidade que, em si mesma, agregava várias camadas de história, como bem observa Giulio Carlo Argan:

113 Flavio de Carvalho: experiências romanas |Veronica Stigger

Em Roma, é mais uma questão de tempos do que de espaços. As marés das épocas passaram e se retiraram, deixando na areia os restos de distantes naufrágios; como todos os salvados, têm ao redor um espa- ço próximo e ilimitado, o mar e a praia. É uma cidade que viveu de despojos, depois de ruínas, hoje de refugos. Também os romanos, de Eneias em diante, vieram de remotos desastres: criaturas do tempo, vivem de tempo e não receiam desperdiçá-lo (Argan, 1992, p. 205).

De maneira sintética, podemos dizer que o cenário que Roma oferecia era aquele da história da arte. Era a esse cenário, a essa longa tradição artística e cultural, que Flavio de Carvalho escolheu contrapor seu traje do futuro, a roupa, segundo ele, mais adequada ao homem atual. Ao fazer isso, seu traje e seu gesto assumiam um sen- tido renovado e diferenciado daquele que teve na exibição em São Paulo. Enquanto São Paulo se apresentava como a cidade que, embora ainda com traços provincianos (veja-se a reação exacerbada ao New Look), dirigia-se rumo à modernidade, Roma era a cidade que representava um fundo anacrônico, do tempo acumulado em monumen- tos e ruínas.

Roma, novembro de 1956

No dia em que Flavio de Carvalho chegou a Roma, os estudantes locais promoviam a primeira de uma longa série de manifestações pelas ruas do centro da capital italia- na, em repúdio à ação soviética na Hungria e em apoio aos revoltosos. Desde 24 de outubro, as manchetes dos jornais romanos noticiavam as passeatas estudantis que ganhavam as principais vias de Budapeste em protesto contra a opressão do regime comunista imposto pela antiga União Soviética e a favor de um comunismo próprio, mais democrático e livre. Em pouco tempo, aos estudantes se somaram os trabalha- dores e os membros dos comitês nacionais revolucionários. Naquele mesmo 24 de outubro, cumprindo uma das exigências dos estudantes rebeldes, Imre Nagy retornava ao poder, para o cargo de primeiro-ministro, depois de ter sido afastado pelas auto- ridades soviéticas no ano anterior (cf. Judt, 2006, pp. 314-318). Nagy queria negociar com os revoltosos, prometendo-lhes reformas democráticas, independência e a ime- diata retirada das tropas soviéticas do território húngaro (Av, 1956 [26 out.], p. 1; Av, 1956 [27 out.], p. 1). Com a sua subida ao poder, acirrou-se a repressão soviética, e os confrontos entre soviéticos e povo magiar tornaram-se cada vez mais sangrentos. Não demorou muito para que uma reação antissoviética se alastrasse pelo mundo. Na Itália, depois de Roma, que, em 27 de outubro, fizera sua primeira manifestação em solidariedade aos húngaros, outras cidades viram seus estudantes tomarem as ruas em protesto. Em 29 de outubro, as manifestações já se espalhavam por toda a península (Av, 1956 [30 out.], p. 2; SI, 1956 [30 out.], p. 5). Quanto mais se aproximava o dia de abertura da exposição de Flavio de Carvalho na Galleria L’Obelisco, mais violentas se tornavam as manifestações nas ruas de Roma. Alguns jornais da véspera e do dia de seu vernissage (31 de outubro e 1° de novembro respectivamente) relatavam que hou- vera presos e feridos nos confrontos entre jovens e polícia (cf. Av, 1956 [31 out.], p. 4;

SI, 1956 [31 out.], p. 2 e p. 4; Un, 1956 [31 out.], p. 5; NGP, 1956 [1° nov.], p. 7; Pa, 1956 [1° nov.], p. 4; PI, 1956 [1° nov.], p. 1 e p. 4; SI, 1956 [1° nov.], p. 5). Na Via delle Botte- ghe Oscure, onde ficava a sede central do Partido Comunista Italiano (PCI), e nas ruas adjacentes à Via Gaeta, onde se encontrava a sede da Embaixada da União Soviética, centenas de policiais, munidos de escudos, formavam grandes cordões de isolamento para conter a passagem dos manifestantes. As barreiras, no entanto, não impediam os jovens de arremessar pedras contra os prédios, alvos de seus protestos3. Em 31 de ou-

tubro, defronte à sede do PCI, a polícia chegou a usar hidrantes para tentar afastar com jatos d’água a multidão revoltosa (Pa, 1956 [1° nov.], p. 4). Em suas passeatas pelas ruas centrais de Roma – que partiam da Piazza Venezia, seguiam pela Via del Corso até a Via Tritone, de onde subiam até a Piazza Barberini para, depois, pegar a Via Barbe- rini até a Via XX Setembre em direção à Via Gaeta, ou seja, pelas ruas adjacentes à da galeria (Via Sistina) onde expunha Flavio de Carvalho –, os estudantes empunhavam cartazes anticomunistas e bandeiras da Hungria e, vez ou outra, queimavam bandeiras soviéticas e exemplares do L’Unità, histórico jornal de esquerda fundado por Antonio Gramsci (SI, 1956 [31 out.], p. 4). Il Secolo d’Italia, jornal de direita, ligado à Alleanza Nazionale, exaltava, em sua edição de 31 de outubro (p. 4), que, na Piazza Venezia, “a juventude expôs numa janela do Palazzo Venezia uma grande bandeira tricolor entre o entusiasmo e a ovação prolongada da multidão presente e de todos os manifestantes”. No mesmo dia, o socialista Avanti! (1956 [31 out.], p. 4) dava seu testemunho:

Guiados por chefes fascistas, os estudantes tentaram forçar o bloco, mas eram repelidos a golpes de cassetetes. Na [Praça] Esedra, os ma- nifestantes arrancavam as barreiras de contenção e com estas lutavam contra os agentes. Eram lançadas também pedras, e o salva-vidas co- locado diante do monumento ao Militar Desconhecido foi destacado para impedir a evolução das caminhonetes. Era justamente sobre as escadas do monumento que se davam os encontros mais violentos e foi ali que os agentes conseguiram se apossar dos cartazes em louvor ao fascismo.

Tão logo começaram as manifestações, por toda a Itália iniciaram-se também as doações voluntárias de sangue4. Com o acirramento da violência nos combates na 3 Nos textos “Agenti e studenti feriti nelle manifestazioni organizzate dai dirigenti fascisti” (Av, 1956 [31 out.], p. 4) e “Ca- riche della polizia in piazza Venezia mentre la gioventù missina inneggia all’Ungheria” (SI, 1956 [31 out.], p. 4), falava-se de trezentos agentes policiais protegendo a sede do PCI. Em “Tutta la gioventù romana nelle piazze per manifestare soli- darietà agli eroi magiari”, contava-se que “numerosas pedras foram lançadas contra o edifício que hospeda a Embaixada da URSS” (SI, 1956 [30 out.], p. 5). Cf. também “Centocinquanta studenti fermati. Giulio Caradonna è stato arrestato” (PI, 1956 [1° nov.], p. 1).

4 Interessante notar que a doação voluntária de sangue, em caso de eventos em que se tenham incontáveis feridos, é um hábito bastante italiano. Quando estive realizando esta pesquisa em Roma, uma série de terremotos destruiu a cidade de Áquila em abril de 2009. Não tardou para que os italianos acorressem aos postos de saúde para doar seus sangues aos atingidos pela catástrofe. Na época dos acontecimentos na Hungria, Emilio Servadio tentou explicar por que os italianos doam seu próprio sangue em ocasiões como a dos conflitos em terras húngaras: “A ‘doação do sangue’ — da qual tanto se fala atualmente em relação aos dramáticos acontecimentos húngaros — parece não poder ser comparável às mais costumeiras (e portanto louváveis e úteis) ofertas de dinheiro, de pães ou de víveres. Para a pessoa mais simples como para a mais culta, doar o próprio sangue se carrega de significados emocionais e simbólicos, cuja origem está, em boa

115 Flavio de Carvalho: experiências romanas |Veronica Stigger

Hungria, o afluxo de romanos aos postos de saúde para doar sangue aos revoltosos feridos aumentou consideravelmente. Nos dias 31 de outubro e 1° de novembro, os jornais Il Popolo, Il Giornale d’Italia e Il Secolo d’Italia informavam sobre a partida, por avião, do sangue oferecido pelos romanos (Po, 1956 [31 out.], p. 4; GI, 1956 [1° nov.], p. 4; SI, 1956 [1° nov.], p. 5). A enorme quantidade de pessoas que procuraram os lo- cais de doação – Il Paese (1956 [2 nov.], p. 4) e Il Popolo Italiano (1956 [2 nov.], p. 4) contabilizaram 250 doações, totalizando oitenta litros de sangue, apenas no dia 1° de novembro, mesmo dia da abertura da exposição de Flavio de Carvalho – fez com que a Cruz Vermelha italiana providenciasse uma unidade móvel, a ser colocada na Piazza Esedra, no centro de Roma5. Com o sangue, eram doados também dinheiro, alimentos

e medicamentos (Pa, 1956 [2 nov.], p. 4).

Mas não era apenas a crise na Hungria que tomava o espaço dos jornais e das revistas do período – jornais que, diga-se de passagem, costumavam não ter mais do que oito páginas. Por aqueles mesmos dias, havia estourado o conflito no Canal de Suez, entre Egito, de um lado, e França, Grã-Bretanha e Israel, de outro. Em 29 de outubro, as forças armadas de Israel cruzaram a fronteira do Sinai em direção ao Canal de Suez. No dia seguinte, tropas britânicas e francesas começaram a se preparar para desembarcar em Suez e tomar de volta o Canal, o qual, em julho de 1956, havia sido nacionalizado pelo então chefe de governo egípcio Gamal Abdul Nasser (cf. Judt, 2006, pp. 291-297). Em 31 de outubro, Grã-Bretanha e França principiaram um violento ataque aéreo sobre a região de Suez, que se prolongou pelos próximos dias. Na data da abertura da exposição de Flavio de Carvalho, 1° de novembro, as manchetes dos jor- nais não poderiam ser outra: o bombardeio sobre o Egito6. No dia seguinte, as capas se

No documento Marcelina 4 (páginas 109-124)